quinta-feira, 16 de julho de 2015

O jogo político das forças repressivas brasileiras




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Democracia e Conjuntura, 16/07/2015


O jogo político das forças repressivas brasileiras



Por Rogerio Dultra dos Santos




A participação da Polícia Federal na “Operação Lava-Jato” revela a situação de um corpo que compreendeu a sua importância no jogo político. Isto significa que a PF irá desenvolver – pelo menos em setores que têm se mostrado hegemônicos –, cada vez de forma mais autônoma, uma agenda política descolada do controle normativo-constitucional.

A utilização da polícia no jogo político não é nenhuma novidade na história. A criminalização das oposições muito menos.

Por trás de uma pauta aparentemente respaldada pelo direito subjaz um projeto moralizador, refratário ao funcionamento naturalmente plural e contraditório da democracia. Imbuída de que porta a verdade inquestionável, a instituição se debruça sobre a vida política nacional, esquadrinhando os seus agentes e impedindo o seu curso, numa ânsia quase-religiosa de purificação do que considera estranho à república.

Foi assim com a polícia política brasileira, a DEOPS – Delegacia Especializada de Ordem Política e Social, que funcionou entre 1928 e 1983, como instrumento de criminalização e anulação das atividades de contestação oriundas das classes populares.

O emprego de serviços de inteligência para fins políticos também operou de forma sistemática com o SNI – Serviço Nacional de Informações, criado em 1964 pela ditadura e somente extinto em 1999. Órgãos do SNI instalados em Universidades, por exemplo, monitoravam as ações de dissidência ao regime, o movimento pela anistia e o das diretas já.

Algo menos óbvio é que uma instituição submetida aos limites normativos oficiais é quase inviável quando a corporação define sua agenda operacional a partir de interesses próprios. É que a instituição perde seu caráter republicano, porque não submetida ao controle externo, porque não orientada pelo interesse público.

Esta anomalia institucional impede que consequências indesejadas para a vida democrática sejam determinadas de antemão.

O arrivismo político-burocrático de parte da PF, a falta de controle do Ministério da Justiça sobre as suas atividades e a criminalização da política como agenda geral de suas “operações” configuram a conjuntura que coloca em xeque a estabilidade da democracia no país.

Este processo – equivalente ao desencadeado na Itália pela “Operação mãos limpas” – que aniquilou os maiores partidos e deu origem à hegemonia da direita de Berlusconi por mais de uma década, bate à nossa porta. Ninguém dele está a salvo.

O jogo pelo poder coloca, além da PF, praticamente todas as instituições do sistema repressivo brasileiro em disputa, contaminando-as com o vírus político do “heroísmo” de resultados.

E nem se precisaria ir tão longe na história do Brasil para identificar de onde surge esta mutação institucional que atinge a PF, e que parece alcançar também o Ministério Público Federal e o próprio Poder Judiciário.

O primeiro sintoma de aparelhamento político da PF foi a “Operação Lunus”, em 2002, articulada pelo PSDB contra a Ex-Senadora maranhense Roseana Sarney, então candidata à Presidência da República. Mesmo sendo arquivada pelo STF por falta de provas um ano depois, a operação fez naufragar a candidatura de Roseana.

O dado mais importante desta primeira grande “operação” política da PF é que ela foi articulada com a imprensa para der repercussão imediata na opinião pública, induzindo uma condenação prévia e inviabilizando a candidata do PMDB. Isto foi motivo de comemoração não somente do PSDB, mas inclusive da – à época – oposição petista.

Chegando à presidência, Lula estabeleceu um processo de empoderamento institucional da Polícia Federal, ampliando os investimentos em tecnologia, capacitação, concursos e orçamento, a ponto de que parte do MPF passou a entender-se sem condições de controlar a PF e que esta se transformou em unidade autônoma de investigação (hoje o MPF luta para aprovar que a sua capacidade investigatória seja implementada através de uma polícia própria, o que poderá causar outra sanha heróica de profilaxia da política).

Logo depois explode o chamado “mensalão” e o PT é tragado pelo mesmo protocolo de “operações”, forças-tarefa, vazamentos seletivos de investigações em andamento para os grandes meios de comunicação e adjetivações sem provas estabelecidas em juízo. As oposições aplaudiram de pé.

Nos últimos 13 anos as instituições repressivas e de justiça cresceram e se internacionalizaram. Internacionalização que implicou, por exemplo, em extensos cursos de formação policial e jurídica nos EUA. Policiais, procuradores e juízes aprenderam novas técnicas de investigação, mas, especialmente, novos modelos de direito e de processo penal que prescindem de várias das garantias previstas em nossa Constituição.

Este é o caso da teoria do domínio do fato e das regras do plea bergaining, que deram origem aos céleres e midiáticos protocolos de investigação do crime de lavagem de dinheiro e a toda legislação de delações premiadas.

Assim, a “Operação Lava-Jato” aparece como a terceira grande onda de ataque das instituições repressivas brasileiras à política, mas sob uma nova roupagem.

Profissionalizadas, internacionalizadas e articuladas politicamente, agindo de forma autônoma e sem que qualquer controle republicano balize as suas ações, estas instituições têm o poder de ameaçar todo o processo democrático.

O certo é que ninguém que tenha vida pública está mais seguro de nada.

Se é viável a interpretação segundo a qual parte dos órgãos de investigação está funcionando com uma agenda política fechada ao escrutínio público, o escopo de suas atividades não ficará – e já não está mais ficando – restrito ao PT.

Se há a incorporação, por estes órgãos, de uma compreensão hegemonicamente moralizadora e criminalizadora da política – e poucos duvidam disto – o andamento desta e de outras “operações” alcançará não só integrantes dos partidos aliados, mas também da oposição política.

O resultado, contudo, não será um país “passado a limpo” como muitos imaginam e até desejam, mas uma democracia fragilizada, submetida a uma caça às bruxas que perverte os limites do direito.

Apesar do processo que tramita na Justiça Federal no Paraná não ser televisionado, a exposição sistemática na mídia permite o avanço seguro da PF e do MPF rumo à criminalização de forças políticas para além do governo Dilma Rousseff e para além do PT. Ontem foi Collor de Mello. Amanhã será Eduardo Cunha. Depois, quem sabe, Temer, Dilma, Lula, sem esquecer dos “300 picaretas” do Congresso Nacional, que insistem em entrar em recesso. Quem irá sobrar desta vez para bater palmas?

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