quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Tudo o que a direita precisa




Carta Maior, 12/02/2014


Um recado aos jovens e aos mais antigos





Por Gilson Caroni Filho


É preciso repetir, uma, duas, quantas vezes for necessário. Não condenemos, nós do campo democrático-popular, as manifestações de junho do ano passado. Não considero os que não concordam com o atual governo como atores necessariamente reacionários. Numa sociedade como a nossa, totalmente fracionada, a democracia continua sendo meramente formal.

Apesar dos avanços inegáveis, ainda há desigualdades abissais, injustiças profundas, direitos negados a índios e pequenos produtores, ambos perdendo suas terras para o latifúndio. Obras de impacto ambiental, executadas sem um amplo debate com a sociedade civil, não contribuem em nada para um desenvolvimento sustentável. Boa parte do que poderia ser investido em saúde e educação é usado no pagamento de juros estratosféricos de uma dívida nunca auditada. Empresas de comunicação, que funcionam sob regime de concessão pública, atuam como braços políticos dos partidos de direita. 

Por tudo isso, a ida de manifestantes às ruas contribuiu para vocalizar pleitos legítimos que colaboram para o efetivo aprofundamento democrático. É saudável ver o surgimento de novos protagonistas. É o desdobramento natural da luta do PT, PC do B e de outras forças progressistas nos últimos 20 anos. Forças que não deveriam ser hostilizadas, mas ouvidas quando buscaram um diálogo. E qual a causa do insucesso dessa tentativa? A intolerância, alimentada por um discurso raivoso que muitos aplaudiram. Lembram dos aplausos? Saíram das mesmas mãos que hoje aplaudem as tropas de choque da PM. E agora, José?

Mas vocês, ativistas recentes, confundem falta de liderança com ausência de direção. É tudo o que a direita precisa para deslegitimar uma juventude cidadã. A ambiguidade estudada do PSOL, a inconsequência política do PSTU, - além de outras legendas sem base política expressiva- colaboraram, e muito, para o esvaziamento do movimento de vocês. Delas (da ausência de uma agenda clara e de direções definidas) derivaram a ação nefasta dos Black Blocs a quem muitos, por ingenuidade ou oportunismo, deixaram de condenar em definição clara: fascistas fazendo freelance de "táticas de defesa libertária".

Qual o resultado até agora? Um cinegrafista morto e a mídia corporativa capitalizando o triste episódio para se apresentar como defensora do Estado Democrático de Direito. Logo ela, que durante o regime militar, defendeu os torturadores encapuzados. Vocês merecem isso, garotada? É claro que não. Nenhum de nós merece.

Os mais antigos, aqueles que forjaram seu perfil na luta contra a ditadura, precisam entender que não são donos de uma fórmula prescritível atemporal, que pode ser aplicada a sujeitos e momentos históricos distintos. Nada mais antidialético do que pensar e agir desta forma. Nada mais negador da ação política.

Lembremos que, nos anos 1970/1980, os setores mais avançados da classe operária se politizaram nas fábricas e não graças à ação iluminada de consciências exteriores a eles. E destaquemos a desconfiança que Lula e outra lideranças orgânicas do movimento sindical nutriam em relação aos partidos políticos. A isso nunca chamamos de fascismo. Por que fazê-lo agora?

Será necessário rememorar papel fundamental dos setores ligados à Teologia da Libertação na logística e organização dos movimentos populares, em especial do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra? Quando, nos anos 1990, o MST fez uma passeata na Avenida Rio Branco, centro financeiro e comercial do Rio de Janeiro, eu estava lá. E sabem por que foi maravilhoso? Porque as palavras de ordem não repetiam as nossas, os supostos iluminados. E embora alguns tentassem puxá-las, eles ignoraram solenemente. Hoje, formam o maior movimento social organizado da América Latina.

Acham, com razão, que o governo faz concessões excessivas ao agronegócio, mas sabem que é melhor um governo petista que, mal ou bem, dialoga com eles a um novo ciclo tucano que trata movimentos sociais com repressão e sem concessão alguma. O massacre de Eldorado de Carajás foi emblemático demais para pensarmos que aquelas mortes foram um ponto fora da curva.

No mais, é isso: há que se aproximar dos jovens para aprofundar a democracia. Há que se lembrar, mais uma vez, que só se aprende na ação. E alertá-los quanto aos arrivistas que se apresentarão como novidadeiros. Queiramos ou não, quem muda a história é a juventude. Melhor dialogar com eles a nos tornarmos uma " gerontocracia burocraticamente progressista".

A história corre caudalosa no seu curso. Cabe definir qual margem  do rio capturará sua força. Se a direita que a seca completamente antes de chegar a outro corpo d'água. Ou se à esquerda que a levará a outro rio, ao mar ou ao Oceano. Nunca o conceito habermasiano de razão dialógica se fez tão urgente.

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