segunda-feira, 16 de junho de 2014

Os esqueletos de Aécio


 



Folha.com, 16/06/2014
 

Os esqueletos de Aécio



Por Ricardo Melo, Folha




Ninguém é obrigado a ser candidato a presidente. Mas quem abraça a causa deve saber que sua vida está sujeita a ser esquadrinhada –Mirian Cordeiro que o diga. O tucano Aécio Neves, agora candidato oficial do PSDB, parece incomodado nesta missão.
Ainda pré-candidato, Aécio começou mal. Decidiu fugir de perguntas incômodas, atacar as críticas como obra de um submundo e acionar a Justiça para tentar limpar uma biografia no mínimo controvertida. Nada a favor dos facínoras que inventam mentiras em redes sociais para desqualificar adversários. Mas daí a ignorar questionamentos vai uma distância enorme.
A repórter Malu Delgado, da revista “piauí”, prestou um belo serviço ao escrever um perfil do tucano. Lá estão prós e contras, alinhados com sobriedade e rigor jornalístico. Cada um que chegue às suas conclusões. Por enquanto, elas soam desfavoráveis ao candidato.
Deixe-se de lado qualquer falso moralismo. É direito do eleitor sabatinar quem se propõe a dirigir o país. A fronteira entre o público e o privado se esmaece, sem que isso signifique a condenação a priori de qualquer um.
Vídeos na internet mostram práticas nada republicanas, como gostam de falar, por parte do então governador de Minas Gerais. Entre outras façanhas em bares e blitze, montou uma tropa de choque midiática para sufocar críticas.
Tanto fez que a guilhotina tucana decapitou sem piedade inúmeros jornalistas em Minas Gerais. Os testemunhos estão à disposição, basta querer ver e ouvir.
Sombras permanecem. A questão das drogas é uma delas, e cabe ao candidato refutá-las ou não; ao eleitor, mensurar a sinceridade dos depoimentos e até que ponto o tema interfere na avaliação do postulante. Aécio tem se embaralhado frequentemente no assunto. Adotou como refúgio a acusação de que tudo não passa de calúnias. Ao vivo, acusou jornalistas reconhecidamente sérios de dar vazão a rumores eletrônicos. Convenceu? Algo a conferir.
Na reportagem citada, destaca-se um mistério. Uma verba de R$ 4,3 bilhões, supostamente destinada à saúde, sumiu dos registros oficiais do Estado. Apesar de contabilizada na propaganda, a quantia inexiste nos livros de quem teria investido o dinheiro.
O caso foi a arquivo sem ter o mérito da questão examinado. A promotora autora da denúncia insiste na ação de improbidade. Na falta de esclarecimentos dos acusados, aguarda-se o veredicto da Justiça.
Esqueletos à parte, na convenção de sábado (14) Aécio teve a chance de ao menos apresentar um programa que justificasse a candidatura. Perda de tempo. O evento faria corar a banda de música da finada UDN. Discursos mirabolantes se esforçaram para preencher o vazio de alternativas.
Ouviram-se insistentemente anátemas contra a corrupção. Ninguém se referiu, contudo, às peripécias do mensalão mineiro e às manobras, também nada republicanas, do correligionário Eduardo Azeredo para escapar de uma condenação.
O distinto público continua sem saber se o salário mínimo vai mudar, se a aposentadoria fica como está, se haverá um tarifaço e quais medidas um governo tucano propõe para melhorar o bem-estar do povo. Ministérios serão cortados, esbraveja o senador. Mas quais? A reeleição, comprada a peso de ouro pelo seu partido na gestão FHC, vai mesmo acabar? A respeito disso tudo, o que ressoa é o eco das tais “medidas impopulares”.
Em lugar de propostas, metáforas mal construídas que começam com brisa, crescem para ventania e acabam em tsunami. Talvez porque Minas não tenha acesso ao mar.
Se quiser seguir em frente, Aécio Neves está muito a dever. Saiu da zona de conforto mineira, em que a imprensa é garroteada impiedosamente para abafar desmandos de gestão. O jogo mudou, e o neto de Tancredo deve providenciar urgentemente garrafas para vender.
Não adianta apostar apenas no erro do adversário. Amante de relógios caros, muitos deles capazes de quitar com seu valor dezenas e dezenas de prestações de aspirantes a uma casa própria, o tucano já deveria ter aprendido que quem sabe faz a hora, não espera acontecer.

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​Revista Piauí, Junho de 2014


O PÚBLICO E O PRIVADO
O dilema que acompanha Aécio Neves, o presidenciável tucano


