terça-feira, 15 de setembro de 2015

O SUS nosso de todos os dias


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JusBrasil, 15/09/2015



O SUS nosso de todos os dias


Por Maria do Rosário



​Vivemos em um tempo em que todos têm opiniões sobre diversos temas. A democracia, a participação social e, mais recentemente, as redes sociais criaram uma cultura de ativismo em que todos se comunicam e manifestam preferências, desgostos, simpatias. Que bom que temos essa liberdade! No entanto, o volume de notícias que circula nesta “sociedade da informação” é tamanho que, por vezes, as opiniões são formuladas e replicadas sobre imagens pré-concebidas que pouco dialogam com a realidade ou geram uma distorção injusta com os objetos de nossos juízos.
 
As “vítimas” podem ser várias. Uma personalidade pública, seja atriz ou liderança política, sofre com isso cotidianamente, vide os milhares de comentários que recebe diariamente de revistas, blogs, sites, enfim, meios de comunicação em geral. Numa escola, um aluno que é rotulado sob algum signo rapidamente vira alvo de uma série de interpretações. E por aí vai. Poderia dar mil exemplos! Porém, o que mais me chama a atenção são aquelas opiniões que dilaceram as riquezas e boas iniciativas que construímos como nação.

De tempos para cá, perturba-me notadamente os comentários negativos em relação ao Sistema Único de Saúde, o SUS, que é uma das maiores conquistas do processo constituinte brasileiro na redemocratização. Acredito ser muito importante falar sobre isso, afinal, você pode até não perceber, mas você também é um usuário do SUS e se beneficia dele diariamente.

Quem olha o SUS “de fora” pode achar que ele se resume a uma “fila” ou à situação de “superlotação” que, de fato, precisa ser superada. De fato, essa pode ser a visão para o cidadão e aquelas famílias que contratam a saúde através de um plano privado, ou para aqueles que por um motivo ou outro avaliam que não conseguirão acessar o SUS em uma situação necessária.

Mas essa visão precisa ser problematizada, pois geralmente formam a sua opinião através das conhecidas reportagens sobre as deficiências do sistema (sim, são deficiências reais e que devem ser superadas). Mas é um sistema que vai muito além do que nos mostra o olhar superficial, pois é fundado em um princípio irrenunciável: o direito ao atendimento de saúde é um bem associado à vida, portanto de todas as pessoas, em caráter universal e público.

A ousadia brasileira de pensar o SUS é motivação mundial para muitos líderes, entre eles o presidente Barack Obama, que em seu primeiro mandato buscou justamente a criação de um “SUS EUA”. Mas a percepção dos brasileiros e brasileiras sobre o SUS muda completamente, quando observado o critério de usuário ou não do Sistema Único de Saúde. Pesquisa do Ministério da Saúde, realizada em 2012 com mais de 26 mil pessoas, indica que entre os “não usuários” (usuários passivos, que são alcançados apenas pelos serviços de prevenção e promoção à saúde) apenas 25% têm uma percepção positiva do sistema.

No entanto, quem olha “de dentro”, ou seja, quem é usuário ativo do SUS (busca serviços de saúde para avaliação/diagnóstico/terapia), segundo a mesma pesquisa, tem avaliação muito boa, qualificando os procedimentos realizados positivamente e com altas taxas de recomendação do serviço (o usuário recomenda que outros cidadãos utilizem o SUS porque ele é bom e funciona), que atingem 74% para Unidades Básicas de Saúde, 82% para Saúde Bucal e 69% para serviços de urgência.

Como professora que sou, não tenho dúvidas de que, com essa nota, esse “aluno” passa por média! E se alguém acha que é pouco (é evidente que pode e deve, sim, melhorar), sugiro que faça uma pequena consulta perguntando a amigos, por exemplo, se estes recomendariam a sua operadora de telefonia celular.

No entanto, é preciso afirmar que no fundo, quando falamos em SUS, a categoria de “não usuário” inexiste! É uma categoria que serviu para a realização da pesquisa acima referida (aqueles que não utilizaram os serviços de atendimento avançado do SUS nos últimos 12 meses), visto que todos os cidadãos são usuários do sistema, repito, todos os cidadãos!

Quando você se alimenta na rua, você utiliza o SUS. Afinal, quem você acha que é responsável neste país pela vigilância sanitária? Todo o estabelecimento comercial regular que trabalha com alimentação é fiscalizado em sua qualidade, higiene e segurança nutricional. E a água, fundamental para a vida, também conta com o crivo e a vigilância do SUS, tanto as fontes de águas minerais quanto o sistema hidráulico que atende a população.
E as campanhas de vacinação? Qual criança já não foi vacinada? O calendário nacional de vacinação do SUS cobre todas as doenças que atingem os pequenos. Muitos pediatras fazem questão de acalmar pais e mães, que muitas vezes, com a ansiedade gerada por notícias na mídia (cada vez que corre notícia sobre casos isolados, surge uma corrida às clínicas privadas), saem gastando dinheiro para dar aos filhos vacinas que podem até ser desnecessárias.
Todas as vacinas consideradas fundamentais para a imunização dos pequenos e pequenas estão disponíveis nos postos de saúde do SUS. Além de proteger a vida e a saúde da pessoa imunizada, a vacinação protege também toda a sociedade, pois impede a propagação de epidemias, erradicando graves doenças. Além disso, existem campanhas específicas de vacinação do SUS.

