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23 de Julho de 2015
Para perseguir Lula, basta uma simples dúvida
Por Paulo Moreira Leite
É conveniente evitar toda ilusão com a investigação aberta pelo Conselho Nacional do Ministério Público em torno de Valtan Timbó, o procurador que decidiu iniciar um Procedimento Investigatório Criminal contra Luiz Inácio Lula da Silva a partir da acusação de "tráfico de influência internacional."
A medida contra Valtan tem um efeito disciplinador.
Será útil se for capaz de esclarecer aos brasileiros por que um procurador que nada tinha a ver com o caso decidiu interferir numa apuração já em andamento, que cumpria seus prazos, sob cuidados de uma procuradora já escolhida, Mirella Aguiar. É possível que se possa explicar por que um procurador, que responde a 254 acusações de negligência, decidiu envolver-se num caso contra um ex-presidente da República.
Apesar da decisão disciplinar, que pode ter consequências para Valtan, do ponto de vista de Lula o serviço já foi feito.
O Procedimento Investigatório já foi aberto e não pode ser desfeito de uma hora para outra.
Será preciso que a própria Mirella Aguiar, a quem o caso já foi devolvido, chegue à conclusão de que não cabe levar o Procedimento adiante e pedir seu arquivamento. Ela já disse que tudo se baseia em "parcos elementos desprovidos de suporte probatório." Tradução: não há provas para sustentar o que se diz contra Lula.
Depois disso, ela solicitou ao Instituto Lula que ofereça um calhamaço de informações que pessoas familiarizadas com investigações de alto teor político comparam a uma devassa. Mesmo assim, não será preciso encontrar nada muito consistente. Basta uma dúvida para o caso continuar.
Pelas regras do Ministério Público, um procurador pode decidir, sozinho, se vai levar um caso em frente, pedindo um indiciamento do acusado. Para mandar arquivar, no entanto, é mais trabalhoso. Mesmo que Mirella tenha concluído pelo arquivamento, será preciso aprovação da Câmara do Ministério Público.
É uma regra oposta à noção "em dúvida, pró réu", que vigora nos julgamentos e faz parte das garantias individuais de todo país civilizado.
Aqui, vale uma regra chamada "em dúvida, pró sociedade." O pressuposto desta visão é que as investigações são sempre úteis a um país, e por isso só devem ser arquivadas após muito debate e questionamento. Parece óbvio mas não é.
Se a maioria das investigações cumpre a função social de prestar contas à sociedade sobre crimes ocorridos, uma investigação pode se transformar em perseguição, especialmente quando envolve personagem politicamente delicados, onde a motivação política de investigadores pode estar à flor da pele.
Qual o sentido de prosseguir uma investigação com base em "parcos elementos desprovidos de suporte probatório?" Criar uma dúvida. Basta isso.
Através da dúvida, forma-se um caldo de cultura em torno da investigação que torna difícil qualquer iniciativa para reconhecer "parcos elementos" e encerrar o caso, mesmo que se saiba que é a decisão mais adequada a se tomar.
O importante é manter o clima do "aí tem coisa", mesmo que se evite dizer que coisa é essa, sem a qual não se pode acusar ninguém.
Vamos combinar: uma denúncia que nasceu nas páginas da Época está destinada a ser monitorada cuidadosamente pelos meios de comunicação em cada detalhe. O objetivo é constranger os juízes que, nas várias instâncias, serão chamados a dar um veredito sobre o caso.
Nos Estados Unidos, informações sobre um inquérito criminal não podem ser veiculadas por jornais nem pela TV. Isso provoca - obrigatoriamente - a anulação do julgamento.
Vale a convicção de que a mídia tem o poder de influenciar os cidadãos comuns que irão compor o júri. Por isso, eles devem ser protegidos. No Brasil, país onde o júri popular é uma ocorrência rara, vigora a visão - ingênua, na minha opinião - de que os juízes que deliberam sobre um caso estão acima daquilo que os jornais dizem e a TV mostra. Por isso, os vazamentos podem ser tolerados e estimulados. Alguém acredita nisso depois das cenas inesquecíveis da AP 470 e da glorificação precoce de Sérgio Moro, herói de um julgamento que nem terminou?
