segunda-feira, 25 de maio de 2015

Acidente Luciano Huck/Angélica: A dor da gente não sai no jornal...

Relato, 25/05/2015


          

A dor da gente não sai no jornal...


Por Felipe Araújo
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
De uns tempos pra cá, as panelas da direita boçal andam dobrando em sonorosas cacofonias na Casa Grande brasileira. Não para mudar o País, mas para anular o outro. Para massacrar qualquer afirmação da alteridade, esse miolo da democracia com o qual os "homens de bem" (brancos, héteros, "pagadores" de impostos e "meritocratas") têm uma enorme dificuldade de lidar. Taí o jornal O Globo que não me deixa mentir. Eis uma tremenda aula de Brasil resumida num simples infográfico de jornal.

A lógica editorial que omite os nomes das babás no quadro acima reflete a mentalidade atávica daqueles que não lhes vêem - nunca viram e nunca verão -, como sujeitos de direitos. Para a "elite" brasileira (ou os tragicômicos candidatos a "elite"), as babás são expressão de um mito indistinto chamado "povo". São assim mesmo, apenas silhuetas desfiguradas, vultos sem rosto. Não têm direito a nome, à identidade, à história. Não possuem dignidade. São fantasmas opacos, a quem, se muito, dá-se o direito de apenas contemplar servilmente, da cozinha ou da área de serviço, os patrões em seus "paraísos" artificiais: seus carrões blindados, suas suítes nababescas, seus aviões particulares.

As paneleiras "angelicais" só costumam saber mesmo do país real quando elas (as babás) pedem demissão na sexta-feira e deixam o fim de semana das bacanas à míngua. E aí, haja grito e ranger de dentes. Haja desabafo - e sociologia de varanda gourmet - sobre a ignávia fundante do brasileiro. Acostumadas a viver numa cidade que é feita apenas de uma pálida e previsível sequência de espaços privados - os mesmos espaços estéreis e assépticos que vão procurar em suas viagens ao exterior, pululando de shopping em shopping mundo afora -, as danaides da "luta anti-corrupção", por não saberem conviver com o mais comezinho direito do outro, não sabem conviver com o espaço público. Assim, só conseguem espreitar o país real, quando outros vultos - sem nome, sem rosto, sem história - lhes arrombam o portão de entrada ou lhes espreitam ao sinal vermelho do próximo cruzamento. E aí, de novo, haja grito e ranger de dentes, além de apelos aparvalhados a favor da pena de morte ou da redução da maioridade penal, essa panaceia dos tolos.

Em seus gritos de "basta!" e que tais, as panelas das madames repicam para que a vida - as suas vidas! - possa(m), enfim, seguir seu ritmo "normal", sem sobressaltos. Com "segurança" e "tranquilidade". Para que Huck e Angélica - e seu país excludente e alienado - possam seguir adiante, divulgando a mais nova pasta de dente do mercado. Ou o mais novo condomínio em Miami. Para isso, entretanto, é necessário que as babás estejam sempre por ali, invisíveis e inefáveis. Sem nome, sem rosto, sem direitos.

Como diria Chico, a dor da gente não sai no jornal...

Em tempo: a edição do Globo é a dessa segunda-feira, 25; e as babás se chamam Francisca Mesquita e Marcileia Garcia. ​

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