Carta Maior, 24/02/2014
Venezuela: um golpe lento em andamento
PorIgnacio Ramonet (*)
Nos últimos meses houve, na Venezuela, quatro eleições decisivas: duas presidenciais, para governadores e municipais. Todas vencidas pelo bloco da Revolução Bolivariana. Nenhum resultado foi impugnado pelas missões internacional de observação eleitoral. A votação mais recente aconteceu há apenas dois meses. E terminou com uma clara vitória – 11,5% de diferença – dos chavistas. Desde que Hugo Chávez assumiu a presidência em 1999, todos os resultados mostram que, sociologicamente, o apoio à Revolução Bolivariana é majoritário.
Na América Latina, Chávez foi o primeiro líder progressista – desde Salvador Allende – a apostar na via democrática para chegar ao poder. Não é possível compreender o que é o chavismo se não se considerar seu caráter profundamente democrático. A aposta de Chávez, ontem, e a de Nicolás Maduro, hoje, é o “socialismo democrático”. Uma democracia não só eleitoral. Também econômica, social, cultural... Em 15 anos, o chavismo conferiu a milhões de pessoas que, por serem pobres, não tinham documentos de identidade, o status de cidadão e permitiu que votassem. Dedicou mais de 42% do orçamento do Estado aos investimentos sociais. Tirou cinco milhões de pessoas da pobreza. Reduziu a mortalidade infantil. Erradicou o analfabetismo. Multiplicou por cinco o número de professores nas escolas públicas (de 65 mil a 350 mil). Criou 11 novas universidades. Concedeu aposentadorias a todos os trabalhadores (mesmo os informais). Isso explica o apoio popular que Chávez sempre teve e as recentes vitórias eleitorais de Nicolás Maduro.
Por que, então, os protestos? Não nos esqueçamos de que a Venezuela chavista –por possuir as maiores reservas mundiais de hidrocarbonetos– sempre foi (e será) objeto de tentativas de desestabilização e de campanhas midiáticas sistematicamente hostis.
Apesar de ter se unido sob a liderança de Henrique Capriles, a oposição perdeu quatro eleições consecutivas. Diante desse fracasso, sua facção mais direitista, ligada aos Estados Unidos e liderada pelo ex-golpista Leopoldo López, aposta agora em um “golpe de Estado lento”. E aplica as técnicas do manual de Gene Sharp [1].
Na primeira fase: 1) Criar descontentamento ao tirar massivamente produtos de primeira necessidade do mercado; 2) Tornar crédula a “incompetência” do governo; 3) Fomentar manifestações de descontentamento; e 4) Intensificar a perseguição midiática.
Desde 12 de fevereiro, os extremistas entraram na segunda fase, insurrecional: 1) Utilizar o descontentamento de um grupo social (uma minoria de estudantes [2]) para provocar protestos violentos e prisões; 2) Montar “manifestações de solidariedade” aos detidos; 3) Introduzir atiradores entre os manifestantes com a missão de provocar vítimas de ambos os lados (a análise balística determinou que os disparos que mataram, em 12 de fevereiro, em Caracas, o estudante Bassil Alejandro Dacosta e o chavista Juan Montoya, foram feitos com a mesma arma, uma Glock calibre 9 mm). 4. Intensificar os protestos e seu nível de violência; 5) Aumentar a ofensiva da mídia, com apoio das redes sociais, contra a “repressão” do governo; 6) Conseguir que as 'grandes instituições humanitárias' condenem o governo pelo “uso desmedido da violência”; 7. Conseguir que “governos amigos” façam “advertências” às autoridades locais.
E é nesta etapa que estamos.
A democracia venezuelana está, então, ameaçada? Sim, ameaçada, uma vez mais, pelos golpistas de sempre.
(*) Diretor do “Le Monde diplomatique” em espanhol. Recentemente publicou “Hugo Chávez, Mi primera vida”.
