quinta-feira, 23 de julho de 2015

Havana em Washington e os EUA nos Brics



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Blog do Santayana, 23/07/2015


 

Havana em Washington e os EUA nos Brics


 
Por Mauro Santayana



Membros das forças armadas da ilha caribenha, hastearam, esta semana, orgulhosamente, pela primeira vez em quase 60 anos, a bandeira da República de Cuba, no mastro frontal de sua nova embaixada em Washington, a capital dos Estados Unidos.

Sem ter o que dizer diante da transcendência - histórica - do fato, os hitlernautas que infestam a internet brasileira, com sua deslustrosa ignorância e seu anticomunismo tosco,- tão sutil e tresloucado quanto um paquiderme, ensandecido, solto em um salão de chá - desenvolveram, como fizeram há alguns anos a respeito de Pequim com relação ao capitalismo, a retorcida tese de que Cuba estaria se rendendo aos EUA.

Nem Cuba se rendeu aos EUA, nem a China ao capitalismo.


Tanto é que, hoje, os quatro maiores bancos do mundo, segundo a lista da Forbes deste ano, não são privados, mas sim, estatais, - e chineses - e o milenar "Império do Meio", sem deixar de ser oficialmente um país socialista, se transformou na maior plataforma industrial do mundo e está prestes a arrebatar dos próprios EUA o posto de primeira economia do planeta.

Outra linha de ação da florescente frente antinacional cibernética, é a de dizer que, ao construir o novo Porto de Mariel e sua Zona Especial de Desenvolvimento, em Cuba, o Brasil deixou de investir aqui dentro e fez a cama para que os EUA nela se deitassem.

Em primeiro lugar, em benefício, principalmente, da verdade, é preciso dizer que se o BNDES financia obras no exterior - minoritariamente, lembremos, como é o caso do conjunto de contratos internacionais da Odebrecht - para apoiar a exportação de serviços e produtos nacionais - inclusive para os EUA - ele também o faz no Brasil. 

E tanto o faz por aqui, que, por mais que se tente ocultar, já foram ou estão sendo construídos - entre obras de “pequeno” porte, como milhões de casas populares - superportos como o de Açu, gigantescas usinas hidrelétricas, como Santo Antônio, Jirau e Belo Monte - a terceira maior do mundo - bases de submarinos - grandes - depois de décadas sem fazê-lo - refinarias de petróleo, pontes incríveis, em sua engenharia e arquitetura, como a recentemente inaugurada Anita Garibaldi, em Laguna, Santa Catarina, ou a que se estende, majestosa, sobre o Rio Negro, em Manaus, no Amazonas, a Transposição do São Francisco,  que em alguns trechos já está passando por testes, além de milhares de quilômetros de rodovias que estão sendo duplicadas, "novos" aeroportos, como o de Brasília, acessos e entrocamentos ferroviários - ampliados e duplicados - como o que a Vale inaugurou na Grande Belo Horizonte na última semana.

E em segundo lugar, porque quem vai comandar Mariel - por força de licitação internacional - não é uma empresa brasileira - e nem poderia, já que com certeza qualquer empresa nacional que o fizesse estaria sendo vilipendiada e acusada de todo tipo de crime agora - nem muito menos norte-americana, mas, em um exemplo a mais de que a internacionalização da economia cubana vem de muito antes da reaproximação com os Estados Unidos, do distante arquipélago de Singapura.

Na verdade - e não há, como vemos, nenhuma contradição econômica ou estratégica nisso, o Brasil está sendo muito mais relevante para Cuba para a revitalização de sua agricultura, com a introdução da soja - e os cultivares da EMBRAPA - e da mecanização (exportação de implementos) e da sua indústria açucareira e o do tabaco.

E, se formos dar ouvidos aos comentários que enchem as páginas da internet, parece que está fazendo isso por meio de empresas famosas por seu "marxismo-leninismo" como a Souza Cruz, uma companhia controlada - pelos padrões dos fascistas brasileiros de ocasião - pela "bolivarianíssima" e "comunistíssima" British American Tobacco Company, a maior multinacional tabaqueira do mundo, que fabrica um em cada oito cigarros fumados no planeta, dona de 50% da Brascuba, uma empresa binacional, teoricamente cubano-brasileira, que produz a maioria dos cigarros consumidos na ilha e os famosos charutos COHIBA.
 

Cuba não precisa se aproximar dos EUA para "abrir" sua economia, embora possa, com certeza, expandir suas possibilidades, se vier a ter acesso ao maior mercado do mundo, localizado a escassas milhas de distância.

A ilha já recebe - sem mudar o seu sistema de governo - mais de 3 milhões de turistas estrangeiros por ano. Há dezenas de cadeias hoteleiras de capital espanhol e italiano em Cuba, e a presença parcial - e o interesse - do capital estrangeiro, não necessariamente dos EUA - que deve estabelecer parcerias com o governo para se estabelecer na ilha - é tão importante, que na XXXIII Edição da FIHAV, a Feira Internacional de Havana, do ano passado, compareceram 4.500 expositores de mais de 60 países — aproximadamente 90% deles ocidentais — para a exposição, pelo governo cubano a grandes investidores, de 271 diferentes projetos de infra-estrutura, com investimento previsto de mais de 8 bilhões de dólares.

Isso, poucas semanas depois que 188 países tivessem condenado, em votação na ONU, o bloqueio dos Estados Unidos contra Cuba, exigindo pela enésima vez o fim do embargo.

