Carta Capital, 13/12/2013
A dura autocrítica do MPF e da Ajufe sobre a exposição midiática
Por Luis Nassif
No Seminário “A Democracia Digital e o Poder Judiciário” – organizado pelo Jornal GGN em Brasília no último dia 27 de novembro – coube ao Diretor-Geral da Escola Superior do Ministério Público da União e Secretário de Relações Institucionais da Procuradoria Geral da República, o procurador da República Nicolao Dino Neto, o depoimento mais enfático sobre o desconforto do Ministério Público com a superexposição midiática e as discussões internas visando trazer a corporação para uma visão mais crítica em relação ao momento atual.
Dino Neto considera que, na era da informação, o princípio da presunção da inocência foi substituído pelo princípio da cognitividade: “O sujeito que aparece nas manchetes de jornais de domingo está condenado. Muitas vezes pela voz de um procurador, pela antecipação de um juízo de valor por um juiz. Devemos repudiar isso”.
O juiz deve responder aos anseios sociais, diz ele. Mas quem representa efetivamente os anseios sociais? Um dos mitos que devem ser trabalhados é o da suposta neutralidade da mídia. “Assim como Judiciário, MP e outros autores não são neutros, mídia não é neutra. Neutralidade é mito” Todos os que exercem atividade pública e privada trazem formação valorativa. “Nos não somos tabula rasa. Crescemos, formamos nossos conceitos e preconceitos, juízos a partir dos nossos pré-juízos construídos ao longo da nossa história. Portanto, não somos neutros. mas todos temos o dever de sermos imparciais”.
“No momento em que a imprensa, se dizendo neutra, informa algo no sentido de criar uma situação ou criar um fato, ou induzir determinada postura do MP e do juiz, não sendo neutra naquele papel, está trazendo para o bojo da arena forense uma postura que ela pretende ver realizada, levada a efeito. Essa instrumentalização tem sido percebida ao longo de vários episódios. E tem efeitos nefastos para o Judiciário e para o Ministério Público para que, no afã de exercer a transparência, não cedamos à tentação de realizarmos interesses de outros personagens dessa mesma arena”.
Os pêndulos da história
Dino Neto considera que a história se move em pêndulos ou espiral – voltando sempre ao mesmo lugar, mas alguns degraus acima. E há dois momentos relevantes a serem analisados.
O primeiro momento foi o do fechamento, pré-constituinte. “Não havia possibilidade sequer de discussão em relação a posições dos governantes, vicejava a sombra do medo, insegurança, ausência de liberdade”.
A guinada do pêndulo ocorreu a partir de 1985 com a abertura que culminou com a constituição, “fixando novos valores, como muitos e muitos direitos fundamentais pendentes de concretização, e uma grande dose de responsabilidade do Judiciário e ao Ministério Público de tornar concreto o que a constituição efetivou como promessa”. Para concretizar as promessas da Constituição o Judiciário e o Ministério Público recorreram ao que foi denominado de “ativismo judicial”.
Com a adoção da Lei Civil Pública, foram dadas novas responsabilidades ao MP e ao Judiciário. “Além de responsáveis pela efetivação do direitos, também tornaram-se responsivos: isto é, com o dever de responder e trazer à sociedade respostas às demandas que vieram e que continuaram sendo apresentadas”.
Com a “responsividade”, o pêndulo foi para o outro lado, diz ele. “Esse anseio de responder, somado ao momento da sociedade informacional: que respira segundo a segundo novas informações, tomou de assalto as instituições”. “Não é um lado negativo, mas positivo: estamos reconhecendo a dificuldade, todas as agruras ligadas a esta carga de responsividade que o momento politico atual trouxe ao sistema de justiça”.
“O problema está no aspecto exógeno, o âmbito externo, extrínseco, fora dos autos”, explica ele. “A sociedade cobra, exige, por intermédio da mídia. A mídia presta e continua prestando relevante papel à sociedade, trazendo para o âmbito da luz o que no passado ficava sob o abrigo da sobra. Mas isso ofusca”.
