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Carta Maior, 07/05/2015
EUA: Wall Street matou os empreendedores
Por Yves Smith, Naked Capitalism
Por Yves Smith, Naked Capitalism
O número de novas empresas criadas nos EUA caiu a um ponto tão baixo que perde até para a Hungria. Mas, porque conflita com a imagem amplamente divulgada de autoconfiança dos norte-americanos, é fato ao qual a imprensa-empresa comercial oligopolista absolutamente não dá a atenção que o fato merece.
Caindo fora dos negócios
A primeira notícia apareceu em Gallup semana passada. Aqui a seção chave:
Os EUA estão agora, não em 1º, não em 2º, não em 3º lugar, mas no 12º lugar entre as nações desenvolvidas em termos de novos empreendimentos por ano. Hungria, Dinamarca, Finlândia, Nova Zelândia, Suécia e Itália, dentre outros, têm número maior de novas empresas, em um ano, que os EUA.Os EUA perdem em número de novas empresas per capita, e esse é hoje o problema econômico mais grave que os EUA enfrentam. Mas o “fenômeno” é tratado como segredo! Não se lê nenhuma referência na imprensa-empresa comercial, nem se ouvem políticos ou “especialistas” que digam que, pela primeira vez em 35 anos, morrem mais empresas nos EUA, do que nascem.
Até 2008, o número de novas empresas superava o número de falências comerciais em cerca de 100 mil/ano. Nos últimos seis anos, esse número repentinamente reverteu, e há hoje 70 mil empresas que fecham por ano, a mais do que o número de novas empresas.
Essa mudança é criticamente importante, porque pequenas e médias empresas são criadoras de novos empregos. Grandes corporações, tomadas em geral, estão em liquidação já há mais de uma década, economizando no número de empregados e “enxugando” sem parar por já bem mais de uma década. Pode-se ver esse comportamento na regularidade com que a imprensa de negócios publica sobre exercícios de redução de postos de trabalho como se fossem meros exercícios de redução de custos, não como o que são: sinal de o quanto profundamente as empresas e empresários não se interessam em investir nos seus trabalhadores e respectivos futuros.
Observaram que a variação nos números acompanha exatamente o andamento da crise? Não é por acaso. Embora a correlação não seja prova de causa e efeito, não é difícil perceber várias forças causais.
O artigo de Gallup insiste muito na mitologia do empreendedorismo dos norte-americanos, como se estivessem perdendo alguma espécie de valor ou de atributo louvável de caráter, como alguma velha virtude romana; insiste também na importância da “inovação”.
O problema é que essa ideia “cultural” baseia-se, ainda, em empresas que nascem baseadas em capital abundante, muitas vezes venture-capital. Pior que isso: não só jornalistas, mas também especialistas acadêmicos fixaram-se em jovens empresas apoiadas por venture-capital – quando, na verdade, essas empresas não passaram de 1% do total de novas empresas em praticamente todos os anos, e só chegam a 25% das mais bem-sucedidas empresas de alto crescimento listadas por Inc. Magazine 500.
Assim sendo, dado que se sabe praticamente nada, o que, afinal, se sabe sob a tão mal estudada maioria das empresas iniciantes, que são o verdadeiro motor do emprego nos EUA? Como estão elas hoje?
Em seu The Origin and Evolution of New Businesses, estudo definitivo sobre o tema, Amar Bhide descobriu que o caminho mais comum seguido por empresários bem-sucedidos, foi que trabalharam para grandes indústrias e perceberam um nicho do mercado que não era bem atendido. Na ampla maioria de casos, esses novos negócios eram criados com poupança familiar, dinheiro emprestado de amigos, parentes e cartões de crédito.
A origem e evolução de novos negócios
Assim, se se pensa um pouco sobre o que está acontecendo nos EUA e no mundo empresarial em geral, vê-se facilmente o quanto o impacto da crise e seus desdobramentos estão obrigando todos que tenham cérebro capaz de operar a ter muita cautela no momento de abrir sua porta própria.
Primeiro, recessão clássica significa recuperação lenta e fraca, como todos vimos muito bem nos EUA.
O fato de que os EUA foram muito generosos e condescendentes com Wall Street cobrou altíssimo preço da Rua do Comércio, por todo o país – e de todos os pequenos negócios, principalmente. Só recentemente pequenos comerciantes exibiram algum ainda tímido sinal de otimismo quanto ao futuro e novas contratações. Mas ainda assim há áreas que ainda não dão nenhum sinal de melhoria, como a venda de varejo, um dos alvos mais populares para novas empresas.
