domingo, 22 de dezembro de 2013

Tocar fogo em SP: meta do conservado​rismo em 2014

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Carta Maior, 22/12/2013

              

Tocar fogo em SP: meta do conservadorismo em 2014

Por Saul Leblon



A velocidade dos ônibus em São Paulo registou um salto de 45% em 2013 (de 14,2 kms/h para 20,6 kms /h).

Três milhões de pessoas ganharam 38 minutos por dia fora das latas de sardinha, que agora pelo menos andam.

Embora a maioria ainda desperdice mais de duas horas diárias em deslocamentos pela cidade, é quase uma revolução quando se verifica a curva antecedente.

Ninguém pagou mais por isso: as tarifas estão congeladas desde junho sob a pressão de protestos legítimos liderados  pelo Movimento Passe Livre.

Financiar a tarifa e modernizar  o sistema com 150 kms de corredores exclusivos (as faixas já passam de 290 kms) , seria a tarefa do aumento progressivo do IPTU previsto pelo prefeito Fernando Haddad.

A coerência entre os meios e os fins  é irretocável.


1/3 dos moradores mais pobres de SP não pagariam nada de IPTU em 2014; os demais, em média, contribuiriam com  um adicional de R$ 15,00 ao mês. Os boletos dos mais ricos, naturalmente, transitariam acima da média.

O matrimônio de interesses expresso na aliança entre Fiesp, PSDB e a toga colérica  implodiu esse reajuste.

Como Nero, eles querem ver São Paulo pegar  fogo para culpar os adversários (os cristãos, no caso do imperador).

Em meio às labaredas emergiria o palanque conservador como a escada Magirus  que  os reconduziria com segurança  ao Bandeirantes e, quem sabe, ao Planalto.

O dinheiro grosso fornece a gasolina; o tucanato fino de Higienópolis entra com o maçarico.

‘Bum!’, diz a mídia obsequiosa que estampa a foto de Haddad com a legenda: o culpado é o oxigênio.


Depois de subtrair  R$ 40 bi por ano do sistema público de saúde, ao extinguir a CPMF, eles não hesitam agora em usar o sofrimento da população como recheio do seu pastel de vento eleitoral.
 
É o de sempre, ataca Haddad: a coalizão da casa-grande contra a senzala.


Eles retrucam estalando o chicote da mídia.

A rede de ônibus da capital (linha e fretados)  transporta 68% das população e ocupa somente 8% das vias urbanas.

A frota de automóveis transporta 28% e ocupa cerca de 80% do espaço das vias.

A informação é da urbanista Raquel Rolnik, em artigo reproduzido no Viomundo.

A rigor, portanto, a mobilidade melhorou  para a maioria dos habitantes da cidade, com uma redistribuição pontual do uso do espaço  viário.

Mas a emissão conservadora atiça o fim de ano da classe média com bordão do caos no trânsito – por culpa do privilégio concedido  aos ônibus.

Na edição de sábado (21/12), o jornal Folha de SP estampa a manchete  capciosa em seis colunas, no caderno  Cotidiano: ‘Trânsito piora, e ônibus anda mais rápido’.

No manual de redação dos Frias , trânsito é sinônimo de transporte individual.

Há um traço comum  entre esse entendimento do que seja interesse coletivo e individual  e o belicismo conservador  contra o programa ‘Mais Médicos’.

O programa  subverteu a lógica protelatória e alocou médicos estrangeiros, cubanos em sua maioria, ali onde os profissionais locais não querem trabalhar: periferias conflagradas e socavões distantes.

Produz-se assim uma mudança instantânea na vida de 23 milhões de brasileiros  até então desassistidos.

Quantos não morreriam  à espera do longo amanhecer incremental preconizado pelo conservadorismo?

A dimensão estrutural desse  antagonismo perpassa a luta pelo desenvolvimento brasileiro desde Getúlio.

Reformas de base ou a delegação do futuro da economia e do destino da sociedade aos mercados?

Em 1964 o pelourinho midiático, a Fiesp e o tucanismo, na versão udenista, resolveram a pendência da forma sabida.

Meio século depois, São Paulo reproduz  em ponto pequeno a mesma confluência de interesses que se reivindica o direito consuetudinário de tocar fogo no canavial e estalar o açoite para fazer a moenda girar.
Primeiro, a garapa; o resto a gente conversa depois.

Com a tigrada guardada nas senzalas.

Ou imobilizada em ônibus-jaula.

A gestão Haddad precisa modular o timming de suas ações para discuti-las antes com a população.

Tem agora um inédito conselho de participação popular para isso.

Mas é indiscutível que o prefeito lidera hoje um conjunto de reformas  imperativas, as reformas de base da São Paulo do século XXI.

Sem elas a cidade afundará no destino que lhe reservou a elite brasileira branca e plutocrática: ser um exemplo de viabilidade  de uma das mais iníquas versões do capitalismo no planeta.

Esse é o embate dos dias que correm na metrópole.

Diante dele, o silêncio de quem liderou  os protestos de junho chega a ser desconcertante.

Mas não é inédito.

Há inúmeros antecedentes gravados na história com os predicados de cada época.

E nenhum deles é inocência.​
 

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