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12 de maio de 2015
Europa atrasou-se 500 anos
Por Paulo Moreira Leite
Por Paulo Moreira Leite
Aqueles barcos que hoje atravessam o Mediterrâneo são sucessores diretos de milhares de embarcações, de várias etapas da tecnologia de navegação, que deixaram a África a partir do momento em que a civilização europeia organizou e explorou a escravidão de um Continente inteiro, mudando sua história e comprometendo seu futuro. Perdemos a conta dos milhões de seres humanos que foram transportados pelos oceanos, em porões sombrios, famintos, correntes nos pés. Mas sabemos que ali começou uma história que não volta mais e que deve ser encarada como aquilo que foi e é.
Veja que epopeia, desde aquela fase da evolução humana que os autores europeus chamam de Descobrimento, povoando nossa imaginação com homens de olhar intrépido, lunetas e calças de almofada.
A riqueza daquele período se encontrava na América mas o braço que tinha músculos para explorar o ouro e a prata — e depois colher o café, plantar o algodão — erguendo tantos degraus de civilização e de cultura, vinha da África. Foi dali que saiu a mão-de-obra cativa e baratíssima que permitiu os primeiros séculos de globalização.
Talvez fossem embarcações maiores, muito mais infectas e menos seguras. Mas eram os mesmos barcos com as mesmas pessoas, os bisavós, trisavós, tataravós. Não adianta negar: chegaram até hoje. Estão aí, na nossa frente, ao nosso lado.
Naquele período tardio e muito menos glorioso, que deve ser compreendido como o primeiro e colossal o holocausto da história da humanidade — a observação é da judia Hannah Arendt — o inesquecível Rei Leopoldo, da Bélgica, mandava decepar mãos, braços e pernas de negros que não entregavam uma cota fixa de diamantes para o império colonial.
Quando este colonialismo selvagem, sem pudores, parou de funcionar, inventou-se o apartheid, o colonialismo interno, protegido pelos heróis do conservadorismo contemporâneo, adorados por jovens economistas de senho franzido: Ronald Reagan e Margaret Thatcher.
O projeto de ataque militar aos barcos que hoje atravessam o Mediterrâneo expressa um momento de regressão cruel da história humana, quando uma diplomacia imperial controla, corrompe e derruba governos, inviabiliza Estados nacionais, planeja transformar nações inteiras em campos de exploração e enriquecimento rápido.
Mas a dificuldade não vêm da África. Está na Europa.
Enfrentando a pior crise econômica dos últimos 80 anos, respondida com políticas suicidas de austeridade, os povos europeus assistem ao ressurgimento do fascismo — em diversas variações — em suas fronteiras. A prolongada crise econômica mundial não está na China, nem nos Estados Unidos. Mas no enfraquecimento da Europa, região que abriga o maior e mais rico mercado consumidor do planeta.
Em cada país, os ataques aos direitos dos trabalhadores e da população pobre são questionados, dia após dia. No plano externo, vigora uma diplomacia da pilhagem e da exploração, sem qualquer perspectiva de estimulo ao desenvolvimento e combate a miséria — ainda que dentro dos marcos tradicionais da divisão mundial da riqueza.
É essa falta de perspectiva que expulsa os africanos de seu continente, novamente assaltado pela História dos outros. A violência política é consequência. O fanatismo também.
Sejam ou não capazes de aceitar a ideia, os povos europeus tem uma imensa responsabilidade política e moral com o destino dos povos africanos. O mesmo vale para o império norte-americano, principal promotor e beneficiários das últimas etapas de globalização, que tudo controla e vigia.
Não é caridade. Têm o dever de devolver uma parte do que tomaram no momento em que se decidiu transformar o mundo numa realidade integrada e a humanidade numa grande massa, heterogênea e mesmo desigual, mas interdependente. E quem discorda precisa admitir que já passaram cinco séculos para se defender outra ideia.
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