Outro pressuposto é que o Ministério Público é a instituição que neste caso faz o papel de sociedade. Você pode achar estranho, porque, embora o Brasil seja um país onde os poderes emanam do povo, como ensina a Constituição, nunca votou para escolher esse representante.
Mas o Ministério Público tem atuado desta forma desde a Constituição de 1988, que garantiu sua autonomia funcional, após um esforço organizado de pressão sobre os parlamentares que, conforme recorda o professor de Direito Marcelo Figueiredo, da PUC de São Paulo, só ficou atrás de militares, banqueiros e da bancada ruralista. Estes poderes foram reforçados em maio, quando o Supremo Tribunal Federal aprovou, por 7 votos a 4, que o Ministério Público tem poderes de fazer uma investigação criminal - desse tipo mesmo, que se pretende abrir contra Lula.
Até então, juristas que ajudaram a elaborar a Constituição, como o professor José Afonso da Silva, classificavam as tentativas dos procuradores de assumir investigações criminais como "um desvio de função, uma fraude contra uma Constituição que não lhe confere tal poder". A situação se modificou, como se compreende pelo voto do ministro Marco Aurelio Mello, que ficou com a minoria, contra a mudança, apontando uma distorção elementar na decisão: "é inverter a ordem natural das coisas. Quem surge como responsável pelo controle não pode exercer atividade controlada. O desenho constitucional relativo ao Ministério Público na seara penal pauta-se na atividade de controle externo da polícia. Deve ser tutor das garantias constitucionais."
É nesse ambiente, em que se "inverte a ordem natural das coisas", que o andamento da possível investigação sobre Lula será resolvido. Para manter o caso ativo, basta uma dúvida. Você entendeu o que nos espera daqui para a frente, não?
.....
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Jornal GGN, 23/07/2015
Aprendendo com os mestres: uma aula de jornalismo
Por Sergio Saraiva
Imperdível, para quem se interessa por jornalismo, o artigo do professor Elio Gaspari - “A cabeça dos oligarcas”, na Folha de São Paulo de 22jul2015. O professor Gaspari é o criador do “jornalismo mediúnico” e, no texto citado, nos dá uma aula sobre um tema extremamente atual no jornalismo brasileiro: a manipulação da informação.
O professor inicia apresentando-nos a Operação Lava Jato como uma luta do bem contra o mal. Ambos, bem e mal, como valores absolutos.
“De um lado [da Lava Jato], estão servidores a respeito dos quais não há um fiapo de restrição moral ou mesmo política. São os magistrados e os procuradores. Do outro lado está o outro lado, para dizer pouco”.
Do lado do bem, os magistrados e procuradores. O lado do mal, o “outro lado”, tanto podem estar os réus da Lava Jato como os que criticam seus excessos, Gaspari não os discrimina. Assim como não apresenta o porquê de representarem o mal. Deixa para que cada leitor imagine, por sua conta, algo hediondo de que acusá-los.
Louvores devidos à maestria do mestre.
Gaspari não coloca entre os “fiapos da restrição moral ou política” que se poderia fazer aos procuradores e magistrados, o fato de as acusações a Aécio Neves, ainda que detalhadas e coerentes com outros casos onde o senador é envolvido, terem sido descartadas, ao mesmo tempo em que o tesoureiro do PT, João Vaccari, está preso com base na criativa tese de que as doações legais ao PT eram ilegais. Para não citar o “descuido” na análise das informações que levaram sua cunhada à prisão por ser parecida fisionomicamente com a irmã – a esposa de Vaccari.
Não lhe parece condenável que suspeitas infundadas em relação à, então, candidata Dilma Rousseff fossem vazadas às vésperas das eleições e acabassem por ser utilizadas para beneficiar seu adversário, a quem esses mesmos procuradores teciam elogios nas redes sociais.
Aqui, Gaspari, parece apoiar-se, nas lições do professor Paulo Henrique Amorim que nos ensina que, para a manipulação da informação jornalística, alguns fatos, mesmo que relacionados ao assunto tratado, “não vêm ao caso”.
Em outro sentido, Gaspari demonstra como dois opostos podem ser apresentados como estando do mesmo lado. Tal se dá quando ambos os lados podem ser apresentados como o que se costuma chamar de “farinhas do mesmo saco”. E habilmente associa o termo “briga de quadrilhas” ao governo Dilma.
