terça-feira, 3 de junho de 2014

Entendendo a ‘Política Nacional de Participação Social’ (Decreto 8243, de 23 de maio de 2014)




Um avanço democrático-participativo em resposta às ruas.


O Decreto 8243, de 23 de maio, institui a ‘Política Nacional de Participação Social’ e dispõe sobre o ‘Sistema Nacional de Participação Social’. É a resposta do governo às cobranças e reivindicações levadas às ruas pelo povo brasileiro em junho de 2013.
O povo exige o aperfeiçoamento do serviço público e uma mudança no funcionamento da governança, isto é, mais transparência e honestidade nas decisões e escolhas políticas.
Não se faz mudanças rápidas na gestão do interesse público. Não estamos falando ainda da questão dos recursos financeiros e materiais. Estamos falando da condição prévia da gestão pública, ou seja, do recurso jurídico. Como se sabe, a autoridade governante está subordinada ao princípio da legalidade, isto é, somente pode fazer o que estiver autorizado pela Constituição e pelas leis. A expedição de um Decreto, pela presidência da república, deve estar em harmonia com as normas que lhe são superiores, ou seja, a uma lei aprovada pelo Congresso Nacional e, esta, deve ser editada em conformidade com as normas e princípios constitucionais.
O Decreto 8.243/14 está em harmonia com a Constituição/88 e com a Lei 10.683/2003. O que objetiva esse decreto é possibilitar que não apenas os parlamentares, os conselheiros, os juízes, a polícia e a imprensa estejam possam a exercer o controle e “a defesa do patrimônio público, à correição, à prevenção e, principalmente, ao combate à corrupção”. É este o fundamento do decreto, conforme está escrito, com toda clareza, na sua fundamentação legal: o caput do art. 17 da Lei nº 10.683/03.
O art. 1º do decreto institui a Política Nacional de Participação Social – PNPS, com o “objetivo de fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”.
O que muda com esta medida? Muda a correlação de forças no exercício de influências sobre o poder legitimado pelo voto, porque promove mudanças no modelo de interferências que a) influenciam nos processos de tomadas de decisão e também b) nos processos de fiscalização da atividade dos políticos e administradores do dinheiro público. Antes desse decreto, as decisões que distribuem a riqueza nacional são influenciadas prioritariamente por Lobyes empresariais e financistas. Neste esquema de bastidores, a articulação para as tomadas de decisão se dão entre a arena do poder político (parlamentares e gestores) e a arena do dinheiro (poder financista e empresarial).
Agora, se está dando cumprimento ao art. 1º, parágrafo único, da Constituição da República, atendendo ao aperfeiçoamento da Democracia Participativa: “todo poder emana do povo, que o exerce ¹por meio de representantes eleitos (políticos, parlamentares – democracia representativa) ²ou diretamente – democracia participativa”.
O art. 3º, I, confere à Secretaria-Geral da Presidência atribuições para trabalhar no “relacionamento e articulação com as ‘entidades da sociedade civil’ e na criação e implementação de ‘instrumentos de consulta’ e ‘participação popular’ de interesse do Poder Executivo”.
Portanto, abre-se espaço para que se organize um modelo de inclusão da sociedade civil nos processos de fiscalização, controle e tomadas de decisões democráticas no âmbito da Gestão governamental e cria, para isso, um ambiente de gestão transparente. Na prática, haverá a tendência de ampliar o acesso às informações, ocasionando a perda de privilégios por parte de políticos e jornalistas.
É esse efeito secundário que atemoriza os que detêm o monopólio das informações porque representará, para os atuais privilegiados, perda do poder de manipulação. Para entender como funciona esse poder, basta que se juntem duas declarações vindas de dois poderosos chefes de famílias midiáticas. Silvio Santos (no caso R. Sherazade), alegando que não é papel da Imprensa divulgar notícias boas do governo porque, para isto, o governante dispõe de verbas publicitárias que tem o dever de usar. No passado, conforme informação que circula na Net, Roberto Marinho teria dito que as notícias mais importantes para suas empresas não eram aquelas que ele publicava, mas as que ele escondia.
