quarta-feira, 1 de julho de 2015

Barack Obama e Marieta Severo afirmam discordar do discurso da Globo





 
Globo apanha de Obama depois de ser enquadrada por Marieta Severo

Por Paulo Moreira Leite



​A cena mais importante da visita de Dilma Rousseff aos Estados Unidos ocorreu na entrevista coletiva na Casa Branca. Você sabe do que se trata. Sorteada para fazer uma pergunta, a repórter Sandra Coutinho, da Globo News, colocou uma questão que iria deixar Dilma e o governo brasileiro em posição delicada. Depois de dizer, como se fosse um fato objetivo sabido de todos, que o governo brasileiro se vê como um líder mundial, enquanto Washington encara o país de forma menor, como uma liderança regional, Sandra Coutinho perguntou: “Como conciliar essas duas visões?”
 
Dilma não teve tempo de responder. Melhor pessoa entre os presentes para esclarecer como Washington “encara o país,” Barack Obama saiu na frente e corrigiu a pergunta: “Nós vemos o Brasil não como uma potência regional, mas como uma potência global. Se você pensar (…) no G-20, o Brasil é um voz importante ali. As negociações que vão acontecer em Paris, sobre as mudanças climáticas, só podem ter sucesso com o Brasil como líder-chave. Os anúncios feitos hoje sobre energia renovável são indicativos da liderança do Brasil”, disse.
 
Obama ainda acrescentou: “O Brasil é um grande ator global e eu disse para a presidente Dilma na noite passada que os Estados Unidos, por mais poderosos que nós sejamos, e por mais interessados que estejamos em resolver uma série de problemas internacionais, reconhecemos que não podemos fazer isso sozinhos”.
 
A reação de Obama tem importância pelo conteúdo e pela forma. Indo além do jornalismo, no qual todo repórter tem o direito de colocar a questão que achar pertinente para toda autoridade que lhe dá essa chance, é possível discutir ideias.
No complicado contexto atravessado pelo país, a pergunta ajudava a rebaixar o governo brasileiro aos olhos do governo norte-americano, constrangendo Dilma perante seu anfitrião e perante a audiência da emissora no Brasil.
 
Apresentada como um simples dado objetivo, um elemento da paisagem assim como as colunas da Casa Branca, a teoria de que o governo brasileiro tem uma visão errada sobre si mesmo — e sobre o lugar do país no mundo, portanto — embute uma crítica política conhecida à atual política externa brasileira, alimentada por analistas e formuladores ligados ao PSDB e a círculos conservadores da capital americana. Mas está longe de ser uma unanimidade em Washington, onde, ao contrário do que se pensa no Brasil, não vigora o Pensamento Único.
 
Ao dizer que o governo se acha mais do que realmente é na visão dos EUA, a pergunta sugere que nossa diplomacia precisa reconhecer seu lugar, vamos dizer assim. Precisa achar um caminho para “conciliar” a visão de brasileiros e norte-americanos sobre nosso papel no mundo, pois do jeito que está não pode ficar. Você entendeu o que está por trás disso, certo?
 
Mas não só. Quando um repórter da Folha — exercendo o sagrado direito de perguntar — colocou uma questão que remetia a Lava Jato, o que também iria atingir a presidente brasileira, Obama respondeu de forma exemplar que não iria se manifestar sobre um assunto que aguarda decisão judicial. Uma reação adequada, num país que inspirou Alexis de Tocqueville a definir a separação de poderes como a base da democracia moderna, não é mesmo?
 
A reação de Obama tem outro elemento importante — a luz dos antecedentes. Em 1962, quando João Goulart se recusou a participar do bloqueio a Cuba, a CIA e a Casa Branca passaram a considerar o Brasil como “o mais urgente problema da América Latina”, recorda o historiador Muniz Bandeira.
 
Poucas pessoas sabiam, naquela época, mas John Kennedy havia acertado, nos bastidores, apoio ao movimento militar que derrubou Goulart em março de 1964. Mesmo em publico, Kennedy não deixava de manifestar sua hostilidade em relação ao governo brasileiro, fazendo declarações que não tinham “precedente na história das relações internacionais,” como recorda Muniz Bandeira num livro indispensável, “O governo João Goulart.
 
Referindo-se a um presidente em pleno exercício de um mandato legítimo, Kennedy dizia — em entrevistas — que considerava a situação do Brasil das “mais penosas” por causa da inflação de 5% ao mês, o que anulava a “ajuda americana e aumentava a instabilidade política.” Kennedy cobrava e reclamava, sem rodeios: “o Brasil deve tomar providências. Não há nada que os Estados Unidos possam fazer em benefício do povo brasileiro enquanto a situação monetária e fiscal for tão instável.”
 
Com sua atitude, 63 anos depois, Obama decepcionou os adversários do governo — que aguardavam um sinal, com graus possíveis de sutileza, de desagrado com Dilma e seu governo.
 
O sinal não veio e essa é a notícia da visita.
 
E é curioso notar que há algo semelhante entre a reação de Obama na coletiva da Casa Branca e a resposta firme, educada, mas muito pertinente, de Marieta Severo a um comentário de Faustão no programa de domingo.
 
Ouvindo uma versão tropical do discurso típico de um país “que não conhece o seu lugar,” Marieta reagiu: “Estamos numa crise mas vamos sair dela.” Sem nenhuma agressividade, mas com a firmeza de quem não tem disposição para servir de escada para discursos apocalípticos sobre o Brasil, a atriz prosseguiu: “eu sou sempre otimista. O país caminhou muito. Pra mim, tem uma coisa muito importante: a inclusão social, a luta contra a desigualdade. A gente teve muito isso nos últimos anos.”
 
 
Pode-se dizer, assim, que nos últimos dias ocorreu uma situação fantástica e inesperada. De pontos tão distantes do planeta e do universo das ideias políticas de nosso tempo, personalidades tão diferentes e mesmo opostas pela visão de futuro, Barack Obama e Marieta Severo mandaram dizer que discordam do discurso de fim de mundo que se tornou a melodia base da Globo, alimentando tanto programas de entretenimento como o jornalismo.
 
Engraçado, não?

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