"Há uma armadilha nessa afirmação [de que Eduardo Cunha esteja constrangendo o governo federal]. Ela pressupõe uma briga de quadrilhas, com Cunha de um lado e o Planalto do outro".
Gaspari sabe, até porque Cunha não esconde, que a CPI do BNDES é uma retaliação, pouco importando a que resultado chegue. Mas o professor mostra que é possível apresentar se uma chantagem como um fato positivo.
“Ou há esqueletos no BNDES ou não os há. Se os há, a CPI, bem-vinda, já deveria ter sido criada há muito tempo. Se não os há, nada haverá”.
Seria absurdo usar o mesmo argumento para justificar uma CPI que investigasse se Gaspari, que é filho único, na juventude, estuprou sua irmã. Mas isso não vem ao caso.
Prosseguindo, o professor Gaspari mostra porque é cultuado como um dos grandes jornalistas da atualidade. Em um único parágrafo, demonstra porque o PT deve ser condenado a pagar as penas devidas pelos seus adversários.
Para tanto, compara o tratamento distinto dado pela Justiça aos casos da Lava Jato e da Castelo de Areia.
A Castelo de Areia foi uma operação da Polícia Federal que apanhou maganos, para usar um termo caro ao professor Gaspari, do DEM, José Roberto Arruda e um secretário do governo Kassab, aliados de José Serra, recebendo propina da empreiteira Camargo Correia. A Castelo de Areia também envolvia o senador Agripino Maia e Paulo Skaf, além de um filho de Ministro do TCU – Tribunal de Contas da União.
Pois bem, apesar da fartura de provas, a Castelo de Areia foi anulada nos tribunais superiores devido a filigranas jurídicas.
Como o professor Gaspari se posiciona, então?
“A verdadeira crise institucional está nas pressões que vêm sendo feitas sobre o Judiciário. Cada movimento que emissários do governo [Dilma] fazem para azeitar habeas corpus de empresários encarcerados [em prisão preventiva na Lava Jato] fortalece a ideia de que há um conluio entre suspeitos presos e autoridades soltas. Ele já prevaleceu, quando triturou-se a Operação Castelo de Areia”.
Ou seja, à leniência utilizada ao se julgar os delitos do DEM deve corresponder, como compensação à sociedade, um rigor exemplar a ser aplicado no julgamento de casos envolvendo o PT.
Gaspari não advoga que a Castelo de Areia seja reaberta, à luz da Lava Jato, mas inova magistralmente ao defender não apenas a inversão do ônus da prova em relação ao PT, mas, além, a inversão do ônus da pena. Repare-se ainda que, em nenhum momento do seu texto, Gaspari cita o DEM e sua aliança com o PSDB.
Genialidade é pouco para qualificar esse parágrafo genial.
Assim como genial é a forma como exalta indiretamente o Juiz Sergio Moro. Utiliza-se de uma analogia carregada de audácia e risco.
“Quem joga com as pretas tentando fechar o registro da Lava Jato sabe que a Polícia Federal e o Ministério Público estão vários lances à frente das pressões. Da mesma forma, quem se meteu nas petrorroubalheiras sabe que suas pegadas deixaram rastro. Curitiba dribla como Neymar. Quando baixa uma carta, já sabe o próximo passo”.
Os críticos do juiz Moro encontram analogias entre suas longas prisões preventivas para obter confissões e delações premiadas e as detenções efetuadas por seu xará, Sergio Fleury, durante a ditadura de 64. Fleury, para descobrir o paradeiro de algum adversário da ditadura, prendia seu advogado. E para garantir que o procurado se entregaria sem resistência, prendia a mãe do procurado. Nem de longe que Moro faça uso do pau-de-arara.
Gaspari conhece o modus operandi de Fleury, dadas as suas extensas pesquisas para a elaboração da sua magistral série de livros sobre a ditadura. O professor Percival de Souza também o descreve no seu livro “A autópsia do medo”.
Mas Gaspari opta pela comparação de Moro a Neymar, o craque do Barcelona. Por certo, não o capitão da seleção derrotada na Copa América.
Onde a audácia e o risco?