Por MALU DELGADO

 
"Vamos fazer um negócio curtinho lá, senão ninguém aguenta. Pá, pum! E aí entra a música.” Aécio Neves da Cunha batia a lateral da mão direita na palma esquerda, ritmadamente. Orientava os discursos que seriam feitos dali a algumas horas no lançamento da pré-candidatura de Pimenta da Veiga ao governo de Minas Gerais. Dentro do jatinho que ia de Brasília a Belo Horizonte naquela manhã de fevereiro, cinco coadjuvantes da festa ouviam o senador com atenção. Além do presidente do PSDB paulista, Duarte Nogueira, e do líder do partido na Câmara, Antonio Imbassahy, estavam no voo os presidentes da seção mineira do PSB, do PDT e do PT do B. A fauna política era uma pequena amostra do modo de operar de Aécio. Se tudo correr conforme o planejado, Pimenta da Veiga terá mais de 20 legendas apoiando sua candidatura.
De janeiro a maio, o senador mineiro fez quarenta viagens de avião custeadas pelo partido – dezesseis delas para São Paulo. As agendas eleitorais disfarçadas de compromissos partidários geralmente se iniciam às quintas-feiras, quando o Congresso se esvazia. Na aritmética dos tucanos, se chegar à frente de Dilma Rousseff no estado de Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin e José Serra, Aécio dificilmente fica fora do segundo turno da eleição presidencial. Ele considera que em Minas, segundo colégio eleitoral do país, deve ter ampla vantagem sobre a petista.
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Sentado sempre de frente para a cabine de comando – hábito do qual não abdica –, Aécio fez o sinal da cruz assim que o avião decolou. Perguntei se tinha medo de voar. Deu de ombros e respondeu que certas coisas são inevitáveis, “então melhor nem pensar no assunto”. Minutos depois o senador descrevia, efusivo, a ampla coalizão que montava em seu estado. Brincava ao mesmo tempo com os parlamentares, chamando-os por apelidos ou diminutivos. Fez piadinhas inaudíveis ao pé do ouvido de Júlio Delgado, do PSB. Pegou o tablet de um assessor para acompanhar as últimas notícias e passou os olhos em alguns relatórios. Relaxado, pôs-se a falar do lugar de que mais gosta, a fazenda na cidade de Cláudio, no interior de Minas. “São 50 alqueires e alguns pezinhos de café para não ficar feio e também curar a cachaça”, ele disse. Chamou seu refúgio de “meu Palácio de Versalhes”, numa alusão ao château nos arredores de Paris que funcionou como centro do poder do Antigo Regime francês. “Um dia você vai conhecer o meu palácio”, prometeu. Nos quase quatro meses em que o acompanhei em viagens e eventos, ele evitou abrir as portas de seu castelo, sem nunca ter dito “não” claramente. A fortaleza mineira, na descrição de um amigo da família, é “uma fazenda tipicamente colonial, sem pompa, com uma capelinha na entrada e campinho de futebol”.
Imbassahy interrompeu a conversa para mostrar “um vídeo fantástico” no YouTube. “Já viu?”, perguntou, empurrando o tablet em minha direção. Aécio e as irmãs Andrea e Angela aparecem ao lado de outros parentes numa varanda do château. Participam todos de uma cantoria animada. A música é Tocando em Frente, de Renato Teixeira e Almir Sater, aquela que diz “ando devagar porque já tive pressa”. A gravação foi feita em 2006, mas havia sido postada na rede apenas três dias antes da nossa viagem. “Muito bom, muito bom”, repetia o deputado baiano. “Ele é o campeão número 1 nesta arte, a sacanagem de agradar”, emendou, apontando para Aécio.
Entusiasmado, Imbassahy argumentou que, ao contrário de Serra, que disputou a Presidência em 2002 e 2010, e ao contrário de Alckmin, candidato em 2006, o mineiro agora teve tempo e condições, como presidente do PSDB, para gestar acordos políticos e preparar os terrenos regionais. “Esse camaradinha aí costurou coisas que só vão aparecer lá na frente.” Uma dessas “costuras” apareceu durante o voo. Pouco antes de desembarcar, entre goles de Coca-Cola Zero, Aécio conversou por telefone com o ex-prefeito Gilberto Kassab para agradecer o apoio do PSD a Pimenta da Veiga.

"Minas é minha casa e minha causa” – totalmente confortável em seu discurso, Aécio usou e abusou do bordão, que repetiria em outras ocasiões. Governador do estado por duas vezes, de 2003 a 2010, foi reeleito com 77% dos votos válidos. Gosta de mencionar que deixou o governo com 92% de aprovação. Elegeu Anastasia seu sucessor, derrotando a chapa com dois ex-ministros de Lula (Hélio Costa, do PMDB, e Patrus Ananias, do PT, como vice). Formado em direito, professor universitário, Antonio Anastasia foi secretário de Planejamento e Gestão de Aécio no primeiro mandato; filiou-se ao PSDB a pedido do chefe e tornou-se vice-governador no segundo.

Quando se dirige aos mineiros, sua voz ganha uma impostação solene, que faz lembrar discursos políticos à moda antiga. O recado: estava pronto para ser presidente. E isso só seria possível com os votos de Minas. Entrou então a música: um sambinha da década de 80, feito por uma escola tradicional de São João del-Rei para Tancredo Neves.
Suado, com a camisa para fora da calça e os cabelos desalinhados, Aécio secou o rosto com um lenço antes de posar para fãs, a maioria mulheres munidas de celulares. Em todas as imagens – dezenas – não tirava o sorriso do rosto, exibindo, como se estivessem congeladas, as famosas covinhas. Entrou num carro com Pimenta, Anastasia, Imbassahy e Nogueira – e desapareceu. Quando percebi, estava sozinha na van com um assessor do senador.
Cerca de quarenta minutos depois eles ressurgiram no hangar onde os aguardávamos. Aécio explicou a razão do sumiço: fora visitar o ex-deputado Eduardo Azeredo, que na véspera havia renunciado ao mandato. Réu na ação penal do mensalão tucano que tramitava no Supremo Tribunal Federal, Azeredo, com seu gesto, conseguiu levar o processo à primeira instância, postergando o julgamento e mantendo-se distante dos holofotes, ao menos por ora. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, havia pedido sua condenação a 22 anos de prisão por desvio de recursos na campanha eleitoral de 1998. No dia em que esteve com ele, Aécio limitou-se a comentar que Azeredo – como ele, também ex-governador de Minas –, é “um homem de bem” e estava “abatido”. E foi logo puxando outro assunto.  
 
