A elite que conheceu Itaquera ontem
Por Milly Lacombe
Neymar faz o gol da virada, a torcida comemora por alguns segundos e
então decide mandar a presidente tomar no cú. Nada poderia definir
melhor a nossa elite.
Elite que conheceu Itaquera hoje. Elite que, se posso chutar, frequenta estádios com a mesma regularidade que o Halley passa por aqui. Elite que, ao escutar que ganharia ingresso para ir ao jogo da Copa que ela há quatro anos critica furiosamente, não apenas aceitou o ingresso como saiu correndo para comprar uma camisa da seleção.
Elite que conheceu Itaquera hoje. Elite que, se posso chutar, frequenta estádios com a mesma regularidade que o Halley passa por aqui. Elite que, ao escutar que ganharia ingresso para ir ao jogo da Copa que ela há quatro anos critica furiosamente, não apenas aceitou o ingresso como saiu correndo para comprar uma camisa da seleção.
A elite foi para o estádio de van, sabendo que estava segura porque
não haveria povo no jogo. A arquibancada estava higienizada. E fodam-se
as criticas à Copa, se ganhei ingresso vou mesmo e depois volto a
reclamar do Brasil e da Copa e da roubalheira. Como chega lá nessa
Itaquera, alguém sabe?
Hino à capela. Bonito, mas para que mesmo? Começa o jogo. Brasil!,
Brasil! e silêncio e silêncio. O tempo passa, mais silêncio. Gol dos
croatas. Silêncio se aprofunda. Empate de Neymar, cantoria começa e,
depois de segundos, acaba. Educados que são, sentam-se.
Intervalo. Hora de instagramar e facebucar fotos da festa. Mulheres de salto, maquiadas, jeans justíssimos. Homens de gel, calças igualmente justas e mocassim. Reclamam das filas para lanchonete e banheiro e da conexão ruim. Volta o jogo. Brasil consegue uma virada suada. Comemoram por segundos e decidem xingar outra vez a chefe de estado.
É nesse ponto que minha indignação ganha ritmo e é sobre isso que quero falar.
Depois de um gol você comemora, e não dá as costas ao jogo para xingar. A questão é menos a manifestação coletiva, por mais deselegante que tenha sido, do que o momento em que ela aconteceu. Porque o momento – logo depois de um gol suado e decisivo – fala muito sobre quem somos.
É um sintoma da alienação. Estamos desconectados da realidade, não conseguimos nos ligar à emoção nenhuma. Estamos infectados de pragmatismo e carentes de alma. Somos, desde o berço, mimados e mal acostumados.
Alguém tuitou que xingar um chefe de estado coletivamente é fácil, e que duro é ir sabendo que será xingado. Nada poderia ser mais verdadeiro. Imaginemo-nos no lugar de Dilma, gostando ou não dela; quantos de nós teríamos ido ao jogo?
Ao lado dela, Sepp Blatter, o homem que comanda uma das corporações mais sujas mundo. Se Dilma estava sendo xingada porque a elite supõe que ela comande uma administração corrupta (vamos imaginar que seja por isso), por que Blatter foi poupado? Que tipo de ética seletiva é essa?
Foi poupado porque é homem, e o machismo é também uma característica de nossa classe mais alta.
Sempre que vejo um membro dessa elite indignado com o Brasil pergunto o que piorou na vida dele nos últimos dez anos. Eles não sabem responder e referem-se de forma geral à violência, ao trânsito e à educação, mas sem sacar direito do que estão falando, e quando tento me aprofundar não querem mais papo. Embora estejam hoje mais ricos do que jamais foram, seguem reclamando dessas generalidades.
Eu me pergunto também se se naquele estádio houvesse apenas faxineiras, operários, motoristas, metroviários, sacoleiros etc etc etc Dilma seria xingada como foi.
Acho que não seria.
Acho que não seria porque eles sabem que muita coisa mudou para melhor nos últimos dez anos. Porque sabem que um jogo de Copa é importante e é preciso entrar nele com a alma. Porque quando essa galera vai ao estádio, gosta de ver o jogo e gritar e pular, especialmente em gols suados e decisivos. E porque a verdade com V maiúsculo é que esse povão que está excluído dos estádios é muito mais elegante do que a gente.
Intervalo. Hora de instagramar e facebucar fotos da festa. Mulheres de salto, maquiadas, jeans justíssimos. Homens de gel, calças igualmente justas e mocassim. Reclamam das filas para lanchonete e banheiro e da conexão ruim. Volta o jogo. Brasil consegue uma virada suada. Comemoram por segundos e decidem xingar outra vez a chefe de estado.
É nesse ponto que minha indignação ganha ritmo e é sobre isso que quero falar.
Depois de um gol você comemora, e não dá as costas ao jogo para xingar. A questão é menos a manifestação coletiva, por mais deselegante que tenha sido, do que o momento em que ela aconteceu. Porque o momento – logo depois de um gol suado e decisivo – fala muito sobre quem somos.
É um sintoma da alienação. Estamos desconectados da realidade, não conseguimos nos ligar à emoção nenhuma. Estamos infectados de pragmatismo e carentes de alma. Somos, desde o berço, mimados e mal acostumados.
Alguém tuitou que xingar um chefe de estado coletivamente é fácil, e que duro é ir sabendo que será xingado. Nada poderia ser mais verdadeiro. Imaginemo-nos no lugar de Dilma, gostando ou não dela; quantos de nós teríamos ido ao jogo?
Ao lado dela, Sepp Blatter, o homem que comanda uma das corporações mais sujas mundo. Se Dilma estava sendo xingada porque a elite supõe que ela comande uma administração corrupta (vamos imaginar que seja por isso), por que Blatter foi poupado? Que tipo de ética seletiva é essa?
Foi poupado porque é homem, e o machismo é também uma característica de nossa classe mais alta.
Sempre que vejo um membro dessa elite indignado com o Brasil pergunto o que piorou na vida dele nos últimos dez anos. Eles não sabem responder e referem-se de forma geral à violência, ao trânsito e à educação, mas sem sacar direito do que estão falando, e quando tento me aprofundar não querem mais papo. Embora estejam hoje mais ricos do que jamais foram, seguem reclamando dessas generalidades.
Eu me pergunto também se se naquele estádio houvesse apenas faxineiras, operários, motoristas, metroviários, sacoleiros etc etc etc Dilma seria xingada como foi.
Acho que não seria.
Acho que não seria porque eles sabem que muita coisa mudou para melhor nos últimos dez anos. Porque sabem que um jogo de Copa é importante e é preciso entrar nele com a alma. Porque quando essa galera vai ao estádio, gosta de ver o jogo e gritar e pular, especialmente em gols suados e decisivos. E porque a verdade com V maiúsculo é que esse povão que está excluído dos estádios é muito mais elegante do que a gente.
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