10 de maio de 2015
Quem tem medo de Fachin
Por Paulo Moreira Leite
A campanha contra a candidatura do advogado Luiz Fachin ao Supremo Tribunal Federal transformou-se num movimento autoritário, alimentado por argumentos inaceitáveis e teses absurdas.
O motivo dos ataques é escandalosamente óbvio: reside no fato de que Facchin foi indicado pela presidenta Dilma Rousseff — a única pessoa, no Brasil, a quem a Constituição reserva o direito de apontar um nome para o Senado examinar, sabatinar e aprovar ou reprovar.
Quando faltam dois dias para o Senado submeter o ministro à sabatina que antecede a votação, o cinismo dos adversário mostra caninos afiados.
As opções políticas de cada ministro do Supremo são reais e fazem parte do cotidiano da Corte. Por lei, cada um dos integrantes do STF desfruta de uma posição soberana, e, embora em casos muito especiais possam ser questionados pelo mesmo Senado que aprova sua nomeação, na prática são intocáveis.
Exercem sua atividade de acordo com sua consciência, num universo onde o pressuposto universal é que ninguém condena ou absolve um réu em função de preferências partidárias.
Apesar disso, o STF dos últimos anos convive pacificamente com os espetáculos frequentes de um ministro anti-petista militante, que atua no patamar da ferocidade. Gilmar Mendes costuma explicitar opiniões políticas — já no exercício do cargo — sem sofrer críticas nem ser incomodado por ninguém.
Gilmar chegou ao Supremo em 2002, depois de ter sido advogado-geral da União, nomeado por Fernando Henrique Cardoso. Naquele momento, a impopularidade de FHC encontrava-se no pior momento de seus dois mandatos.
A nomeação foi consumada quatro anos depois do escândalo de compra de votos que permitiu a reeleição de Fernando Henrique, jamais apurado nem investigado pela Procuradoria Geral da União, cujo titular também foi escolhido pelo presidente.
Pretende-se, em 2015, vetar um candidato que em 2010, em posição de simples cidadão, quase um eleitor entre 100 milhões, quando jamais se poderia apontar para algo que lembrasse um conflito de interesses, pediu voto para Dilma.
Celso Mello, o decano do Supremo, hoje um dos ministros mais influentes e respeitados, inclusive por quem discorda frontalmente de seus votos, chegou ao tribunal pelas mãos de José Sarney, o presidente que assegurou cinco anos de mandato — completados em 1989, ano em que o nomeou para o STF — graças a distribuição de concessões de rádio e TV pelo Congresso. Antes de se tornar ministro, Celso de Mello era um promotor que o advogado Saulo Ramos, amigo que frequentava a cozinha do Alvorada no governo Sarney, levou para Brasília como seu secretário na Consultoria-Geral da República. Permaneceu na função quando Saulo Ramos tornou-se Ministro da Justiça. Seria possível dizer, pelo simples jogo de aparências, que era um emissário da República do Maranhão. Nada mais errado.
Marco Aurélio de Mello foi levado ao STF pelo primo Fernando Collor, que dois anos depois sofreu o impeachment. Imagine-se o que se poderia falar sobre ele. Há 25 anos na casa, Marco Aurélio é considerado o mais firme liberal dos ministros do plenário, um dos poucos — ao lado de Ricardo Lewandovski — capaz de confrontar Joaquim Barbosa em seus arroubos autoritários na AP 470.
Depois da PEC da Bengala, que retirou da presidenta um direito exercido por todos os 16 antecessores desde 1946 pretende-se criar um ambiente de terra arrasada na cúpula do Judiciário, silenciando vozes identificadas de alguma forma com as ideias que, além de venceram as quatro últimas eleições presidenciais, têm apoio de amplas parcelas da sociedade brasileira.
Conforme artigo do professor de Direito Mário Luiz Barbosa na revista Consultor Jurídico, “jamais houve uma contestação mais virulenta ou desarrazoada como a lançada atualmente contra Luiz Edson Fachin. Mais do que censurar a indicação, tenta-se deturpar a biografia, contorcer posições jurídicas e denegrir a moral de um jurista de escol, considerado um dos mais brilhantes de sua geração.”