Neymar é um craque, não há quem o negue. Usá-lo como analogia é um elogio, desde que se esqueça de que o craque temperamental costuma ser expulso de campo por agredir adversários e está envolvido até a alma em um caso de sonegação de impostos.
Por fim, Gaspari esconjura a possibilidade de absolvição futura dos réus devido à falhas processuais na Lava Jato. E já os condena a 150 anos de prisão.
O professor demonstra como argumentar convincentemente que os réus da Lava Jato não podem ter direito à defesa. Já que tal defesa corresponderia a fomentar uma crise institucional. Para tanto, faz uso de seu cosmopolitismo e vai buscar uma analogia internacional. Compara a Lava Jato ao caso Maddoff e ao atentado às torres gêmeas do World Trade Center.
Maddoff é um picareta que aplicou o golpe da pirâmide em gananciosos milionários americanos. Foi a julgamento, com direito à defesa, e está preso.
Vejamos a analogia feita pelo professor Gaspari:
“Afora os amigos que fazem advocacia auricular junto a magistrados, resta a ideia da fabricação da crise institucional. É velha e ruim. Veja-se, por exemplo,... Bernard Maddoff: ...ele sabia que seu esquema de investimentos fraudulentos estava podre. Quando dois aviões explodiram nas torres gêmeas de Nova York... ele pensou: “Ali poderia estar a saída”. Eu queria que o mundo acabasse".
Outro jornalista culpou Lula pela crise grega e caiu no ridículo, mas, dado o brilhantismo da argumentação, esse risco Gaspari não corre.
O uso do caso Maddoff relacionado ao 11 de Setembro, ainda que próximo à ficção ou à liberdade poética, é, no entanto, um lance de mestre de Gaspari. Evita que seja levado a tratar da “crise institucional” do “estado policial” do Ministro Gilmar Mendes que facilitou que Daniel Dantas se safasse da Satiagraha.
Gaspari argumenta que o diário de Marcelo Odebrecht é um risco institucional. Inteligentemente, o professor reveste Odebrecht de um poder que, no entanto, não serve sequer para garantir luz elétrica na sua cela, quanto mais para abalar a República. Já Dantas mandou prender o delegado que o investigou e levou a julgamento o juiz que o condenou. Isso do alto de dois habeas corpus obtidos em menos de 24 horas diretamente do STF.
Mas o professor sabe: isso não vem ao caso.
Por fim, em um dia de ressaca jornalística, após a cobertura da deblaquê de Eduardo Cunha, resta-me agradecer ao professor Elio Gaspari pela aula de jornalismo contida em seu pequeno texto, como pequeno são os frascos que contém os grandes perfumes e os grandes venenos.
PS1: por óbvio, não faço referência, neste post, ao professor Luis Nassif. Não faltaria material sobre o assunto, na sua obra “O Caso Veja”. Porém, citá-lo poderia parecer adulatório, evitei. Tampouco cito o mestre Janio de Freitas, pelo simples fato de não ter encontrado em sua obra o que pudesse ser associado à manipulação de informação.
PS2: para os que dispõem de alguns tostões para pagar a travessia pelo paywall da Folha, segue aqui o acesso ao texto do professor Gaspari.
PS3: para acesso a textos abandonados à caridade pública, visite a oficina de concertos gerais e poesia.
O professor inicia apresentando-nos a Operação Lava Jato como uma luta do bem contra o mal. Ambos, bem e mal, como valores absolutos.
“De um lado [da Lava Jato], estão servidores a respeito dos quais não há um fiapo de restrição moral ou mesmo política. São os magistrados e os procuradores. Do outro lado está o outro lado, para dizer pouco”.
Do lado do bem, os magistrados e procuradores. O lado do mal, o “outro lado”, tanto podem estar os réus da Lava Jato como os que criticam seus excessos, Gaspari não os discrimina. Assim como não apresenta o porquê de representarem o mal. Deixa para que cada leitor imagine, por sua conta, algo hediondo de que acusá-los.
Louvores devidos à maestria do mestre.
Gaspari não coloca entre os “fiapos da restrição moral ou política” que se poderia fazer aos procuradores e magistrados, o fato de as acusações a Aécio Neves, ainda que detalhadas e coerentes com outros casos onde o senador é envolvido, terem sido descartadas, ao mesmo tempo em que o tesoureiro do PT, João Vaccari, está preso com base na criativa tese de que as doações legais ao PT eram ilegais. Para não citar o “descuido” na análise das informações que levaram sua cunhada à prisão por ser parecida fisionomicamente com a irmã – a esposa de Vaccari.