Não foi por acaso que durante o voo Imbassahy me mostrou o vídeo de Aécio na fazenda. A divulgação na rede de uma cena familiar (ou um “conteúdo positivo”, no jargão dos marqueteiros) faz parte de uma operação de guerra. A campanha tucana se preocupa particularmente com os efeitos nocivos da internet para a imagem do candidato. Seus apoiadores discutem a possibilidade de criar um espaço virtual para publicar “todos os boatos” sobre o mineiro, com as respectivas respostas. A inspiração vem de Barack Obama, que fez uso desse recurso na campanha americana.
Aécio move processos contra o Facebook e os buscadores Google, Yahoo e Bing. Alguns tucanos consideram que a estratégia é um tiro no pé. O senador reitera que tem sido mal interpretado e que não há, nem nunca houve, nenhuma intenção de praticar censura.
O escritório de advocacia Opice Blum é um dos mais renomados do país nas questões sobre direito digital. Aécio o contratou como pessoa física e mantém os honorários em segredo. Dois processos contra o Facebook – um deles corre em sigilo de Justiça – pedem a retirada de perfis falsos de Aécio, que usam a primeira pessoa e incitam o uso de drogas.
“Aí não dá para admitir. Isso é criminoso”, me disse Juliana Abrusio, jovem advogada de 36 anos. Sentada em sua mesa, numa sala ampla que divide com outros advogados, ela sorvia um picolé Rochinha enquanto me explicava os processos. De acordo com Juliana, são vários perfis criados por “quadrilhas virtuais criminosas” para difamar a imagem do senador. A crítica, a divergência de opinião e até a zombaria são aceitáveis; “o crime, em hipótese alguma”, frisou.
 Saia justa até o joelho, meia fina, saltinho, camisa social rosa-clara, ao terminar o picolé Juliana fez um coque no cabelo e o prendeu com uma caneta. Explicou que o processo contra os buscadores da internet é referente “a uma mentira que espalharam na rede dizendo que o senador é acusado em ação judicial promovida pelo Ministério Público de ter desviado 4,3 bilhões de reais”. Essa “mentira”, disse Juliana, “foi disseminada na internet por meios ilícitos” (robôs, spams de comentários e outras táticas de guerrilha) “para influenciar os algoritmos desses sites de busca”. Quanto maior o interesse por um tema na rede, mais destaque ele ganha no buscador. O que o senador quer, enfatizou a advogada, é que essa combinação de palavras  “Aécio + desvio de R$ 4 bi” deixe de ser “oferecida espontaneamente pelos buscadores”. Ela insistia: “Não é censura. Não pedimos a retirada de nenhum conteúdo.” Não seria uma luta inglória? Ela admite que, se Aécio vencer as ações, os conteúdos vão continuar na rede. Mas ficaria mais difícil acessar tais notícias.
O caso dos 4,3 bilhões é intricado.
A promotora de Justiça Josely Ramos Pontes, que investigava a aplicação de recursos na Saúde durante o governo Aécio, em determinado momento descobriu que mais de 50% dos investimentos na área provinham de ações desenvolvidas pela Copasa, a Companhia de Saneamento de Minas Gerais. Achou exagerado. No orçamento, o governo informava que havia transferido dinheiro à entidade para aplicá-lo em ações de saneamento. Uma auditoria mostrou, no entanto, que nos documentos contábeis da Copasa não apareciam tais recursos. Foi a partir dessa constatação que a promotora resolveu mover a ação de improbidade contra Aécio. Em janeiro deste ano, o procurador-geral de Justiça de Minas, Carlos André Bittencourt, entendeu que a promotora não poderia processar um governador e arquivou o caso, sem entrar no mérito. Josely recorreu em abril. “A toda sentença cabe uma apelação. A ação de improbidade ainda existe”, ela me disse por telefone. Não se trata, de acordo com a promotora, de uma ação para questionar o percentual de recursos aplicados na Saúde (que deve ser de 12% da receita estadual, segundo a Emenda 29).
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suspeita de desvio?, indaguei. “O que eu posso afirmar é que o estado não colocou esse dinheiro na Saúde. Os recursos aparecem na prestação de contas do estado, mas não foram gastos. A impressão que eu tenho é que esse dinheiro não existe, é uma invenção”, foi a resposta.
 
Misto de playboy carioca e menino do interior mineiro seria uma boa definição para Aécio, segundo quem o conhece bem. Quando seu pai, Aécio Ferreira da Cunha, foi fazer um curso na Escola Superior de Guerra, na década de 70, levou toda a família para o Rio. “Aecinho” completou 10 anos de idade na capital fluminense. Era surfista, gostava de moto. Nas férias em Minas, cavalgava. Frequentava badalações em resorts no Nordeste, agitos em Búzios e Angra dos Reis, mas também viajava para a fazenda em Cláudio, fazia cavalgadas até cidades vizinhas. Sempre gostou de jogar peladas de rua. Continuou prezando todos esses hábitos depois de ingressar na política. “Se você precisasse achar o Aécio num final de semana, era melhor desistir. Ele não atendia celular de jeito nenhum. Agora ele me deu um número e até liga pra gente, a qualquer hora e a qualquer dia”, me disse um deputado.
Cruzeirense fanático, quando adolescente Aécio pegava um ônibus no Rio para assistir aos jogos no Mineirão. Não perdia um. Dias depois da posse do primeiro mandato de governador, despediu-se dos ajudantes de ordens, tirou o terno e disse que iria sozinho ao estádio. Foi um fuzuê. O Gabinete Militar se viu obrigado a relaxar os padrões de segurança que adotava para adaptar-se aos hábitos de Aécio.
No Rio, o mineiro começou a cursar direito na Pontifícia Universidade Católica e economia na Cândido Mendes. Em 1982, aos 22 anos, cedeu aos apelos do avô para ajudá-lo na campanha ao governo de Minas. Transferiu o curso de economia para a PUC mineira e abandonou a faculdade de direito. “Se fosse um momento normal da vida brasileira, muito provavelmente eu não teria ido, não teria largado minha vida no Rio”, disse. Por influência do avô, também abortou o mestrado em Harvard, que estava engatilhado para 1985 – “Acho que nunca contei isso pra ninguém, quem sabe eu ainda realize esse sonho represado.” A carreira política começou formalmente em 1986, como constituinte, e se estendeu na Câmara dos Deputados por quatro mandatos consecutivos, até o final de 2002.
 Aos 54 anos, completados em março, Aécio é – ou foi, segundo os que sustentam sua candidatura – uma pessoa boêmia. Durante muitos anos era figura assídua em sites de fofocas de celebridades. Além das namoradas do mundo pop – atrizes, modelos, colunáveis –, em diversas ocasiões apareceu na noite com amigos badalados, entre eles o ex-jogador Ronaldo Nazário, o empresário Alexandre Accioly e o apresentador Luciano Huck. “Mudei para o Rio há quinze anos. Conheci muita gente na Cidade Maravilhosa, mas construí poucas e sólidas amizades, que não enchem a palma de uma mão. Aécio é uma delas”, disse Huck por e-mail no final de um dia cheio de gravações na Globo. O animador televisivo confirmou que ele e Aécio se veem com frequência. Disse que não falam de política nos momentos de lazer. Destacou a lealdade e a capacidade do mineiro de ouvir e declarou sem titubear seu voto. “Sem dúvida, acho Aécio a melhor opção para colocar o país no caminho de uma nação mais bacana de se viver.” Na última semana de maio, Ronaldo também tornou público seu voto no tucano.
Numa reportagem de 2008 intitulada “Menino do Rio”, a revista Época fez um roteiro dos bares e restaurantes cariocas que o governador Aécio frequentava. Trazia fotos de baladas em que o político fora visto e de mulheres com quem havia se relacionado. No texto, o publicitário Nizan Guanaes palpitava sobre as chances de Aécio vencer uma disputa presidencial: “Ele tem o charme do JK e o jogo de cintura do Tancredo. Só faltam uns fios de cabelo branco e uma primeira-dama para ele assentar.” Aécio respondia que a madeixa branca apareceria com o tempo. “Mas casar?! Prefiro apoiar o Serra.”
 
