22/06/2014
A Nova York dos excluídos
Por Isabel De Luca / Correspondente
Pobreza. Ryan ‘Red’ e Shelly MacMahon. Duas semanas após a foto com a mulher, ‘Red’ morreu - Divulgação
NOVA YORK — O número de sem-teto em Nova York atingiu, este ano, o maior nível desde a Grande Depressão nos anos 1930. Segundo as últimas estatísticas federais, a população sem moradia aumentou 13% em comparação com o ano passado, apesar da suposta recuperação da economia — e enquanto a média nacional só faz diminuir. A tendência cresce sobretudo entre famílias e virou um dos maiores desafios do prefeito Bill de Blasio, que fez da habitação acessível um dos pontos centrais do seu discurso de campanha, para comandar uma cidade onde os aluguéis não param de subir.
Os nova-iorquinos que passam a noite em abrigos ou nas ruas chegaram a 64.060, de acordo com o relatório anual do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano (HUD, na sigla em inglês), que compila dados de três mil cidades americanas.
Só Los Angeles teve aumento maior: lá, os desabrigados cresceram 27%, embora o total ainda seja menor que o de Nova York. No resto do país, o número caiu 4% desde 2012: hoje são 610.042.
— A maior parte dos EUA mudou a tática de reagir ao problema, e está funcionando — explica o professor de Políticas Sociais da Universidade da Pensilvânia Dennis P. Culhane, autor do relatório do HUD. — O foco tem sido no realojamento imediato, muitas vezes na forma de mediação de conflitos, mas também com ajuda financeira. O modelo de botar num abrigo e esperar até que se consiga encontrar uma moradia, ou que o cidadão consiga juntar dinheiro para sair, não é o novo modelo que emerge no país. Mas é o de Nova York.
Na cidade mais rica do mundo, a crise é resultado sobretudo do aumento no número de famílias que já não podem pagar aluguel. O último censo registrou um declínio no número de apartamentos acessíveis em Nova York, enquanto a renda da classe média baixa só faz cair. Para Culhane, parte do problema ainda pode ser creditado à crise econômica:
— Há desemprego excessivo, afetando a capacidade de pagar o aluguel. Há mais jovens adultos e suas famílias com pais ou avós. Isso cria um ambiente estressante que pode levar ao despejo. É o que acontece em dois terços dos casos. A razão mais comum que os novos sem-teto reportam é conflito familiar na casa superlotada.
Em Nova York, as famílias já representam 75% da população dos abrigos. Há menos sem-teto nas ruas do que há uma década, mas a lotação nos dormitórios é recorde — 52 mil, sendo 22 mil crianças. Relatório divulgado em maio pela ONG Coalizão para os Desabrigados aponta outro recorde: o tempo médio que uma família permanece num abrigo atingiu 14,5 meses.
EXPOSIÇÃO SOBRE O DRAMA
O Departamento de Serviços para Desabrigados disponibiliza diariamente dados sobre os abrigos. Na última quarta-feira, eram 30.540 adultos e 23.227 crianças. O número de sem-teto que pernoitam em refúgios municipais é, hoje, 73% maior do que em janeiro de 2002, quando o ex-prefeito Michael Bloomberg tomou posse. Ele tentou driblar a questão com uma série de políticas, mas o resultado foi a superlotação dos dormitórios públicos.
— Prefiro dormir na rua do que num abrigo — relata Elliot, um sem-teto de 52 anos que costuma passar as tardes na esquina da Rua 72 com a Broadway. — A comida é pavorosa. Os banheiros são imundos. Há ratos e baratas por todo canto.
De Blasio prometeu que reverteria o quadro com moradias públicas e subsídios para aluguel. Em maio, ele anunciou um programa de US$ 66 milhões, mas a proposta depende da aprovação do estado, que arcaria com parte dos custos.
— A criação de moradias acessíveis deve ajudar a reduzir o número de desabrigados, ou em vias de serem despejados. Mas desenvolver moradias acessíveis leva tempo. E mesmo que muitas unidades sejam criadas, a demanda ainda será maior que a oferta — ressalta Culhane. — Qualquer subsídio de habitação é importante, e deve reduzir o número de famílias em crise. Mas também leva tempo para impactar o número de desabrigados.
As estatísticas são sentidas nas ruas por nova-iorquinos como o fotógrafo Andres Serrano, autor da série “Residentes de Nova York”, até a semana passada nas paredes da estação de metrô West 4, no West Village, e que prossegue em outros pontos do bairro, como a LaGuardia Place. Ele mostra retratos em grande escala de 85 moradores de rua — entre eles Ryan ‘Red’, de 27 anos, que posou com a mulher, Shelly,e morreu de complicações no fígado duas semanas depois. O trabalho foi encomendado pela ONG More Art, que promove ainda o programa Engajando Artistas: nos próximos meses, 15 deles ministrarão workshops com desabrigados.