Os conservadores plantonistas denunciam que o novo Decreto abre a porteira para a ditadura do proletariado, na medida em que inclui a chamada Sociedade Civil nos processos de tomada de decisão, seja propondo, discutindo e votando o planejamento do orçamento participativo, seja exercendo algum nível de controle e de fiscalização no combate à corrupção. Denunciam e declaram inaceitável que, dentro dos chamados ‘movimentos sociais’, se admita que possam sentar às mesas de diálogos cidadãos, entidades, sujeitos ou redes ‘não institucionais’. Alega-se, também, que esses conselhos vão integrar todos os órgãos da Administração Pública Federal, com possibilidade de interferir, inclusive, em instituições do sistema financeiro nacional e internacional.
Tudo isso soa a alarmes para invocar conceitos da guerra fria e agitar o medo dos conservadores em geral. Na verdade, o que se faz neste regulamento da Secretaria da Presidência da República, é o “reconhecimento da participação social como direito do cidadão e a mobilização das massas como expressão de autonomia desse direito”. É essa a principal finalidade do ato normativo, conforme está expressamente dito no inciso I do art. 2º. Ora, como se sabe, o fenômeno da mobilização de enormes massas reivindicatórias e transitórias (não organizadas) é recente e sua origem está relacionada com as redes sociais da Internet. Prática nova e ainda não suficientemente estudada e conhecida.
Não se está criando uma nova prática de “participação popular na Administração Pública”. Apenas se está contemplando fatos políticos novos e significativos que precisam ter seu funcionamento regulado, como forma de se atender ao princípio da legalidade dos atos administrativos.
Alguma outra novidade? Alguma revolução? Algum golpe contra a democracia?
Claro que não. Como já se disse antes, “o mestre José Afonso da Silva (2006, p. 125) ensina que democracia não é um valor-fim, mas meio e instrumento de realização de valores essenciais de convivência humana, que se traduzem basicamente nos direitos fundamentais do homem. Assevera também (p. 145) que a nossa Constituição Federal contempla um “modelo de democracia representativa que tem como sujeitos principais os partidos políticos, que vão ser os protagonistas quase exclusivos do jogo político, com temperos de princípios e institutos de participação direta dos cidadãos no processo decisório governamental.
Discorre que o regime assume uma forma participativa, ou seja, em que a participação se dá por via representativa (mediante representantes eleitos de partidos políticos, art. 1º, parágrafo único, 14 e 17; associações, art. 5º, XXI; sindicatos, art. 8º, III, eleição de empregados junto aos empregadores, art. 11) e por via direta do cidadão (exercício do direto do poder, art. 1º, parágrafo único; iniciativa popular, referendo e plebiscito, art. 14, I, II e III; participação de trabalhadores e empregadores na administração, art. 10; participação na administração da justiça pela ação popular, participação na fiscalização financeira municipal, art. 31, §3º; participação da comunidade na seguridade social, art. 194, VII; participação na administração do ensino, art. 206, VI)”.
Os artigos 2º a 5º do ato do Executivo são claros ao definir conceitos e objetivos do Decreto 8.243/14 – que tanto está assustando aos conservadores, em especial à Mídia nacional e oposicionista. Confira-se:
Art. 2º Para os fins deste Decreto, considera-se:
I – sociedade civil – o cidadão, os coletivos, os movimentos sociais institucionalizados ou não institucionalizados, suas redes e suas organizações;
II – conselho de políticas públicas – instância colegiada temática permanente, instituída por ato normativo, de diálogo entre a sociedade civil e o governo para promover a participação no processo decisório e na gestão de políticas públicas;
III – comissão de políticas públicas – instância colegiada temática, instituída por ato normativo, criada para o diálogo entre a sociedade civil e o governo em torno de objetivo específico, com prazo de funcionamento vinculado ao cumprimento de suas finalidades;
IV – conferência nacional – instância periódica de debate, de formulação e de avaliação sobre temas específicos e de interesse público, com a participação de representantes do governo e da sociedade civil, podendo contemplar etapas estaduais, distrital, municipais ou regionais, para propor diretrizes e ações acerca do tema tratado;