Aécio foi casado durante sete anos com a advogada Andréa Falcão, com quem teve a filha Gabriela, em 1991. Separaram-se em 1998. Tentaram uma reaproximação dez anos depois do divórcio, mas não vingou. A ex-miss Natália Guimarães foi apontada como o pomo da discórdia. Hoje casada e mãe de gêmeas, Natália prefere não falar. Com vários fios grisalhos, Aécio casou-se com a modelo Letícia Weber, de 34 anos, em outubro do ano passado, numa cerimônia quase secreta, após de cinco anos de namoro. A imprensa só ficou sabendo dias depois. A modelo está grávida de gêmeos.
Em novembro de 2009, o jornalista Juca Kfouri publicou em seu blog uma nota que tirou Aécio do prumo. Escreveu que testemunhas viram o senador tucano dar um safanão em Letícia numa festa do estilista Francisco Costa, da Calvin Klein, na piscina do Hotel Fasano, no Rio. Aécio negou e disse que processaria o jornalista por calúnia. Nunca o fez. Kfouri manteve a informação, apesar das contestações do ex-governador. Nunca vieram à tona fotos, vídeos ou testemunhas que confirmassem o caso. Seis dias antes, uma nota similar havia sido postada no site Glamurama, da colunista Joyce Pascowitch. A jornalista não citava nomes. Só falava de “tapa na cara” da moça, “que revidou”.
Juca Kfouri respondeu de forma lacônica a perguntas que lhe enviei por e-mail. Disse que não tem mais contato com as testemunhas que lhe relataram o fato do Fasano, mas mantinha o que escrevera. E confirmou que Aécio nunca o interpelou judicialmente. Ficou por aí. “Meus advogados me orientaram a não tocar neste tema”, concluiu o jornalista.
Internada desde o final de maio na clínica Perinatal, no Rio, sob observação e cuidados depois que teve contrações inesperadas com quase seis meses de gestação, Letícia me enviou uma mensagem por torpedo. “Toda essa mentira foi um grande absurdo”, disse, referindo-se à noite do Fasano. “Me impressiona a maldade de pessoas que se especializam em tentar destruir a reputação de adversários, disseminando esse tipo de coisa na internet. A vida do Aécio, pública e privada, é honrada e imune a esse tipo de mentira.”
Aécio admitiu que sua relação com Letícia teve “idas e vindas”, como a de muitos casais, mas hoje é “muito madura”. “Estou achando lindo ser pai novamente. Estou feliz em casa.” Disse que os gêmeos o deixam “renovado, vigoroso e jovem”. E definiu assim seu momento pessoal: “Eu dei muita sorte na vida. Tenho uma filha extraordinária, tenho uma relação fantástica com minha ex-mulher. Ela é minha parceira querida, amiga, uma mãe maravilhosa, convive comigo, eu convivo com ela. Minha mãe é uma coisa única no mundo, presente o tempo inteiro. Tenho uma irmã maravilhosa, sempre com uma solidariedade e uma generosidade que ultrapassam qualquer limite. A Andrea, que você conheceu...”
 
Avessa a entrevistas e exposições, Andrea
Neves
se assume como uma mulher dos bastidores, da articulação política. Fala baixo e com delicadeza, mas quase sem pausa, puxando o com afinco – “No Rio dizem que não tenho sotaque, aqui dizem que sou carioca, então resolvi dizer que sou de Juiz de Fora.” Um ano mais velha que o irmão, hoje com 55 anos, foi militante quando jovem e ajudou a fundar o PT no Rio, numa época em que Aécio se ocupava mais de sua prancha. Quando Tancredo chamou o neto em 1982, Andrea não perdeu tempo. “Vim junto, de enxerida.” Desde então ela é o esteio político do irmão. Adversários e mesmo aliados do tucano a chamam de “Goebbels das Alterosas” e “Golbery do Aécio”, alusões ao poder do ministro da Propaganda de Hitler e à iminência parda do governo Geisel.
No primeiro governo do tucano em Minas, no início de 2003, Andrea foi nomeada coordenadora de um grupo de comunicação que reformularia toda a estratégia de marketing no estado. Deu coesão a campanhas e peças publicitárias e pôs em prática a política de distribuir a propaganda oficial entre todos os veículos, ainda que o preço de cada um deles pudesse variar.