A tentativa de veto a um advogado com um histórico honroso e democrático demonstra que os adversários do governo não aceitam correr nenhum tipo de risco em decisões que podem vir a ser tomadas pelo STF daqui por diante — a começar pela prioridade absoluta, a Lava Jato, a grande esperança da oposição de mudar a direção política do país sem disputar um voto em urna.
Neste capítulo, não se aceita sequer a crítica muito razoável e até tardia ao tratamento “medievalesco” dispensado por Sérgio Moro na condução da Operação, como definiuTeori Zavaski, no momento em que este abriu as celas de Curitiba para liberar nove cidadãos aprisionados há cinco meses sem culpa formada.
Essa é a razão intolerante que pretende impedir a nomeação de um ministro que tem condições de contrariar a Justiça do espetáculo. Fachin não será obrigado a atuar como um escravo das pressões da mídia nem dos interesses políticos mais reacionários — pois sua carreira não foi cultivada em compromissos firmados nesses ambientes.
No esforço para questionar sua candidatura, Fachin é acusado mentirosamente de ser favorável à poligamia. Sua visão sobre família é rigorosamente alinhada com um pensamento compatível com a evolução dos costumes e liberdades individuais de nossa época, onde se cobra o respeito pelos direitos de órfãos e concubinas, historicamente marginalizados.
Esta mesma visão sem preconceitos, aberta a realidade da existência humana, levou o Supremo, em 2010, a reconhecer, em votação unânime, a legitimidade das uniões entre pessoas do mesmo sexo.
A crítica à Fachin inclui uma postura consistente a favor da reforma agrária, medida social que uma parcela significativa de brasileiros apoia há mais de meio século — até o general Castelo Branco, primeiro presidente do ciclo militar, incluiu o Estatuto da Terra nos projetos de seu governo, que ficou só na teoria. Questiona-se suas formulações sobre a função social da propriedade, que se encontram rigorosamente nos parâmetros criados pela Constituição de 1988, da qual Fernando Henrique Cardoso foi relator-adjunto.
O que se tenta é um debate às escuras, no qual pontos de vista reais são escondidos pelo preconceito, pela distorção e pela mentira.
Ninguém questiona seu preparo jurídico, nem sua formação, nem o apreço pelos princípios constitucionais, alinhados com o ponto essencial — a defesa dos direitos individuais e garantias do cidadão frente ao Estado. Este é o temor que move os adversários de Luiz Fachin. O resto é retórica baixa.
O motivo dos ataques é escandalosamente óbvio: reside no fato de que Facchin foi indicado pela presidenta Dilma Rousseff — a única pessoa, no Brasil, a quem a Constituição reserva o direito de apontar um nome para o Senado examinar, sabatinar e aprovar ou reprovar.
Quando faltam dois dias para o Senado submeter o ministro à sabatina que antecede a votação, o cinismo dos adversário mostra caninos afiados.
As opções políticas de cada ministro do Supremo são reais e fazem parte do cotidiano da Corte. Por lei, cada um dos integrantes do STF desfruta de uma posição soberana, e, embora em casos muito especiais possam ser questionados pelo mesmo Senado que aprova sua nomeação, na prática são intocáveis.
Exercem sua atividade de acordo com sua consciência, num universo onde o pressuposto universal é que ninguém condena ou absolve um réu em função de preferências partidárias.
Apesar disso, o STF dos últimos anos convive pacificamente com os espetáculos frequentes de um ministro anti-petista militante, que atua no patamar da ferocidade. Gilmar Mendes costuma explicitar opiniões políticas — já no exercício do cargo — sem sofrer críticas nem ser incomodado por ninguém.
Gilmar chegou ao Supremo em 2002, depois de ter sido advogado-geral da União, nomeado por Fernando Henrique Cardoso. Naquele momento, a impopularidade de FHC encontrava-se no pior momento de seus dois mandatos.
A nomeação foi consumada quatro anos depois do escândalo de compra de votos que permitiu a reeleição de Fernando Henrique, jamais apurado nem investigado pela Procuradoria Geral da União, cujo titular também foi escolhido pelo presidente.
Pretende-se, em 2015, vetar um candidato que em 2010, em posição de simples cidadão, quase um eleitor entre 100 milhões, quando jamais se poderia apontar para algo que lembrasse um conflito de interesses, pediu voto para Dilma.