“O juiz que se sujeita a pressão da mídia, não atende com presteza a essa dimensão de responsabilidade. Não é aquilo que se pretende como ideal em termos de transparência. Uma coisa é transparência, outra é exposição”.
A conta alta paga pelo MP
Dino defende que a transparência que deve ser perseguida é a da aplicação dos recursos públicos, ao quantitativo das demandas que são apresentadas, a motivação dos atos e das razoes de decidir. “Mas será que corresponde a inteira dimensão da transparência transmitir as sessões dos tribunais? Será que é isso que se espera do conceito de transparência”.
Giovanni Sartori, cientista político italiano, ao falar desses fenômenos de comunicação de massa, alertou sobre o principio do perigo oposto. Quando o ideal se realiza em seu ponto máximo de plenitude, de satisfação, ele se inverte e se converte em perigo para o próprio ideal objeto da expectativa. É um feitiço que se volta contra o feiticeiro.
“É o momento que estamos vivendo, outro momento do pêndulo. Hoje sob os efeitos do perigo do excesso de informação”, diz ele. “O juiz o procurador que fala mais fora dos autos, e pior sobre o que vai fazer”.
“Ninguém melhor do que nos do MP para perceber quão tormentoso é”, diz ele. “Pagamos conta altíssima em decorrência da superexposição midiática. É o momento da constatação”, diz ele. “O ator do sistema da justiça que vem para a imprensa anunciar aquilo que vai fazer é tão perverso quanto o jornalista que condena pela imprensa, muito antes de sequer a acusação ter sido formalizada em juízo. Na história politica recente do pais vários casos em que pessoas foram execradas publicamente sem acusação formal”.
Segundo Dino, suas preocupações são institucionais e refletem uma reflexão intensa que se passa no meio judiciário, sobre os limites da relação com a mídia. “Qual será o parâmetro para definir o que é efetivamente a realização da transparecia e o que é a superexposição" Precisamos construir isso e coletivamente”. E essa construção não pode ser feita apenas entre o Ministério Público, o Poder Judiciário e a mídia. Se essas definições foram feitas de forma unilateral e isolada, vai haver sempre a sequela da incompreensão do outro autor”.
Diz Dino: “Não tenho respostas sobre o que fazer, mas tenho sobre o que não fazer”.
A diferença entre transparência e exposição
Para Alexandre Vidigal de Oliveira, Juiz Federal e Diretor de Assuntos Institucionais da AJUFE (Associação dos Juízes Federais) há confusão sobre o conceito de transparência. Não há nada de mais público que a atividade judiciaria. “Os processos são públicos, ambas as partes são defendidas e apresentam seus argumentos. Há a exigência de publicidade. O processo, na sua própria gênese, tem a natureza da publicidade”, diz ele. “O que preocupa na cobertura é a massificação da informação e a superficialidade do conteúdo”, diz ele.
“Direito é ciência, com princípios, garantias, regras, continua. Quando é levado à informação superficial, surge o grande problema. Justiça acaba confundida com justiçamento. Esse é o grande perigo da sociedade massificada que vivemos:”.
Para Oliveira há uma questão paradoxal. “A Justiça é um instrumento de grande valor da liberdade. Na massificação, porém, transforma-se em instrumento de opressão”, diz ele. “A massificaçao torna um fato ou reprovável ou aprovável de acordo com a vontade de um pequeno grupo”.
Oliveira vê as redes sociais como primeiro poder. “O grande de influência que esse meio exerce na sociedade é de tal modo virulento, forte e profundo, que é capaz de definir os desígnios de uma nação”. Em sua opinião, as soluções do caso da AP 470 (do mensalão) provavelmente não seriam as mesmas em outro cenário, sem tanta presença midiática.
“O juiz não é um ET”, diz ele. “A forma como cada um reage a essas influências é de cada um. O grande perigo que temos na sociedade brasileira - e nas demais – é de, ao invés de termos juízes, termos personagens no julgamento das causas. Se não atentarmos para isso, converteremos cenários de julgamento em verdadeiros palcos”, diz ele.
