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Blog do Santayana, 10 de maio de 2015
Quanto vale o BNDES
Por Mauro Santayana
Nos últimos quatro meses, as ações da Petrobras já subiram mais de 50%. Em abril, foi finalmente apresentado, com elastiquíssimas provisões para corrupção, o seu balanço. Prisões, em regime fechado, de executivos de algumas das maiores empresas de infraestrutura e engenharia do país, responsáveis por milhares de empregos, bilhões de reais em projetos, e com endereço fixo e vida definida, foram sensatamente revogadas pela justiça. As dezenas, quase uma centena, de bilhões de reais em roubo cansativa e maciçamente anunciadas, aos quatro ventos, se transformaram em centenas de milhões de reais de dinheiro efetivamente pago e devidamente localizado, em um valor total que, até agora, é de mais ou menos os recursos envolvidos no pseudo “cartel” do Trensalão de São Paulo, e um pequeno percentual dos relativos aos escândalos do CARF, do HSBC, e, principalmente, do Banestado, em que pela segunda vez se cruzaram os destinos do doleiro Alberto Youssef e do Juiz Sérgio Moro.
Desinflando-se, paulatinamente, o balão da Petrobrás, os adversários do governo partem para nova e desesperada expedição de busca de pelo nascido em ovo e de chifre em cabeça de cavalo, apontando suas armas para outro símbolo emblemático do nacionalismo brasileiro, de extrema importância para o desenvolvimento nacional.
Depois de abortada a aprovação de uma primeira CPI sobre o BNDES no Senado, está em curso nova tentativa de se investigar a instituição. Pede-se que o Tribunal de Contas da União passe a pente fino o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, como se fiscalizá-lo já não fizesse parte das suas atribuições regulares; pretende-se mudar a lei para que empréstimos do BNDES em operações internacionais, tenham que ser aprovados previamente pelo Senado Federal, quando esse tipo de exigência ocorre em pouquíssimas nações do mundo, não apenas em razão da burocracia, mas também por questões estratégicas e de sigilo bancário e empresarial, já que equivale a tornar públicas negociações entre o Brasil e países clientes, desnudando-as aos olhos de nações concorrentes - e em certos sentidos, até mesmo adversárias - que jamais aceitariam se comportar, nesse aspecto, da mesma forma; chama-se a todo momento, o Presidente do BNDES ao Congresso, para dar sempre as mesmas explicações; procura-se criminalizar o papel do Banco no fortalecimento de empresas de capital nacional no exterior, e no apoio à exportação de produtos e serviços pelo Brasil, quando isso é rotineira, ostensiva, e costumeiramente feito por instituições semelhantes de outras nações, o que trará como única consequência o enfraquecimento e a sabotagem da nossa capacidade de concorrência no mercado internacional.
Mais que “sangrar” o governo, parece que se quer atingir o Estado, os instrumentos estratégicos necessários à implementação de um projeto nacional, e já se fala em estender a devassa à Eletrobrás, aos fundos de pensão, a outros bancos públicos, em uma campanha coordenada e ampla, que não poderia ser melhor, ou pior, executada, para o futuro do pais, se estivesse sendo comandada a partir de alguma nação estrangeira.
Não parece existir outro objetivo, do que o de arrebentar com o Brasil, e com todo um conjunto de empreendimentos e obras de infraestrutura que, com seus eventuais problemas, levou 40 anos para começar a ser executado, depois de longos anos de imobilismo e estagnação.
Pretende-se ampliar para o BNDES o cerco já realizado contra a Petrobras e seus negócios, com um furor macarthista, persecutório e inquisitorial que teria dado melhores resultados para a nação, caso tivesse sido aplicado, pelos mesmos agentes, na investigação dos negócios feitos com dinheiro do mesmo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, não para ajudar a expansão de empresas brasileiras no exterior, gerando divisas e empregos para o Brasil, mas para financiar e promover a criminosa entrega de empresas nacionais estatais e da iniciativa privada a estrangeiros, durante a tragédia da “privataria” e da desnacionalização compulsória da economia brasileira, nos anos 1990.
Sempre pusilânime e escorregadio nas suas relações com setores anacrônicos e conservadores da sociedade brasileira, com os quais optou por conviver, a trancos e barrancos, depois que chegou ao poder, e totalmente incompetente do ponto de vista estratégico e de comunicação, o PT não está colhendo mais do que plantou.