Não lhe parece condenável que suspeitas infundadas em relação à, então, candidata Dilma Rousseff fossem vazadas às vésperas das eleições e acabassem por ser utilizadas para beneficiar seu adversário, a quem esses mesmos procuradores teciam elogios nas redes sociais.
Aqui, Gaspari, parece apoiar-se, nas lições do professor Paulo Henrique Amorim que nos ensina que, para a manipulação da informação jornalística, alguns fatos, mesmo que relacionados ao assunto tratado, “não vêm ao caso”.
Em outro sentido, Gaspari demonstra como dois opostos podem ser apresentados como estando do mesmo lado. Tal se dá quando ambos os lados podem ser apresentados como o que se costuma chamar de “farinhas do mesmo saco”. E habilmente associa o termo “briga de quadrilhas” ao governo Dilma.
"Há uma armadilha nessa afirmação [de que Eduardo Cunha esteja constrangendo o governo federal]. Ela pressupõe uma briga de quadrilhas, com Cunha de um lado e o Planalto do outro".
Gaspari sabe, até porque Cunha não esconde, que a CPI do BNDES é uma retaliação, pouco importando a que resultado chegue. Mas o professor mostra que é possível apresentar se uma chantagem como um fato positivo.
“Ou há esqueletos no BNDES ou não os há. Se os há, a CPI, bem-vinda, já deveria ter sido criada há muito tempo. Se não os há, nada haverá”.
Seria absurdo usar o mesmo argumento para justificar uma CPI que investigasse se Gaspari, que é filho único, na juventude, estuprou sua irmã. Mas isso não vem ao caso.
Prosseguindo, o professor Gaspari mostra porque é cultuado como um dos grandes jornalistas da atualidade. Em um único parágrafo, demonstra porque o PT deve ser condenado a pagar as penas devidas pelos seus adversários.
Para tanto, compara o tratamento distinto dado pela Justiça aos casos da Lava Jato e da Castelo de Areia.
A Castelo de Areia foi uma operação da Polícia Federal que apanhou maganos, para usar um termo caro ao professor Gaspari, do DEM, José Roberto Arruda e um secretário do governo Kassab, aliados de José Serra, recebendo propina da empreiteira Camargo Correia. A Castelo de Areia também envolvia o senador Agripino Maia e Paulo Skaf, além de um filho de Ministro do TCU – Tribunal de Contas da União.
Pois bem, apesar da fartura de provas, a Castelo de Areia foi anulada nos tribunais superiores devido a filigranas jurídicas.
Como o professor Gaspari se posiciona, então?
“A verdadeira crise institucional está nas pressões que vêm sendo feitas sobre o Judiciário. Cada movimento que emissários do governo [Dilma] fazem para azeitar habeas corpus de empresários encarcerados [em prisão preventiva na Lava Jato] fortalece a ideia de que há um conluio entre suspeitos presos e autoridades soltas. Ele já prevaleceu, quando triturou-se a Operação Castelo de Areia”.
Ou seja, à leniência utilizada ao se julgar os delitos do DEM deve corresponder, como compensação à sociedade, um rigor exemplar a ser aplicado no julgamento de casos envolvendo o PT.
Gaspari não advoga que a Castelo de Areia seja reaberta, à luz da Lava Jato, mas inova magistralmente ao defender não apenas a inversão do ônus da prova em relação ao PT, mas, além, a inversão do ônus da pena. Repare-se ainda que, em nenhum momento do seu texto, Gaspari cita o DEM e sua aliança com o PSDB.
Genialidade é pouco para qualificar esse parágrafo genial.
Assim como genial é a forma como exalta indiretamente o Juiz Sergio Moro. Utiliza-se de uma analogia carregada de audácia e risco.
“Quem joga com as pretas tentando fechar o registro da Lava Jato sabe que a Polícia Federal e o Ministério Público estão vários lances à frente das pressões. Da mesma forma, quem se meteu nas petrorroubalheiras sabe que suas pegadas deixaram rastro. Curitiba dribla como Neymar. Quando baixa uma carta, já sabe o próximo passo”.