Segundo, muita gente exauriu as próprias poupanças durante a crise, seja porque perdeu o emprego, seja porque sofreu redução nas horas de trabalho. E os idosos que ainda tenham alguma poupança têm pela frente ambiente de juros baixos e perspectiva de ganhos de capital pouco confiáveis. Embora haja quem reaja a isso com “ousadia”, muita gente responde dedicando-se a poupar ainda mais (no caso de não terem perdido o emprego), temerosos de qualquer risco. Em geral, quando as vacas andam gordas, muitos investidores são mais tolerantes em relação a assumir riscos do que em tempos incertos de vacas magras. O que implica dizer que a via de procurar amigos e família para obter financiamento para novo negócio já não é o que antigamente foi.
Terceiro, as empresas de cartões de crédito cortaram linhas de crédito durante a crise, atingindo muitos projetos de novos empreendimentos que dependiam de crédito sazonal. E duas importantes empresas de cartões de crédito que emprestavam para pequenos negócios saíram do mercado ou cortaram ofertas. Advanta faliu; e American Express, que costumava oferecer várias linhas de crédito para pequenos negócios, eliminou alguns de seus produtos e tornou-se mais seletiva com o crédito que oferece pelos cartões comerciais.
Há mais um desenvolvimento que é de mais longo prazo e foi exacerbado pela crise – os empregos temporários. É difícil ganhar insight sobre o comportamento dos consumidores, e o que teria boa chance como concorrente ou complementar de uma indústria, se você não fica tempo suficiente numa empresa, para compreender os processos e operações. Relacionado também a isso, muitas empresas obrigam os trabalhadores a assinar contratos muito restritos de não concorrência, como condição para ter o emprego, o que torna ainda mais difícil para o trabalhador não apenas encontrar empregos, mas também criar empreendimentos próprios.
Portanto, embora Wall Street não seja a única culpada pelo declínio do empreendedorismo nos EUA, é sem dúvida dos maiores culpados. E eis por que é importante não ceder no esforço para obrigar o hipertrofiado setor das finanças a diminuir de tamanho.
Yves Smith passou mais de 25 anos na indústria de serviços financeiros e atualmente dirige Aurora Advisors, uma empresa de consultoria sediada em New York, especializada em consultoria de finanças corporativas e serviços financeiros. Sua experiência inclui trabalho na Goldman Sachs (em finanças corporativas), McKinsey & Co. e Sumitomo Bank (como chefe de fusões e aquisições). Yves já escreveu para várias publicações nos EUA e na Austrália, incluindo The New York Times, The Christian Science Monitor, Slate, The Review Conference Board, Institutional Investor, The Daily Deal e da Australian Financial Review. É graduada no Harvard College e Harvard Business School. Anima o blog Naked Capitalism desde 2006.
Caindo fora dos negócios
A primeira notícia apareceu em Gallup semana passada. Aqui a seção chave:
Os EUA estão agora, não em 1º, não em 2º, não em 3º lugar, mas no 12º lugar entre as nações desenvolvidas em termos de novos empreendimentos por ano. Hungria, Dinamarca, Finlândia, Nova Zelândia, Suécia e Itália, dentre outros, têm número maior de novas empresas, em um ano, que os EUA.Os EUA perdem em número de novas empresas per capita, e esse é hoje o problema econômico mais grave que os EUA enfrentam. Mas o “fenômeno” é tratado como segredo! Não se lê nenhuma referência na imprensa-empresa comercial, nem se ouvem políticos ou “especialistas” que digam que, pela primeira vez em 35 anos, morrem mais empresas nos EUA, do que nascem.
Até 2008, o número de novas empresas superava o número de falências comerciais em cerca de 100 mil/ano. Nos últimos seis anos, esse número repentinamente reverteu, e há hoje 70 mil empresas que fecham por ano, a mais do que o número de novas empresas.
Essa mudança é criticamente importante, porque pequenas e médias empresas são criadoras de novos empregos. Grandes corporações, tomadas em geral, estão em liquidação já há mais de uma década, economizando no número de empregados e “enxugando” sem parar por já bem mais de uma década. Pode-se ver esse comportamento na regularidade com que a imprensa de negócios publica sobre exercícios de redução de postos de trabalho como se fossem meros exercícios de redução de custos, não como o que são: sinal de o quanto profundamente as empresas e empresários não se interessam em investir nos seus trabalhadores e respectivos futuros.
Observaram que a variação nos números acompanha exatamente o andamento da crise? Não é por acaso. Embora a correlação não seja prova de causa e efeito, não é difícil perceber várias forças causais.
O artigo de Gallup insiste muito na mitologia do empreendedorismo dos norte-americanos, como se estivessem perdendo alguma espécie de valor ou de atributo louvável de caráter, como alguma velha virtude romana; insiste também na importância da “inovação”.