Poderia ter liquidado a fatura do país com esse passado quando o governo Lula tinha altíssimos índices de aprovação e o Brasil crescia 7,5% ao ano. Acusado de ter “aparelhado” o Estado, não soube, como fizeram com naturalidade as forças conservadoras, ocupar espaço, pelo próprio mérito de seus simpatizantes, via concurso público, em áreas estratégicas da administração dos Três Poderes e do próprio MP. Não criou meios de comunicação alternativos para chegar à população. Continuou alimentando, financeira, institucionalmente, e aos nacos, com o seu próprio sangue e carne, as feras que o atacam hidrofobicamente, nos espaços mais tradicionais, e, quando novos canais surgiram, com a rápida expansão da internet relacionada à ascensão de uma nova classe média, fruto da multiplicação do PIB, dos salários e da renda per capita, entregou esse novo público, e a própria internet como espaço de atuação, à direita mais radical e exacerbada, recusando-se a responder a ataques crescentes em ódio e quantidade, até que eles atingissem o paroxismo a que chegaram agora, ignorando, e dando, olimpicamente, o ar de sua escandalosa, gritante, ausência, na área de comentários dos maiores portais - justamente os mais conservadores - desse meio de comunicação.
Quanto vale o BNDES?
Para a Nação - assim como é o caso da Petrobrás - seu valor é incalculável, estratégico, insubstituível.
Criado em 1952, pelo governo do Presidente Getúlio Vargas, e ampliado durante os governos militares, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social é um dos pilares da nação. Ele apoia a cultura, a produção, a geração de tecnologia, a inovação, os grandes e os pequenos negócios que constituem a espinha dorsal da economia brasileira, da construção de hidrelétricas, tanques, refinarias de petróleo, armas, navios, aviões, pontes, viadutos, a milhares de empreendedores, que, em igual número de micro e pequenas empresas, podem ter acesso a seus recursos a juros mais baixos, por meio de instrumentos amplamente disseminados e acessíveis, como o Cartão BNDES.
Não fosse o BNDES e os outros bancos públicos, como a Caixa Econômica Federal, e o Banco do Brasil, e o país teria ficado inerme, imobilizado, no contexto do financiamento a grandes projetos e ao consumo, nas diferentes crises criadas pela incompetência, imprevisibilidade e leniência dos governos, do FMI, do Banco Mundial e das “agências” de classificação - que hoje insistem em nos ditar regras - que quase levaram o mundo, por mais de uma vez, à bancarrota, desde o início deste novo século.
Só nos quatro primeiros meses deste ano, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social liberou um financiamento de dois bilhões e trezentos milhões de dólares para a construção de uma nova companhia siderúrgica, na Zona de Processamento de Exportação do Complexo Industrial e Portuário de Pecém, na cidade de São Gonçalo do Amarante, no Ceará, obra que gerará 17 mil empregos e produzirá 3 milhões de toneladas de aço por ano, para exportação, e participou da criação de um novo polo de produção de medicamentos no mesmo estado.
Viu ser inaugurado o novo pólo automotivo do Nordeste, com a entrada em funcionamento da fábrica da Jeep no Brasil, para a qual aportou 3.3 bilhões de reais, e garantiu mais 650 milhões de reais em investimento para a expansão da Fiat em Minas Gerais. Liberou mais de 400 milhões de reais para novas obras na subida da serra, em Petrópolis, no Rio de Janeiro. Participou da constituição de uma nova empresa de logística portuária, criou um fundo de investimento em debêntures de infraestrutura, e novas opções para financiamento de bens de capital. Ainda em abril, lançou um novo produto, o BNDES Soluções Tecnológicas, para estimular a inovação na indústria brasileira, e aumentou a garantia para a obtenção de empréstimos por micro e pequenas empresas, de financiamento junto a outras instituições financeiras de sua escolha, e criou outra linha destinada à recuperação ecológica de vegetação nativa. Financiou a construção de 10 novos parques eólicos no Nordeste, gerando, com apenas dois, um no Piauí, e outro na Bahia, no valor de 1.2 bilhão de reais, quase quatro mil novos empregos - depois de ter investido nessa área 6.6 bilhões de reais em 2014. E liberou mais centenas de milhões de reais em financiamento para a modernização de gestão de vários municípios, em microcrédito para pequenos empreendedores e investimentos para indústrias das áreas têxtil, calçadista, de caminhões e alimentícia.
Estamos vivendo uma situação absurda, kafkiana, na qual se punem e atacam empresas que, no exterior, sempre mostraram que o Brasil pode concorrer à altura com outros países na execução de grandes e complexos projetos de engenharia, como a Mendes Júnior, a Andrade Gutierrez e a própria Odebrecht. Companhias que, historicamente, levaram o nome do Brasil e a capacidade de realização da gente brasileira das montanhas dos Andes aos desertos africanos, em países latino-americanos e em lugares como o Iraque e a Mauritânia, ainda nos anos 1970, empregando milhares de compatriotas, exportando produtos e serviços e trazendo para o país bilhões de dólares em divisas, permitindo, ainda na época dos governos militares, que o Brasil recebesse combustível em pagamento dessas obras, enfrentando, com sucesso, a crise do petróleo.