Os críticos do juiz Moro encontram analogias entre suas longas prisões preventivas para obter confissões e delações premiadas e as detenções efetuadas por seu xará, Sergio Fleury, durante a ditadura de 64. Fleury, para descobrir o paradeiro de algum adversário da ditadura, prendia seu advogado. E para garantir que o procurado se entregaria sem resistência, prendia a mãe do procurado. Nem de longe que Moro faça uso do pau-de-arara.
Gaspari conhece o modus operandi de Fleury, dadas as suas extensas pesquisas para a elaboração da sua magistral série de livros sobre a ditadura. O professor Percival de Souza também o descreve no seu livro “A autópsia do medo”.
Mas Gaspari opta pela comparação de Moro a Neymar, o craque do Barcelona. Por certo, não o capitão da seleção derrotada na Copa América.
Onde a audácia e o risco?
Neymar é um craque, não há quem o negue. Usá-lo como analogia é um elogio, desde que se esqueça de que o craque temperamental costuma ser expulso de campo por agredir adversários e está envolvido até a alma em um caso de sonegação de impostos.
Por fim, Gaspari esconjura a possibilidade de absolvição futura dos réus devido à falhas processuais na Lava Jato. E já os condena a 150 anos de prisão.
O professor demonstra como argumentar convincentemente que os réus da Lava Jato não podem ter direito à defesa. Já que tal defesa corresponderia a fomentar uma crise institucional. Para tanto, faz uso de seu cosmopolitismo e vai buscar uma analogia internacional. Compara a Lava Jato ao caso Maddoff e ao atentado às torres gêmeas do World Trade Center.
Maddoff é um picareta que aplicou o golpe da pirâmide em gananciosos milionários americanos. Foi a julgamento, com direito à defesa, e está preso.
Vejamos a analogia feita pelo professor Gaspari:
“Afora os amigos que fazem advocacia auricular junto a magistrados, resta a ideia da fabricação da crise institucional. É velha e ruim. Veja-se, por exemplo,... Bernard Maddoff: ...ele sabia que seu esquema de investimentos fraudulentos estava podre. Quando dois aviões explodiram nas torres gêmeas de Nova York... ele pensou: “Ali poderia estar a saída”. Eu queria que o mundo acabasse".
Outro jornalista culpou Lula pela crise grega e caiu no ridículo, mas, dado o brilhantismo da argumentação, esse risco Gaspari não corre.
O uso do caso Maddoff relacionado ao 11 de Setembro, ainda que próximo à ficção ou à liberdade poética, é, no entanto, um lance de mestre de Gaspari. Evita que seja levado a tratar da “crise institucional” do “estado policial” do Ministro Gilmar Mendes que facilitou que Daniel Dantas se safasse da Satiagraha.
Gaspari argumenta que o diário de Marcelo Odebrecht é um risco institucional. Inteligentemente, o professor reveste Odebrecht de um poder que, no entanto, não serve sequer para garantir luz elétrica na sua cela, quanto mais para abalar a República. Já Dantas mandou prender o delegado que o investigou e levou a julgamento o juiz que o condenou. Isso do alto de dois habeas corpus obtidos em menos de 24 horas diretamente do STF.
Mas o professor sabe: isso não vem ao caso.
Por fim, em um dia de ressaca jornalística, após a cobertura da deblaquê de Eduardo Cunha, resta-me agradecer ao professor Elio Gaspari pela aula de jornalismo contida em seu pequeno texto, como pequeno são os frascos que contém os grandes perfumes e os grandes venenos.
PS1: por óbvio, não faço referência, neste post, ao professor Luis Nassif. Não faltaria material sobre o assunto, na sua obra “O Caso Veja”. Porém, citá-lo poderia parecer adulatório, evitei. Tampouco cito o mestre Janio de Freitas, pelo simples fato de não ter encontrado em sua obra o que pudesse ser associado à manipulação de informação.
PS2: para os que dispõem de alguns tostões para pagar a travessia pelo paywall da Folha, segue aqui o acesso ao texto do professor Gaspari.
PS3: para acesso a textos abandonados à caridade pública, visite a oficina de concertos gerais e poesia.
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