Celso Mello, o decano do Supremo, hoje um dos ministros mais influentes e respeitados, inclusive por quem discorda frontalmente de seus votos, chegou ao tribunal pelas mãos de José Sarney, o presidente que assegurou cinco anos de mandato — completados em 1989, ano em que o nomeou para o STF — graças a distribuição de concessões de rádio e TV pelo Congresso. Antes de se tornar ministro, Celso de Mello era um promotor que o advogado Saulo Ramos, amigo que frequentava a cozinha do Alvorada no governo Sarney, levou para Brasília como seu secretário na Consultoria-Geral da República. Permaneceu na função quando Saulo Ramos tornou-se Ministro da Justiça. Seria possível dizer, pelo simples jogo de aparências, que era um emissário da República do Maranhão. Nada mais errado.
Marco Aurélio de Mello foi levado ao STF pelo primo Fernando Collor, que dois anos depois sofreu o impeachment. Imagine-se o que se poderia falar sobre ele. Há 25 anos na casa, Marco Aurélio é considerado o mais firme liberal dos ministros do plenário, um dos poucos — ao lado de Ricardo Lewandovski — capaz de confrontar Joaquim Barbosa em seus arroubos autoritários na AP 470.
Depois da PEC da Bengala, que retirou da presidenta um direito exercido por todos os 16 antecessores desde 1946 pretende-se criar um ambiente de terra arrasada na cúpula do Judiciário, silenciando vozes identificadas de alguma forma com as ideias que, além de venceram as quatro últimas eleições presidenciais, têm apoio de amplas parcelas da sociedade brasileira.
Conforme artigo do professor de Direito Mário Luiz Barbosa na revista Consultor Jurídico, “jamais houve uma contestação mais virulenta ou desarrazoada como a lançada atualmente contra Luiz Edson Fachin. Mais do que censurar a indicação, tenta-se deturpar a biografia, contorcer posições jurídicas e denegrir a moral de um jurista de escol, considerado um dos mais brilhantes de sua geração.”
A tentativa de veto a um advogado com um histórico honroso e democrático demonstra que os adversários do governo não aceitam correr nenhum tipo de risco em decisões que podem vir a ser tomadas pelo STF daqui por diante — a começar pela prioridade absoluta, a Lava Jato, a grande esperança da oposição de mudar a direção política do país sem disputar um voto em urna.
Neste capítulo, não se aceita sequer a crítica muito razoável e até tardia ao tratamento “medievalesco” dispensado por Sérgio Moro na condução da Operação, como definiuTeori Zavaski, no momento em que este abriu as celas de Curitiba para liberar nove cidadãos aprisionados há cinco meses sem culpa formada.
Essa é a razão intolerante que pretende impedir a nomeação de um ministro que tem condições de contrariar a Justiça do espetáculo. Fachin não será obrigado a atuar como um escravo das pressões da mídia nem dos interesses políticos mais reacionários — pois sua carreira não foi cultivada em compromissos firmados nesses ambientes.
No esforço para questionar sua candidatura, Fachin é acusado mentirosamente de ser favorável à poligamia. Sua visão sobre família é rigorosamente alinhada com um pensamento compatível com a evolução dos costumes e liberdades individuais de nossa época, onde se cobra o respeito pelos direitos de órfãos e concubinas, historicamente marginalizados.
Esta mesma visão sem preconceitos, aberta a realidade da existência humana, levou o Supremo, em 2010, a reconhecer, em votação unânime, a legitimidade das uniões entre pessoas do mesmo sexo.
A crítica à Fachin inclui uma postura consistente a favor da reforma agrária, medida social que uma parcela significativa de brasileiros apoia há mais de meio século — até o general Castelo Branco, primeiro presidente do ciclo militar, incluiu o Estatuto da Terra nos projetos de seu governo, que ficou só na teoria. Questiona-se suas formulações sobre a função social da propriedade, que se encontram rigorosamente nos parâmetros criados pela Constituição de 1988, da qual Fernando Henrique Cardoso foi relator-adjunto.
O que se tenta é um debate às escuras, no qual pontos de vista reais são escondidos pelo preconceito, pela distorção e pela mentira.
Ninguém questiona seu preparo jurídico, nem sua formação, nem o apreço pelos princípios constitucionais, alinhados com o ponto essencial — a defesa dos direitos individuais e garantias do cidadão frente ao Estado. Este é o temor que move os adversários de Luiz Fachin. O resto é retórica baixa.
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