Pretende-se investigar o financiamento pelo BNDES, um dos maiores bancos de fomento do mundo, fundamental para a exportação de serviços pelo Brasil, para países como Cuba e Angola, quando o principal cliente desse tipo de financiamento do banco, não são nações “comunistas” ou “bolivarianas”, mas os sacrossantos Estados Unidos da América do Norte, e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social não faz mais do que fazem instituições financeiras estatais concorrentes de países desenvolvidos - como os Eximbanks dos EUA e da Coreia do Sul, os JapanExport Bank e Japan Bank For InternationalCooperation, do Japão; os KFW e Deutsche Bank da Alemanha, o Export-Import Bank da China - e possui baixíssima inadimplência em suas operações internacionais, como afirmaram o próprio BNDES e a Odebrecht, por meio de documentos e declarações públicas, na última semana.
O Brasil transformou o BNDES, nos últimos anos, em um dos maiores bancos de fomento do mundo, multiplicando seus desembolsos - que vão também para milhares de micro e pequenas empresas e empreendedores via Cartão BNDES - de 37 bilhões de reais em 2002, para 187 bilhões de reais em 2014, com um lucro de quase 9 bilhões de reais no ano passado, e essa conquista está sendo tratada como se fosse um crime de lesa-pátria.
É preciso lembrar que a exportação de serviços e produtos com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social para países desenvolvidos e em desenvolvimento não é invenção do PT. Ela foi, sempre, um dos pilares da política externa brasileira e era costumeira no regime militar. Foi praticada - haja cinismo - no Governo Fernando Henrique Cardoso, que financiou com dinheiro desse banco, Cuba e o Governo de Hugo Chávez, na construção de parte do metrô da capital venezuelana. Há, do então Presidente da República, dessa época, famosa foto com Chaves e Fidel Castro - líderes que hoje tucanos procuram execrar de olho no eleitorado fascista - de mãos unidas, umas sobre as outras.
O que deveria estar sendo investigado e punido, não é a exportação de serviços ou a compra de empresas estrangeiras no exterior com financiamento do grande banco brasileiro, em operações em que a inadimplência está próxima de zero, mas, sim, o uso de capital do banco para financiar a entrega de empresas brasileiras do setor de energia e telecomunicações, não para empresários brasileiros da iniciativa privada, mas a juros subsidiados e a perder de vista, para empresas estrangeiras - incluídas algumas de capital estatal ou controle estratégico governamental de outros países - em “negócios” nos quais “consultores”, “assessores” e lobistas de variada estirpe e camaleônico caráter fizeram fortunas, da noite para o dia, com tráfico de influência, nos anos 1990.
Há quem tenha participado da organização do processo de privatização da Telebrás, e depois chegado a altos cargos na ANATEL - que como as outras agências reguladoras, não passa de uma excrescência inventada no governo FHC que quase sempre só beneficia as empresas e nunca os consumidores - comandando a fiscalização de empresas telefônicas, para depois ocupar, já, há anos, o cargo de presidente de um dos maiores grupos estrangeiros de telefonia e telecomunicações em atividade no Brasil.
Usar o BNDES para defender o país, o seu fortalecimento, e o de suas empresas, no exterior, como se orgulham de fazer outros países, e suas lideranças e ex-presidentes, não se pode. Fazer o mesmo para promover a entrega do Brasil para empresas de países altamente “desenvolvidos”, como Espanha e Portugal, como ocorria antes, não só se pode, como é altamente gratificante, tanto do ponto de vista econômico como do “moral”, como se pode ver pela “intocabilidade” de seus autores, relegados, com suas fortunas, a confortável e nababesco - e espera-se que não definitivo, para a história, ao menos - anonimato. Mesmo que essas empresas estrangeiras sequer paguem os financiamentos recebidos, a juros subsidiados, como foi o caso, por anos, da AES - America Energy Southern, na compra da Eletropaulo, a ponto de ter sido processada pelo governo Lula, para que o BNDES retomasse ao menos parte do negócio.
Não podemos ser um país poderoso, independente e forte - objetivo que nunca poderá ser atingido sem o decisivo, patriótico, trabalho do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e de seus funcionários. O que se quer é que sejamos uma província patética e subalterna, sem BNDES, sem Petrobras, sem Eletrobrás, como já ficamos sem a Telebrás, sem bancos essenciais para o desenvolvimento regional, como o Banespa, e outras importantes empresas e instituições, estratégicas para o desenvolvimento brasileiro.
Querem que voltemos, rapidamente, em pleno século XXI, com o quinto território e população e a sétima economia do mundo, a uma posição de colônia, submetida ao interesse estrangeiro, com a total privatização da Petrobras, a entrega do pré-sal, o desmonte do BNDES, de instituições como a Amazônia Azul e de outras empresas de defesa que dele dependem direta e indiretamente, a destruição programada da indústria naval, da indústria bélica, de centenas de milhares de empregos, de bilhões em projetos já iniciados e das maiores empresas de engenharia do Brasil, para que não reste pedra sobre pedra.
O bom-senso, a informação, a visão histórica e estratégica, um mínimo de projeto de Nação, que se danem.
O que importa não é o Brasil. É a política de “terra arrasada”, para que depois se possa colocar a culpar em quem se está atacando agora.
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