Tradução: Daniella Cambaúva
Na América Latina, Chávez foi o primeiro líder progressista – desde Salvador Allende – a apostar na via democrática para chegar ao poder. Não é possível compreender o que é o chavismo se não se considerar seu caráter profundamente democrático. A aposta de Chávez, ontem, e a de Nicolás Maduro, hoje, é o “socialismo democrático”. Uma democracia não só eleitoral. Também econômica, social, cultural... Em 15 anos, o chavismo conferiu a milhões de pessoas que, por serem pobres, não tinham documentos de identidade, o status de cidadão e permitiu que votassem. Dedicou mais de 42% do orçamento do Estado aos investimentos sociais. Tirou cinco milhões de pessoas da pobreza. Reduziu a mortalidade infantil. Erradicou o analfabetismo. Multiplicou por cinco o número de professores nas escolas públicas (de 65 mil a 350 mil). Criou 11 novas universidades. Concedeu aposentadorias a todos os trabalhadores (mesmo os informais). Isso explica o apoio popular que Chávez sempre teve e as recentes vitórias eleitorais de Nicolás Maduro.
Por que, então, os protestos? Não nos esqueçamos de que a Venezuela chavista –por possuir as maiores reservas mundiais de hidrocarbonetos– sempre foi (e será) objeto de tentativas de desestabilização e de campanhas midiáticas sistematicamente hostis.
Apesar de ter se unido sob a liderança de Henrique Capriles, a oposição perdeu quatro eleições consecutivas. Diante desse fracasso, sua facção mais direitista, ligada aos Estados Unidos e liderada pelo ex-golpista Leopoldo López, aposta agora em um “golpe de Estado lento”. E aplica as técnicas do manual de Gene Sharp [1].
Na primeira fase: 1) Criar descontentamento ao tirar massivamente produtos de primeira necessidade do mercado; 2) Tornar crédula a “incompetência” do governo; 3) Fomentar manifestações de descontentamento; e 4) Intensificar a perseguição midiática.
Desde 12 de fevereiro, os extremistas entraram na segunda fase, insurrecional: 1) Utilizar o descontentamento de um grupo social (uma minoria de estudantes [2]) para provocar protestos violentos e prisões; 2) Montar “manifestações de solidariedade” aos detidos; 3) Introduzir atiradores entre os manifestantes com a missão de provocar vítimas de ambos os lados (a análise balística determinou que os disparos que mataram, em 12 de fevereiro, em Caracas, o estudante Bassil Alejandro Dacosta e o chavista Juan Montoya, foram feitos com a mesma arma, uma Glock calibre 9 mm). 4. Intensificar os protestos e seu nível de violência; 5) Aumentar a ofensiva da mídia, com apoio das redes sociais, contra a “repressão” do governo; 6) Conseguir que as 'grandes instituições humanitárias' condenem o governo pelo “uso desmedido da violência”; 7. Conseguir que “governos amigos” façam “advertências” às autoridades locais.
E é nesta etapa que estamos.
A democracia venezuelana está, então, ameaçada? Sim, ameaçada, uma vez mais, pelos golpistas de sempre.
(*) Diretor do “Le Monde diplomatique” em espanhol. Recentemente publicou “Hugo Chávez, Mi primera vida”.
NOTAS
[1] Gene Sharp, From Dictatorship to Democracy : Conceptual Framework for Liberation, Albert Einstein Institution, Boston, 1993.
[2] A uma pesquisa recente, dez mil estudantes entre 15 e 29 anos se declararam satisfeitos com seus estudos (Segunda Pesquisa Nacional da Juventudade, Caracas, 13 de novembro de 2013).
[1] Gene Sharp, From Dictatorship to Democracy : Conceptual Framework for Liberation, Albert Einstein Institution, Boston, 1993.
[2] A uma pesquisa recente, dez mil estudantes entre 15 e 29 anos se declararam satisfeitos com seus estudos (Segunda Pesquisa Nacional da Juventudade, Caracas, 13 de novembro de 2013).
Tradução: Daniella Cambaúva
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