Oliveira anota a dificuldade para se sustentar argumentos técnicos em ambientes leigos, como as redes sociais. “Direito é ciência. O engajamento social é importante mas não pode ser a referencia e a direção”.
Dino Neto considera que, na era da informação, o princípio da presunção da inocência foi substituído pelo princípio da cognitividade: “O sujeito que aparece nas manchetes de jornais de domingo está condenado. Muitas vezes pela voz de um procurador, pela antecipação de um juízo de valor por um juiz. Devemos repudiar isso”.
O juiz deve responder aos anseios sociais, diz ele. Mas quem representa efetivamente os anseios sociais? Um dos mitos que devem ser trabalhados é o da suposta neutralidade da mídia. “Assim como Judiciário, MP e outros autores não são neutros, mídia não é neutra. Neutralidade é mito” Todos os que exercem atividade pública e privada trazem formação valorativa. “Nos não somos tabula rasa. Crescemos, formamos nossos conceitos e preconceitos, juízos a partir dos nossos pré-juízos construídos ao longo da nossa história. Portanto, não somos neutros. mas todos temos o dever de sermos imparciais”.
“No momento em que a imprensa, se dizendo neutra, informa algo no sentido de criar uma situação ou criar um fato, ou induzir determinada postura do MP e do juiz, não sendo neutra naquele papel, está trazendo para o bojo da arena forense uma postura que ela pretende ver realizada, levada a efeito. Essa instrumentalização tem sido percebida ao longo de vários episódios. E tem efeitos nefastos para o Judiciário e para o Ministério Público para que, no afã de exercer a transparência, não cedamos à tentação de realizarmos interesses de outros personagens dessa mesma arena”.
Os pêndulos da história
Dino Neto considera que a história se move em pêndulos ou espiral – voltando sempre ao mesmo lugar, mas alguns degraus acima. E há dois momentos relevantes a serem analisados.
O primeiro momento foi o do fechamento, pré-constituinte. “Não havia possibilidade sequer de discussão em relação a posições dos governantes, vicejava a sombra do medo, insegurança, ausência de liberdade”.
A guinada do pêndulo ocorreu a partir de 1985 com a abertura que culminou com a constituição, “fixando novos valores, como muitos e muitos direitos fundamentais pendentes de concretização, e uma grande dose de responsabilidade do Judiciário e ao Ministério Público de tornar concreto o que a constituição efetivou como promessa”. Para concretizar as promessas da Constituição o Judiciário e o Ministério Público recorreram ao que foi denominado de “ativismo judicial”.
Com a adoção da Lei Civil Pública, foram dadas novas responsabilidades ao MP e ao Judiciário. “Além de responsáveis pela efetivação do direitos, também tornaram-se responsivos: isto é, com o dever de responder e trazer à sociedade respostas às demandas que vieram e que continuaram sendo apresentadas”.
Com a “responsividade”, o pêndulo foi para o outro lado, diz ele. “Esse anseio de responder, somado ao momento da sociedade informacional: que respira segundo a segundo novas informações, tomou de assalto as instituições”. “Não é um lado negativo, mas positivo: estamos reconhecendo a dificuldade, todas as agruras ligadas a esta carga de responsividade que o momento politico atual trouxe ao sistema de justiça”.
“O problema está no aspecto exógeno, o âmbito externo, extrínseco, fora dos autos”, explica ele. “A sociedade cobra, exige, por intermédio da mídia. A mídia presta e continua prestando relevante papel à sociedade, trazendo para o âmbito da luz o que no passado ficava sob o abrigo da sobra. Mas isso ofusca”.
“O juiz que se sujeita a pressão da mídia, não atende com presteza a essa dimensão de responsabilidade. Não é aquilo que se pretende como ideal em termos de transparência. Uma coisa é transparência, outra é exposição”.