No final do nosso encontro, perguntei a Andrea por que ela nunca tinha se candidatado a nada. “Acho que existem várias formas de fazer política. Eu faço política. Nunca quis disputar uma eleição, acho que por pura timidez.” Seria ministra? “Tenha dó!”, gargalhou. Uma coisa é certa: Andrea se muda para Brasília se Aécio vencer. E, dentro ou fora da Esplanada, vai comandar a comunicação do governo.
 
Desarticulada, a oposição mineira passou anos assistindo ao reinado de Aécio. O PT engoliu o Lulécio (o voto casado em Lula e Aécio), o Dilmasia (os eleitores que escolheram Dilma e Anastasia) e o Pimentécio (a inusitada união do ex-prefeito petista Fernando Pimentel e Aécio para levar Marcio Lacerda à prefeitura da capital). “Aécio sempre incentivou esses bichos esquisitos em Minas”, contou o deputado estadual Rogério Correia (PT), um dos principais opositores do tucano. Agora rompido com Aécio e candidato ao governo do estado, Pimentel tem dificuldades para atacar o ex-aliado.
Foi somente em 2011 que uma oposição mais estruturada começou a surgir, com o nome de “Minas Sem Censura”. Atualmente o bloco parlamentar reúne 21 deputados – do PT, do PMDB e do PRB. Pouco numerosos, mas muito barulhentos, atuam sobretudo via internet. Mantêm um site em que denunciam indicações políticas em estatais, reproduzem insatisfações do funcionalismo, dão voz a suspeitas de irregularidades em obras e parcerias público-privadas, além de baterem na tecla da “mordaça” que o governo mineiro impõe ao Judiciário, ao Ministério Público e, sobretudo, à imprensa.
Em 2006, a blindagem do governo foi tema de documentário de um estudante de jornalismo da Universidade Federal de Minas Gerais, a UFMG. O trabalho de conclusão de curso de Marcelo Baêta teve audiência inesperada na rede e repercutiu fora do país. Trazia depoimentos de jornalistas de peso, como o ex-diretor da Globo local Marco Nascimento, entre outros comentaristas e editores. Todos diziam sempre a mesma coisa: havia coerção do governo sobre a mídia. E mais: teriam sido demitidos depois de relatar episódios contrários aos interesses do governo.
Nascimento conta que havia sido contratado pela Globo com a missão de proteger o jornalismo de eventuais assédios políticos em Minas. O Jornal Nacional reproduziu uma reportagem sobre a disseminação do crack e a incapacidade da polícia de coibir o consumo da droga no estado. Andrea convidou-o para um almoço, durante o qual, na versão dele, disse que o momento era difícil para o governo. Depois desse contato, as reclamações continuaram e chegaram à direção da emissora no Rio. Ele perdeu o emprego. Em nota divulgada à época e reproduzida no documentário, a Globo alegou ser “comum que um profissional demitido procure desculpas além de seu desempenho profissional ou do seu comportamento pessoal para justificar sua saída”. [...] “A isenção do nosso jornalismo não pode ser medida por teorias conspiratórias baseadas no ressentimento, mas pelo que levamos ao ar e é julgado permanentemente pelo nosso público.” Agora chefe de redação do SBT, o jornalista não retornou os contatos telefônicos feitos por
P
iauí.
Produtor independente, com passagem pela Bloomberg, BBC e CNN, o jornalista Daniel Florêncio vive em Londres há mais de uma década. Contratado pela Current TV – experimento digital bancado por Al Gore para produzir documentários –, Florêncio fez em 2008 o vídeo Gagged in Brazil (Mordaça no Brasil), sobre a “censura em Minas”. Na esteira do filme de Baêta, esse também teve impacto. Além de reproduzir as histórias relatadas por Baêta, Florêncio coletou alguns depoimentos de jornalistas que pediram o anonimato.
O PSDB mineiro enviou uma carta a executivos da Current TV em São Francisco, nos Estados Unidos, pedindo que o vídeo fosse retirado do ar.
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“Queriam saber quem eram minhas fontes, de onde vinham minhas informações”, ele me contou por Skype. O jornalista deu as explicações a seus superiores e o documentário voltou a ser exibido depois de um mês. Na época em que fez o vídeo, Florêncio ofereceu à assessoria de imprensa de Aécio espaço de resposta, mas, segundo contou, “o approach deles foi agressivo”. Meses depois, colegas mineiros vieram lhe perguntar quanto ele havia embolsado do PT para produzir a peça. “A elite belo-horizontina cabe no salão de festas do Minas Tênis Clube. Querem chegar ao poder com ele”, disse, preferindo não citar nomes, sobre o comportamento da imprensa local.
 
O jornalista esportivo Ulisses Magnus, que é mencionado no documentário de Baêta, hoje trabalha na Record do Rio. No vídeo, ele relatou sua demissão da Rede Minas, a tevê pública do estado. Então presidente do Cruzeiro, o atual senador Zezé Perrella (pdt) não gostou de uma reportagem em que o técnico Vanderlei Luxemburgo esculhambava um jogador e disse a Magnus que assim que Aécio assumisse ele seria demitido. Três meses depois da posse, coincidência ou não, o editor perdeu o cargo. “Me demitiram pelo episódio. Mas não posso jogar pedras nem acusar. O que eu sei é que esse governo investe bastante em publicidade e existe patrulhamento sobre o que se diz ou não”, sustentou Magnus, numa rápida conversa por telefone. Despediu-se de forma curiosa: “Cuidado aí, só isso.”