O problema é que essa ideia “cultural” baseia-se, ainda, em empresas que nascem baseadas em capital abundante, muitas vezes venture-capital. Pior que isso: não só jornalistas, mas também especialistas acadêmicos fixaram-se em jovens empresas apoiadas por venture-capital – quando, na verdade, essas empresas não passaram de 1% do total de novas empresas em praticamente todos os anos, e só chegam a 25% das mais bem-sucedidas empresas de alto crescimento listadas por Inc. Magazine 500.
Assim sendo, dado que se sabe praticamente nada, o que, afinal, se sabe sob a tão mal estudada maioria das empresas iniciantes, que são o verdadeiro motor do emprego nos EUA? Como estão elas hoje?
Em seu The Origin and Evolution of New Businesses, estudo definitivo sobre o tema, Amar Bhide descobriu que o caminho mais comum seguido por empresários bem-sucedidos, foi que trabalharam para grandes indústrias e perceberam um nicho do mercado que não era bem atendido. Na ampla maioria de casos, esses novos negócios eram criados com poupança familiar, dinheiro emprestado de amigos, parentes e cartões de crédito.
A origem e evolução de novos negócios
Assim, se se pensa um pouco sobre o que está acontecendo nos EUA e no mundo empresarial em geral, vê-se facilmente o quanto o impacto da crise e seus desdobramentos estão obrigando todos que tenham cérebro capaz de operar a ter muita cautela no momento de abrir sua porta própria.
Primeiro, recessão clássica significa recuperação lenta e fraca, como todos vimos muito bem nos EUA.
O fato de que os EUA foram muito generosos e condescendentes com Wall Street cobrou altíssimo preço da Rua do Comércio, por todo o país – e de todos os pequenos negócios, principalmente. Só recentemente pequenos comerciantes exibiram algum ainda tímido sinal de otimismo quanto ao futuro e novas contratações. Mas ainda assim há áreas que ainda não dão nenhum sinal de melhoria, como a venda de varejo, um dos alvos mais populares para novas empresas.
Segundo, muita gente exauriu as próprias poupanças durante a crise, seja porque perdeu o emprego, seja porque sofreu redução nas horas de trabalho. E os idosos que ainda tenham alguma poupança têm pela frente ambiente de juros baixos e perspectiva de ganhos de capital pouco confiáveis. Embora haja quem reaja a isso com “ousadia”, muita gente responde dedicando-se a poupar ainda mais (no caso de não terem perdido o emprego), temerosos de qualquer risco. Em geral, quando as vacas andam gordas, muitos investidores são mais tolerantes em relação a assumir riscos do que em tempos incertos de vacas magras. O que implica dizer que a via de procurar amigos e família para obter financiamento para novo negócio já não é o que antigamente foi.
Terceiro, as empresas de cartões de crédito cortaram linhas de crédito durante a crise, atingindo muitos projetos de novos empreendimentos que dependiam de crédito sazonal. E duas importantes empresas de cartões de crédito que emprestavam para pequenos negócios saíram do mercado ou cortaram ofertas. Advanta faliu; e American Express, que costumava oferecer várias linhas de crédito para pequenos negócios, eliminou alguns de seus produtos e tornou-se mais seletiva com o crédito que oferece pelos cartões comerciais.
Há mais um desenvolvimento que é de mais longo prazo e foi exacerbado pela crise – os empregos temporários. É difícil ganhar insight sobre o comportamento dos consumidores, e o que teria boa chance como concorrente ou complementar de uma indústria, se você não fica tempo suficiente numa empresa, para compreender os processos e operações. Relacionado também a isso, muitas empresas obrigam os trabalhadores a assinar contratos muito restritos de não concorrência, como condição para ter o emprego, o que torna ainda mais difícil para o trabalhador não apenas encontrar empregos, mas também criar empreendimentos próprios.
Portanto, embora Wall Street não seja a única culpada pelo declínio do empreendedorismo nos EUA, é sem dúvida dos maiores culpados. E eis por que é importante não ceder no esforço para obrigar o hipertrofiado setor das finanças a diminuir de tamanho.
Yves Smith passou mais de 25 anos na indústria de serviços financeiros e atualmente dirige Aurora Advisors, uma empresa de consultoria sediada em New York, especializada em consultoria de finanças corporativas e serviços financeiros. Sua experiência inclui trabalho na Goldman Sachs (em finanças corporativas), McKinsey & Co. e Sumitomo Bank (como chefe de fusões e aquisições). Yves já escreveu para várias publicações nos EUA e na Austrália, incluindo The New York Times, The Christian Science Monitor, Slate, The Review Conference Board, Institutional Investor, The Daily Deal e da Australian Financial Review. É graduada no Harvard College e Harvard Business School. Anima o blog Naked Capitalism desde 2006.
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