V – ouvidoria pública federal – instância de controle e participação social responsável pelo tratamento das reclamações, solicitações, denúncias, sugestões e elogios relativos às políticas e aos serviços públicos, prestados sob qualquer forma ou regime, com vistas ao aprimoramento da gestão pública;
VI – mesa de diálogo – mecanismo de debate e de negociação com a participação dos setores da sociedade civil e do governo diretamente envolvidos no intuito de prevenir, mediar e solucionar conflitos sociais;
VII – fórum interconselhos – mecanismo para o diálogo entre representantes dos conselhos e comissões de políticas públicas, no intuito de acompanhar as políticas públicas e os programas governamentais, formulando recomendações para aprimorar sua intersetorialidade e transversalidade;
VIII – audiência pública – mecanismo participativo de caráter presencial, consultivo, aberto a qualquer interessado, com a possibilidade de manifestação oral dos participantes, cujo objetivo é subsidiar decisões governamentais;
IX – consulta pública – mecanismo participativo, a se realizar em prazo definido, de caráter consultivo, aberto a qualquer interessado, que visa a receber contribuições por escrito da sociedade civil sobre determinado assunto, na forma definida no seu ato de convocação; e
X – ambiente virtual de participação social – mecanismo de interação social que utiliza tecnologias de informação e de comunicação, em especial a internet, para promover o diálogo entre administração pública federal e sociedade civil.
Parágrafo único. As definições previstas neste Decreto não implicam na desconstituição ou alteração de conselhos, comissões e demais instâncias de participação social já instituídos no âmbito do governo federal.
Art. 3º São diretrizes gerais da PNPS:
I – reconhecimento da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia;
II – complementariedade, transversalidade e integração entre mecanismos e instâncias da democracia representativa, participativa e direta;
III – solidariedade, cooperação e respeito à diversidade de etnia, raça, cultura, geração, origem, sexo, orientação sexual, religião e condição social, econômica ou de deficiência, para a construção de valores de cidadania e de inclusão social;
IV – direito à informação, à transparência e ao controle social nas ações públicas, com uso de linguagem simples e objetiva, consideradas as características e o idioma da população a que se dirige;
V – valorização da educação para a cidadania ativa;
VI – autonomia, livre funcionamento e independência das organizações da sociedade civil; e
VII – ampliação dos mecanismos de controle social.
Art. 4º São objetivos da PNPS, entre outros:
I – consolidar a participação social como método de governo;
II – promover a articulação das instâncias e dos mecanismos de participação social;
III – aprimorar a relação do governo federal com a sociedade civil, respeitando a autonomia das partes;
IV – promover e consolidar a adoção de mecanismos de participação social nas políticas e programas de governo federal;
V – desenvolver mecanismos de participação social nas etapas do ciclo de planejamento e orçamento;
VI – incentivar o uso e o desenvolvimento de metodologias que incorporem múltiplas formas de expressão e linguagens de participação social, por meio da internet, com a adoção de tecnologias livres de comunicação e informação, especialmente, softwares e aplicações, tais como códigos fonte livres e auditáveis, ou os disponíveis no Portal do Software Público Brasileiro;
VII – desenvolver mecanismos de participação social acessíveis aos grupos sociais historicamente excluídos e aos vulneráveis;
VIII – incentivar e promover ações e programas de apoio institucional, formação e qualificação em participação social para agentes públicos e sociedade civil; e
IX – incentivar a participação social nos entes federados.
Art. 5º Os órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta deverão, respeitadas as especificidades de cada caso, considerar as instâncias e os mecanismos de participação social, previstos neste Decreto, para a formulação, a execução, o monitoramento e a avaliação de seus programas e políticas públicas.
É isso aí.

 Link do completo teor do Decreto 8.243, de 23 de maio/14: http://bit.ly/1mwQCgG

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