A conta alta paga pelo MP
Dino defende que a transparência que deve ser perseguida é a da aplicação dos recursos públicos, ao quantitativo das demandas que são apresentadas, a motivação dos atos e das razoes de decidir. “Mas será que corresponde a inteira dimensão da transparência transmitir as sessões dos tribunais? Será que é isso que se espera do conceito de transparência”.
Giovanni Sartori, cientista político italiano, ao falar desses fenômenos de comunicação de massa, alertou sobre o principio do perigo oposto. Quando o ideal se realiza em seu ponto máximo de plenitude, de satisfação, ele se inverte e se converte em perigo para o próprio ideal objeto da expectativa. É um feitiço que se volta contra o feiticeiro.
“É o momento que estamos vivendo, outro momento do pêndulo. Hoje sob os efeitos do perigo do excesso de informação”, diz ele. “O juiz o procurador que fala mais fora dos autos, e pior sobre o que vai fazer”.
“Ninguém melhor do que nos do MP para perceber quão tormentoso é”, diz ele. “Pagamos conta altíssima em decorrência da superexposição midiática. É o momento da constatação”, diz ele. “O ator do sistema da justiça que vem para a imprensa anunciar aquilo que vai fazer é tão perverso quanto o jornalista que condena pela imprensa, muito antes de sequer a acusação ter sido formalizada em juízo. Na história politica recente do pais vários casos em que pessoas foram execradas publicamente sem acusação formal”.
Segundo Dino, suas preocupações são institucionais e refletem uma reflexão intensa que se passa no meio judiciário, sobre os limites da relação com a mídia. “Qual será o parâmetro para definir o que é efetivamente a realização da transparecia e o que é a superexposição" Precisamos construir isso e coletivamente”. E essa construção não pode ser feita apenas entre o Ministério Público, o Poder Judiciário e a mídia. Se essas definições foram feitas de forma unilateral e isolada, vai haver sempre a sequela da incompreensão do outro autor”.
Diz Dino: “Não tenho respostas sobre o que fazer, mas tenho sobre o que não fazer”.
A diferença entre transparência e exposição
Para Alexandre Vidigal de Oliveira, Juiz Federal e Diretor de Assuntos Institucionais da AJUFE (Associação dos Juízes Federais) há confusão sobre o conceito de transparência. Não há nada de mais público que a atividade judiciaria. “Os processos são públicos, ambas as partes são defendidas e apresentam seus argumentos. Há a exigência de publicidade. O processo, na sua própria gênese, tem a natureza da publicidade”, diz ele. “O que preocupa na cobertura é a massificação da informação e a superficialidade do conteúdo”, diz ele.
“Direito é ciência, com princípios, garantias, regras, continua. Quando é levado à informação superficial, surge o grande problema. Justiça acaba confundida com justiçamento. Esse é o grande perigo da sociedade massificada que vivemos:”.
Para Oliveira há uma questão paradoxal. “A Justiça é um instrumento de grande valor da liberdade. Na massificação, porém, transforma-se em instrumento de opressão”, diz ele. “A massificaçao torna um fato ou reprovável ou aprovável de acordo com a vontade de um pequeno grupo”.
Oliveira vê as redes sociais como primeiro poder. “O grande de influência que esse meio exerce na sociedade é de tal modo virulento, forte e profundo, que é capaz de definir os desígnios de uma nação”. Em sua opinião, as soluções do caso da AP 470 (do mensalão) provavelmente não seriam as mesmas em outro cenário, sem tanta presença midiática.
“O juiz não é um ET”, diz ele. “A forma como cada um reage a essas influências é de cada um. O grande perigo que temos na sociedade brasileira - e nas demais – é de, ao invés de termos juízes, termos personagens no julgamento das causas. Se não atentarmos para isso, converteremos cenários de julgamento em verdadeiros palcos”, diz ele.
Oliveira anota a dificuldade para se sustentar argumentos técnicos em ambientes leigos, como as redes sociais. “Direito é ciência. O engajamento social é importante mas não pode ser a referencia e a direção”.
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