O tema, no entanto, tira Aécio de seu habitual bom humor. Ao comentar o assunto, foi um dos raros momentos em que ele elevou o tom de voz. “Desde que eu nasci ouço essa história de que a imprensa mineira é complacente. Isso é dito principalmente por quem não lê a imprensa mineira”, disse. “Os mineiros também são críticos e censura é uma lenda urbana”, prosseguiu, passando a analisar o comportamento dos três principais jornais do estado: “OTempo me critica mais que a imprensa nacional; o Hoje em Dia nem conta porque é menorzinho; e o Estado de Minas sempre teve posição pró-governo pelo seu tipo de jornalismo, que não é um jornalismo de questionamento.”
Fundador do Tempo e do Super Notícia (diário popular vendido a 25 centavos), o ex-tucano Vittorio Medioli me disse que seu jornal atua com independência e critica todas as esferas de governo. “Aécio Neves se mostrou várias vezes incomodado, mas não mudamos nossa atitude.” Acrescentou que o senador cultiva uma relação pessoal e intensa com a imprensa – “uma importância talvez excessiva” – que lhe permitiu ter “trânsito privilegiado” em alguns veículos. Disse ainda que a assessoria de Aécio é rápida nas respostas, sobretudo em momentos de crise. “Ele é muito solícito e preocupado em não deixar que prosperem dúvidas a respeito da imagem dele. É muito persistente em exigir que a versão dele apareça.” Aécio “conhece o processo midiático como poucos políticos”, enfatizou Medioli.
É “primário, ridículo, absurdo” pensar que ele ou Andrea ordenem demissões, me disse Aécio. Alegou ser um dos personagens políticos “mais atacados pessoalmente e de forma leviana” pela mídia que é “sustentada com recursos do governo federal”. E completou: “Nunca liguei para diretor de jornal para criticar jornalista, quanto mais para pedir demissão. Eu posso até ligar para o jornalista e dizer: ‘Olha, está errada essa tua informação.’ Isso eu faço. Mas ligar porque o cara publicou algo contra mim? Zero”, finalizou, já com o tom de voz normalizado.
 
Minas Gerais será a vitrine de Aécio na campanha. Ele não se cansa de frisar que colocou as finanças do estado em ordem, de mencionar o chamado “choque de gestão” ou o “déficit zero”. Em seu primeiro mandato, governou com dezessete secretarias, cinco a menos que o antecessor Itamar Franco, extinguiu quase 3 mil cargos comissionados, reduziu os salários dos secretários e o dele próprio, e passou a remunerar servidores conforme a qualificação e o cumprimento de metas. O tucano costuma apresentar Minas como um oásis do crescimento, mas o fato é que o PIB mineiro, segundo o IBGE, seguiu pari passu o PIB nacional de 2003 a 2010, com pequenas oscilações. O governo do estado divulga o “crescimento chinês” de 8,9% em 2010, mas não faz questão de lembrar que no ano anterior, 2009, o PIB do estado havia diminuído 4%.
À frente da secretaria de Planejamento de Aécio no primeiro mandato, Anastasia dizia na época que a dramaticidade da palavra “choque” não era retórica, mas sim o termo apropriado diante da necessidade de mudanças abruptas num estado marcado pela desordem fiscal. Minas tinha déficit de 2,4 bilhões de reais, salário do funcionalismo escalonado, décimo terceiro atrasado. Como o governo Itamar havia decretado a moratória do pagamento da dívida com a União e não honrara contratos internacionais, era difícil atrair investimentos para o estado.
Aécio adotou medidas pouco populares para atingir o equilíbrio orçamentário. No primeiro ano de seu governo, cortou investimentos, reduziu despesas de custeio, congelou salários do funcionalismo e reviu abonos. Na outra ponta, o estado investiu em parcerias com o setor privado, sobretudo na Saúde e no setor prisional. No ano passado, Minas inaugurou seu primeiro complexo penitenciário administrado pela iniciativa privada, modelo controvertido nos países em que é aplicado. (Nos Estados Unidos, por exemplo, ele é considerado um estímulo à superpopulação carcerária, já que, para que o negócio seja rentável, o poder público precisa garantir um número mínimo de detentos.)
Antes de deixar o governo, Anastasia divulgou um decreto voltando a cortar para dezessete o número de secretarias, que já havia superado as 22 do tempo de Itamar – eram dezenove secretarias fixas e quatro extraordinárias, que, segundo a versão oficial, não aumentavam o custeio. O recuo foi decidido às pressas para não desmoralizar o discurso do presidenciável. O sucessor de Aécio cortou também às pressas os cargos comissionados, que aumentaram 92% (de 2 230 para 4 286) entre dezembro de 2003 e janeiro deste ano. O governo argumenta que esse acréscimo foi justificado pela ampliação dos serviços públicos.
  