— Percebi o aumento da quantidade de sem-teto na cidade em outubro passado, quando vi um número sem precedentes de pessoas atrás de esmola nas ruas. Foi quando comecei a comprar as placas que elas usavam para pedir dinheiro. Adquiri 200, que transformei numa coleção e no vídeo “Sinal dos tempos” — conta Serrano, que voltou para clicar os mesmos desabrigados ao mergulhar na nova série. — Dizem que (o ex-prefeito Rudolph) Giuliani limpou as ruas, mas Bloomberg nos deixou com uma população sem-teto gigantesca.
Os nova-iorquinos que passam a noite em abrigos ou nas ruas chegaram a 64.060, de acordo com o relatório anual do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano (HUD, na sigla em inglês), que compila dados de três mil cidades americanas.
Só Los Angeles teve aumento maior: lá, os desabrigados cresceram 27%, embora o total ainda seja menor que o de Nova York. No resto do país, o número caiu 4% desde 2012: hoje são 610.042.
— A maior parte dos EUA mudou a tática de reagir ao problema, e está funcionando — explica o professor de Políticas Sociais da Universidade da Pensilvânia Dennis P. Culhane, autor do relatório do HUD. — O foco tem sido no realojamento imediato, muitas vezes na forma de mediação de conflitos, mas também com ajuda financeira. O modelo de botar num abrigo e esperar até que se consiga encontrar uma moradia, ou que o cidadão consiga juntar dinheiro para sair, não é o novo modelo que emerge no país. Mas é o de Nova York.
Na cidade mais rica do mundo, a crise é resultado sobretudo do aumento no número de famílias que já não podem pagar aluguel. O último censo registrou um declínio no número de apartamentos acessíveis em Nova York, enquanto a renda da classe média baixa só faz cair. Para Culhane, parte do problema ainda pode ser creditado à crise econômica:
— Há desemprego excessivo, afetando a capacidade de pagar o aluguel. Há mais jovens adultos e suas famílias com pais ou avós. Isso cria um ambiente estressante que pode levar ao despejo. É o que acontece em dois terços dos casos. A razão mais comum que os novos sem-teto reportam é conflito familiar na casa superlotada.
Em Nova York, as famílias já representam 75% da população dos abrigos. Há menos sem-teto nas ruas do que há uma década, mas a lotação nos dormitórios é recorde — 52 mil, sendo 22 mil crianças. Relatório divulgado em maio pela ONG Coalizão para os Desabrigados aponta outro recorde: o tempo médio que uma família permanece num abrigo atingiu 14,5 meses.
EXPOSIÇÃO SOBRE O DRAMA
O Departamento de Serviços para Desabrigados disponibiliza diariamente dados sobre os abrigos. Na última quarta-feira, eram 30.540 adultos e 23.227 crianças. O número de sem-teto que pernoitam em refúgios municipais é, hoje, 73% maior do que em janeiro de 2002, quando o ex-prefeito Michael Bloomberg tomou posse. Ele tentou driblar a questão com uma série de políticas, mas o resultado foi a superlotação dos dormitórios públicos.
— Prefiro dormir na rua do que num abrigo — relata Elliot, um sem-teto de 52 anos que costuma passar as tardes na esquina da Rua 72 com a Broadway. — A comida é pavorosa. Os banheiros são imundos. Há ratos e baratas por todo canto.
De Blasio prometeu que reverteria o quadro com moradias públicas e subsídios para aluguel. Em maio, ele anunciou um programa de US$ 66 milhões, mas a proposta depende da aprovação do estado, que arcaria com parte dos custos.
— A criação de moradias acessíveis deve ajudar a reduzir o número de desabrigados, ou em vias de serem despejados. Mas desenvolver moradias acessíveis leva tempo. E mesmo que muitas unidades sejam criadas, a demanda ainda será maior que a oferta — ressalta Culhane. — Qualquer subsídio de habitação é importante, e deve reduzir o número de famílias em crise. Mas também leva tempo para impactar o número de desabrigados.
As estatísticas são sentidas nas ruas por nova-iorquinos como o fotógrafo Andres Serrano, autor da série “Residentes de Nova York”, até a semana passada nas paredes da estação de metrô West 4, no West Village, e que prossegue em outros pontos do bairro, como a LaGuardia Place. Ele mostra retratos em grande escala de 85 moradores de rua — entre eles Ryan ‘Red’, de 27 anos, que posou com a mulher, Shelly,e morreu de complicações no fígado duas semanas depois. O trabalho foi encomendado pela ONG More Art, que promove ainda o programa Engajando Artistas: nos próximos meses, 15 deles ministrarão workshops com desabrigados.
— Percebi o aumento da quantidade de sem-teto na cidade em outubro passado, quando vi um número sem precedentes de pessoas atrás de esmola nas ruas. Foi quando comecei a comprar as placas que elas usavam para pedir dinheiro. Adquiri 200, que transformei numa coleção e no vídeo “Sinal dos tempos” — conta Serrano, que voltou para clicar os mesmos desabrigados ao mergulhar na nova série. — Dizem que (o ex-prefeito Rudolph) Giuliani limpou as ruas, mas Bloomberg nos deixou com uma população sem-teto gigantesca.
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