E aquelas pessoas que, infelizmente, se envolvem em um acidente de trânsito ou sofrem algum tipo de violência? Já imaginou a enfermagem ou médicos da SAMU descendo da ambulância questionando se a vítima tem saúde privada, para chamar a ambulância do plano de saúde e levar para o hospital que tem convênio? Não, a SAMU atende de imediato e já leva para o hospital público mais próximo para pronto-atendimento! Aliás, outra grande conquista do SUS, a partir do governo Lula, que foi a criação da SAMU. Não faz muito tempo, pouco mais de 10 anos, Brasil afora qualquer acidentado era transportado inadequadamente no transporte que fosse possível, desde viaturas a táxis, enfim, de qualquer jeito.

E os transplantes e tratamento de doenças complexas como o tratamento contra o câncer, por exemplo, quem cobre? Um paciente com sintomas de câncer pode fazer o tratamento com cobertura 100% do SUS, enquanto muitos planos de saúde esbarram em autorizações e burocracias para o início do tratamento. E como todos nós sabemos, quanto mais cedo um paciente do câncer trava uma luta contra essa doença, maior é chance de cura.

Em 2013 foram realizados nada menos que 9,7 milhões de procedimentos de quimioterapia e radioterapia. Tudo via SUS, com um custo altíssimo, mas garantido a todos os brasileiros e brasileiras sem distinção, de forma universal. Que avanço! E pensar que o sistema público de saúde também realiza 19 mil transplantes anuais e mais de 230 mil cirurgias cardíacas. Quantas vidas salvas!

E mais recentemente, iniciativas como o programa Mais Médicos mostram a preocupação do Estado em fortalecer e resolver as lacunas do sistema. Esse programa tem demonstrado resultados positivos em áreas mais vulneráveis, onde a população não tinha acesso ao atendimento básico de saúde. Já são quase 20 mil novos profissionais, atingindo 63 milhões de brasileiros que não tinham atendimento médico. E nas universidades, foram criadas mais de 5 mil novas vagas para a formação de novos médicos brasileiros, com perspectiva de ultrapassar a casa de 11 mil daqui a dois anos.

Mesmo com todas essas conquistas, existe uma preocupação muito clara do Governo Federal em modernizar e qualificar o SUS, especialmente a partir do presidente Lula e, agora, com Dilma. As UPAs (Unidades de Pronto Atendimento 24h) são um exemplo. Outra importante etapa para esse processo pode começar em breve, com o programa Mais Especialidades. A intenção é dar vazão ao principal gargalo no atendimento de saúde da população: o aumento da procura por médicos especialistas encaminhados pelo atendimento básico de saúde. Oftalmologia e ortopedia são naturais candidatas para o início do projeto. Isso reforça que o SUS, esse jovem que recém completou 25 anos, ainda tem muito para crescer e oferecer para o país.

Tem muito ainda que eu gostaria de falar sobre o SUS. Porém, fecho por aqui com o que é principal na visão que me filio: se todos nós somos usuários do SUS, é nossa obrigação também defendê-lo e mantê-lo. Ao longo dos anos, as políticas de saúde vivenciam o forte impacto de custos financeiros cada vez mais altos, fruto de novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas. A contínua pesquisa para aprimoramento científico para o atendimento das necessidades humanas e a política global de patentes são aspectos que compõem a necessidade cada vez mais ampla de recursos.

Neste contexto, de atender todas as pessoas, com o máximo de qualidade tecnológica que merecem, é claro que existe um subfinanciamento do Sistema de Saúde no Brasil. Ainda assim, vamos pensar juntos e com um exemplo concreto: diferente de hospitais privados, o SUS é “porta aberta”, o que significa que toda a pessoa que procure atendimento tem o direito de receber cuidados, mesmo que muitas vezes ele ocorra na dificuldade.

Com este texto estou negando as dificuldades? Taxo o SUS como perfeito? Não. Ainda há muito por fazer. Tem muito espaço para a saúde brasileira avançar, muito o que melhorar. Mas nas milhares de opiniões que damos todos os dias, remetendo ao início deste texto, vamos cuidar de preservar este que é um dos maiores patrimônios de todos os brasileiros e brasileiras. O melhor é usarmos nossa energia na busca de soluções que assegurem um sistema cada vez melhor, inclusive na construção de fontes adequadas de financiamento.

A saúde é um direito universal e uma conquista e tanto para uma nação, ainda mais num mundo onde a maioria dos países não garante esse direito a seus cidadãos.


* Maria do Rosário é deputada federal (PT/RS)

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