O escritório da Gávea Investimentos fica num prédio moderno de uma das ruas mais movimentadas do Leblon, na Zona Sul do Rio. As portas se abrem com sistema biométrico (impressões digitais), como nos laboratórios do seriado americano CSI.
É ali que trabalha Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central de FHC. Crítico agudo e por vezes exaltado da política econômica do governo Dilma Rousseff, ele se tornou o principal fiador de Aécio Neves na área econômica, uma espécie de âncora do discurso da austeridade fiscal.
“Espere três minutos, por favor”, ele disse, entreabrindo a porta da sala de reunião onde eu o aguardava. Voltou exatamente 180 segundos depois – cronometrados.
O economista trabalha em média treze horas por dia e abriu mão de parte de suas tarefas para se dedicar ao projeto presidencial tucano. Ainda se ocupa do plano de construção do campo de golfe olímpico e dos esforços para inaugurar uma unidade do Hospital Sírio-Libanês no Rio. “Também sou consumidor da produção acadêmica”, completou. Atualmente conclui a leitura de O Capital no Século XXI, o best-seller do economista francês Thomas Piketty.
 À campanha eleitoral, Armínio Fraga destina pelo menos três horas por dia. Com 56 anos, Armínio, como é chamado, ainda não pretende deixar a Gávea, empresa que criou em 2003 e atualmente administra investimentos de 15,2 bilhões de reais. “Eu não vou redigir programa e tampouco me envolvo em questões de captação de recursos para a campanha”, disse, justificando ser razoável o tempo dedicado a Aécio. “Ele ganhando, e penso que ele tem tudo para ganhar, certamente aí eu vou ter que me desligar”, antecipa o ex-presidente do Banco Central. Armínio Fraga deve ser o ministro da Fazenda se Aécio Neves chegar ao Planalto. Por ora, ele se limita a dizer que “com certeza consideraria ir para Brasília”.
Calvo, cavanhaque e rosto redondo, Armínio tem uma expressão viva quando conversa. Consegue ser ao mesmo tempo elétrico e sereno. Ele e Aécio se comunicam diariamente por e-mail e com frequência por telefone. Encontram-se pelo menos duas vezes por mês. Para Armínio, é uma convivência parecida com a que mantinha com FHC. “Mesmo nos piores momentos preserva-se um bom humor e há espaço para uma convivência minimamente agradável. E sempre profissional”, disse.
A parceria com o investidor George Soros, para quem trabalhou no Soros Fund Management, rendeu a Armínio duras críticas do PT quando ele se integrou à equipe econômica, no furacão de 1999. Foi identificado como a “raposa que tomava conta do galinheiro”. Ele sente indisfarçável orgulho do ajuste fiscal implementado na época. Lembrou que o Brasil foi obrigado a abandonar a paridade cambial e o momento era de absoluta incerteza. “A previsão de crescimento do PIB era de menos 4%, e a previsão de inflação estava dispersa entre 20% e 50%. Se a inflação passasse de 10%, iria reindexar tudo. Introduzimos um sistema de metas, foi necessário apertar a política monetária, as expectativas se acalmaram. O investimento, que vinha devagar, represado, voltou. O consumo voltou e a economia andou”, resumiu.
Um dia antes de conversar com investidores financeiros em São Paulo, no final de abril, Aécio jantou com Armínio Fraga para calibrar o discurso. Se para o mercado financeiro sua presença na campanha tucana é um conforto, para o PT virou munição. O partido associa os colaboradores de FHC e o “ajuste fiscal” a recessão, desemprego, redução de salários e corte de programas sociais. Aécio ajudou os petistas quando declarou a empresários mineiros, durante um almoço, que fará tudo o que for preciso para colocar o país no rumo, até mesmo adotar “medidas impopulares”.

O pior, na verdade, já aconteceu, me disse Armínio Fraga, na tentativa de reverter o impacto negativo da frase de Aécio. “Conduzir os assuntos fiscais do país de maneira bagunçada só traz confusão e sofrimento. Não serve para nada.
O país vive um momento de inflação alta e baixíssimo investimento”, disse. No fim, rejeitou a pecha de “neoliberal”. “Eu sou liberal com coração à esquerda”, falou.
Voltei a tocar no tema “medidas impopulares” com Aécio no dia em que ele jantou com Armínio Fraga em São Paulo. Ele foi categórico em dizer que, se eleito, manteria a política de reajuste do salário mínimo conforme o crescimento do PIB. Na época, o PT já estava explorando uma entrevista que Armínio deu ao Estado de S. Paulo em meados de abril. Nela, reconhecendo a delicadeza do tema e sem avançar em propostas, o economista disse que “o salário mínimo cresceu muito ao longo dos anos” e que até líderes sindicais reconheciam que o salário em geral “precisa guardar alguma proporção com a produtividade, sob pena de, em algum momento, engessar o mercado de trabalho”.
Em relação a programas sociais, Aécio foi inicialmente vago: “Vamos avaliar melhor vários programas que estão aí? Vamos. Vamos ver qual é o efeito e a consequência de cada um deles.” E antes que eu formulasse nova pergunta,  antecipou-se: “Eu não vou cair nesta armadilha do ‘nós vamos cortar programas sociais’. Porque nós não vamos. Nós vamos é qualificá-los. Nós vamos evitar o desperdício.” O senador apresentou em 2013 um projeto de lei que transforma o Bolsa Família em programa de Estado. Foi uma das suas principais iniciativas no Senado até o momento.
O PT se recusa a votar a proposta para não dar palco ao tucano.
 