Foi essa pressão diplomática, a crescente presença dos BRICS - especialmente do Brasil, da Rússia e da China - em Cuba, e a evidência de que se não tomassem a mesma atitude da grande maioria das nações, estariam se tornando cada vez mais ridículos aos olhos do mundo, que fez com que os EUA reatassem as relações diplomáticas com a ilha, e que a bandeira cubana tenha sido orgulhosamente hasteada, esta semana, em sua nova embaixada na capital norte-americana.

Da mesma forma que o Brasil não construiu e financiou Mariel para ajudar o regime cubano, e nem mesmo porque acredita - até mesmo porque vem conversando há anos com os EUA sobre isso - que o fim do bloqueio está cada vez mais próximo.

Mas, principalmente, porque esse porto, beneficiado por uma localização geográfica única, e a profundidade de suas águas, será o mais importante e moderno entreposto de containers a funcionar na boca do novo Canal do Panamá e do futuro Canal da Nicarágua, em instalação pela China, funcionando como o principal, quase obrigatório, centro de transbordo e distribuição de produtos embarcados na Europa, no Extremo Oriente e nas costas atlânticas da África e das Américas, ou que estejam sendo transportados para esses destinos.

Uma localização que será, essencial, também, para a instalação de negócios brasileiros na Zona de Desenvolvimento de Mariel. Empresas que estão interessadas em "maquiar", por meio do aproveitamento de um excelente - devido ao câmbio - custo de mão de obra cubana (extremamente bem formada graças ao ensino universal gratuito (do berço à universidade), produtos de consumo fabricados no Brasil. Levando para a ilha insumos e peças feitos majoritariamente em nosso país, por trabalhadores brasileiros, que, depois de terminados e  embalados em Cuba, serão distribuídas, com maior eficiência logística e melhores preços, por meio do porto de Mariel, para o mundo todo, melhorando a competitividade de nossa indústria não apenas frente à China, mas também ao México, também com relação - depois do fim do bloqueio - ao vizinho  mercado dos EUA.

O reatamento das relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos é mais uma evidência da emergência, possível, de um novo mundo, no qual a hegemonia europeia e norte-americana terá, obrigatoriamente, que dar lugar a um multilateralismo pragmático, com mais respeito pela soberania de grandes países como a Rússia, a China, a Índia, e o próprio Brasil, que se situam, na maioria dos quesitos geoestratégicos, entre as principais nações do mundo.

Neste novo mundo - mesmo mantendo suas rivalidades geopolíticas, econômicas e militares - deverá se perseguir, cada vez mais, o estabelecimento de um equilíbrio, também possível, no qual países com diferentes formas de governo e variadas abordagens ideológicas dos desafios que devem enfrentar, em benefício do desenvolvimento de seus respectivos povos, competirão em paz pela defesa de seus interesses, cooperando no lugar de apenas pressionar e respeitando - como o Brasil já faz há muito tempo, por força da Constituição - o princípio de não ingerência em assuntos internos de outras nações.

É isso que irrita os radicais antinacionais que pululam nas redes e portais da internet brasileira. Se, mais realistas que o rei, em sua patética subserviência aos Estados Unidos, e seu ridículo, anacrônico e baboso anticomunismo, eles estão indignados com o reatamento das relações diplomáticas entre Washington e Havana, chamando Barack Obama de comunista sujo e de "burro" em seus comentários, imaginem o que fariam se a Alemanha e os EUA viessem a aderir ao BRICS, a aliança estratégica global dos países emergentes - com 17 trilhões de dólares de PIB - que a direita mais rançosa e certos grupos de comunicação brasileiros não perdem a oportunidade de execrar sempre que possível.

Por mais absurda que pareça, essa hipótese - independentemente das atuais considerações estratégicas de Pequim, Moscou, Brasília, Pretória e Nova Delhi - já está sendo aventada por muita gente por aí.

O jornalista Greg Hunter, ex-ABC News, Good Morning America e CNN, do site USA Watchdog, diz que a Alemanha - levada, também, entre outros fatores, pela espionagem norte-americana da NSA - já estaria secretamente estudando a hipótese de entrar para o BRICS, o que abriria caminho para uma aliança com a Rússia, país que representa, hoje, paradoxalmente, não apenas a maior ameaça militar contra Berlim - em resposta ao cerco da OTAN contra Moscou patrocinado pelos EUA - mas também, a sua maior alternativa de expansão econômica rumo ao Leste, para além do espaço europeu. Esse é uma atitude que também levaria, segundo alguns comentaristas alemães, a uma maior independência do país mais importante da Europa com relação aos EUA, lembrando, o fato, cristalino, de que as únicas tropas estrangeiras que ainda estão ocupando o pais, desde 1945, já não são mais russas, mas Made in USA.

Há algumas semanas circula, também, nos Estados Unidos, patrocinada pelo controvertido jornalista norte-americano Lyndon Laroche, uma petição internacional para que a União Europeia e os EUA - em benefício da paz - entrem para o BRICS, com assinaturas que vão de conservadores britânicos a roteiristas premiados e cientistas e professores universitários, cujos principais nomes, a título de curiosidade, coloco logo depois do final deste texto.
 

Laroche lançou até mesmo um livro (foto) cujo título não é outro que: PORQUE OS ESTADOS UNIDOS DEVEM ENTRAR NOS BRICS - Uma nova ordem internacional para a Humanidade.

Nada - ao menos por enquanto - mais improvável. Mas com relação à reação - no duplo sentido - dos hitlernautas brasileiros, seria algo - caso viesse a ocorrer - como mostra a sua atitude frente à reabertura da embaixada cubana em Washington - muito  engraçado de se ver.

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