Entre o jantar de quarta-feira com os jornalistas e o discurso na Câmara na terça subsequente, havia uma pedra no meio do caminho. Atendia pelo nome de José Serra. Coincidência ou não, o eterno presidenciável tucano publicou no domingo, dia 15, um artigo na página três da Folha de S.Paulo. O título: “Drogas pesadas no Brasil, inépcia e ideologia.” A primeira frase dizia: “O debate sobre o consumo de cocaína no Brasil pode e deve ser uma pauta em 2014.”
É difícil encontrar no PSDB quem queira falar do assunto. Também é difícil encontrar no partido quem não tenha interpretado o texto como um golpe – e baixo, segundo muitos – contra Aécio. Após contatos por e-mail e telefonemas, Serra alegou, por intermédio de um assessor, falta de tempo e agenda lotada, preferindo não se pronunciar sobre a candidatura do correligionário.
As insinuações de que Aécio já usou cocaína o acompanham há tempos. A internet costuma ser a arena em que isso mais aparece. Com a disputa eleitoral, o assunto recrudesceu na rede. No dia 25 de maio a Folha de S.Paulo revelou que foram enviadas de um computador da Prefeitura de Guarulhos, controlada pelopt, postagens para o perfil “Aécio Boladasso”, um dos vários no Facebook que se passam por Aécio e fazem a apologia do uso de entorpecentes ou tratam do assunto com deboche. O PSDB levou o caso ao Tribunal Superior Eleitoral. No final de maio, o tucano estava de passagem por Porto Alegre, para apoiar o lançamento da candidatura da senadora Ana Amélia, do PP, ao governo do estado. A repórter Letícia Duarte, do jornal Zero Hora, foi direto ao ponto: “Seus adversários têm difundido uma série de informações acusando o senhor de ser usuário de cocaína. Queria saber como o senhor responde a isso e qual a política de drogas do seu governo.”
Aécio pareceu surpreso. A resposta veio longa: “Você sabe que existe hoje um submundo da política, nas redes. Anonimamente, fazem qualquer tipo de acusação sobre os adversários, esperando que alguém, talvez desavisadamente, com um pouco mais de credibilidade, possa trazer esse tema ao jornalismo sério. O que nós assistimos hoje é uma guerrilha da internet.” A seguir passou a falar de si: “Eu tenho uma história de vida, talvez você não conheça, da qual me orgulho muito, absolutamente digna e honrada, e talvez tenha sido isso que tenha me trazido até aqui.”
Defendeu o aumento das penas para traficantes de drogas e na sequência recorreu a uma imagem futebolística para se defender: “Quanto a acusações como essas, e outras que vão surgir, eu fico me lembrando de juiz de futebol. Todo mundo conhece futebol, né? No futebol o juiz tem duas mães: uma que vai para o campo, quando ele erra o impedimento, ou quando marca um pênalti que não foi. E tem aquela que fica em casa, preparando a macarronada, vendo o final do jogo, passando o uniforme dele para o jogo seguinte. Essa é a mãe real... Aquele... Esse Aécio acusado... Eu me especializei... Como é teu nome?”
“Letícia”, disse a jornalista.
“Letícia... um nome que me inspira muito”, comentou Aécio, numa alusão a sua mulher. “Eu, ao longo dos últimos quinze anos, me especializei numa coisa, talvez você não saiba... Em derrotar o PT.”
Aos 33 anos, Letícia Duarte venceu o Prêmio Esso de Reportagem em 2012. Naquele dia, antes de fazer a pergunta ao candidato, debateu com colegas da redação se seria relevante ou não tocar no tema. “Achamos que era. Não por uma questão moral. Tem todo um burburinho circulando de que ele seria usuário de cocaína e isso passou a ser relevante a partir do momento em que ele assumiu uma postura pública [sobre drogas]”, me disse. Depois do episódio, a jornalista recebeu uma avalanche de comentários agressivos em seu Twitter, a maioria de blogs anônimos. “Eles se referiam a mim como ‘fulaninha’ e diziam coisas do tipo: ‘Você acha que porque é jornalista pode perguntar qualquer coisa: então vou perguntar se você dá a bunda, se você dá o cu.’” E encerrou: “Parecia ação orquestrada para me desmoralizar.”
“Hein? Essa é a pergunta que você está doida para fazer, né?”, reagiu Aécio quando lhe perguntei no início de maio se já havia consumido drogas. “Quando eu tinha 18 anos, sim, experimentei.E ponto final.” Voltei ao assunto dias depois. Por e-mail, pedi que fosse mais explícito sobre o tipo de drogas que experimentou na juventude. Aécio não quis falar por telefone e mandou a resposta também por e-mail: “Eu tenho uma posição clara contra o uso de qualquer tipo de droga. Quando o presidente Obama, e outros políticos no mundo, reconheceram com sinceridade que haviam experimentado maconha na juventude, deram uma contribuição relevante para que debates importantes para a sociedade pudessem acontecer. Quando jovem, experimentei maconha e não recomendo que ninguém faça o mesmo. Como parlamentar, eu tenho posição claramente contrária à proposta de descriminalização do uso da maconha.”
Ao longo da reportagem, assessores, políticos e pessoas próximas de Aécio queriam saber com insistência se a revista também perguntaria ao candidato Eduardo Campos, do PSB, se ele já usou cocaína.
O assunto permeia a campanha de tal forma que empresários, em rodas reservadas, se questionam sobre o impacto da vida privada de Aécio na eleição. Um tucano que defende a candidatura do mineiro, mas que com ele nunca teve intimidade, o interpelou sem rodeios no início do ano e quis saber sobre o suposto consumo de drogas. A sondagem serviria para avaliar se ele se somaria aos colaboradores da campanha. Aécio não reagiu com indignação e também foi direto: “Fui jovem, gosto de mulher, mas nunca fiz nada incompatível com minhas funções públicas”, disse Aécio, segundo descreveu a fonte, que pediu que sua identidade fosse preservada.
Na lista de constrangimentos de Aécio consta o episódio de 2011, quando foi pego numa blitz da Lei Seca no Leblon, nas imediações de seu apartamento. Estava com a carteira vencida e não soprou o bafômetro. Em nota, o governo do Rio disse que Aécio preferiu não fazer o teste. A assessoria do senador afirmou que ele providenciou imediatamente um motorista para conduzir o carro e julgou “não ser necessário se submeter ao bafômetro”. Aécio pagou a multa por infração gravíssima – por se recusar a fazer o teste –, de 957,70 reais, e de 191,54 reais pela habilitação vencida. Disse que teria soprado o aparelhinho se sua habilitação não estivesse vencida.
O publicitário Paulo Vasconcelos lembrou que o tema drogas já havia surgido na disputa pelo governo de Minas em 2002. “O Newton Cardoso botou um comercial no ar insinuando que um dos candidatos cheirava cocaína. E o comercial, com toda sutileza, sinalizava que era o Aécio. O Aécio ganhou no primeiro turno”, disse Vasconcelos, que conduziu todas as campanhas vitoriosas do tucano.
Anos depois, em 2008, no jogo Brasil e Argentina, no Mineirão, Aécio foi surpreendido por um canto inusitado da torcida: “Ô Maradona/Vai se foder/
O Aécio cheira mais do que você.”
Jornalistas esportivos que presenciaram a cena relembram que Aécio atribuiu o fato à torcida atleticana, rival do seu Cruzeiro. Mais uma vez, ignorou o episódio.
 

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