terça-feira, 22 de outubro de 2013

Libra foi um jogo de cartas marcadas

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Entrevista de Fernando Siqueira para Valéria Nader


Data: 22/10/2013 
Fonte: Correio da Cidadania
Autor: Valéria Nader

 
1.     Qual a sua visão sobre a decisão do governo de persistir no leilão de Libra, ocorrido hoje, a despeito de tantas vozes em contrário de estudiosos, técnicos e movimentos sociais?
R: Em primeiro lugar a Dilma traiu totalmente o seu discurso de campanha, onde ela disse que privatizar o pré-sal é crime, é tirar dinheiro da saúde, da educação, segurança e infra-instrutura. E isto se dá por uma questão eleitoreira. Ela precisa mostrar que o seu falido modelo econômico funciona. Mas amealha 15 bilhões para cumprir o pagamento dos juros extorsivos aos bancos e vende o futuro de 3 gerações de brasileiros. Estes 15 bilhões pagos a vista, causaram a redução da oferta em óleo/lucro, que seria o mais importante e que caracteriza a partilha. E cada 0,5% ofertado a menos no óleo/lucro, a União perde um bônus, ou seja, perde mais de 15 bilhões. Libra tem reservas superiores a 15 bilhões de barris, a US$ 100 por barril, dá US$ 1,5 trilhão, ou R$ 3,3 trilhões. Assim, 0,5 % de 3,3 trilhões é mais do que um bônus. Uma estratégia medíocre. 
 
 2.     O que você pode dizer dos resultados do leilão, cujo vencedor foi o único concorrente, o consórcio composto por Petrobras, Shell, Total e chineses? O fato de a Petrobras ser a cotista majoritária traz algum refresco para os interesses do país?
R: o resultado foi o pior possível. 40% do petróleo irão para o consórcio para pagar os custos de produção; 15% dos royalties irão para o consorcio (ele paga os royalties em reais e recebe de volta em petróleo) - e 60% destes 55%  irão para as estrangeiras; a União vai receber 41,65% dos 45% que sobraram, ou seja, 18,72% em média, pois o edital criou uma variação nesse percentual que favorece o consórcio. Uma excrescência inédita em contratos de partilha. Explicando: quando as condições forem muito favoráveis (produção acima de 25.000 barris por poço, o consórcio dá para a União mais 3,91% (41,65+3,91 = 45,56%). Mas quando as condições forem as piores, ou seja, produção diária abaixo de 4.000 barris/dia e o petróleo abaixo de US$ 60 por barril, a União cede 31,72 do seu percentual (41,65 – 31,72= 9,93) para o consórcio. Assim, o que vai para a União variará de 9,93% a 45,56 do óleo/lucro, que é 45¨%. Logo, a União receberá de 4,45% (9,93x45)  a 20,5% (45,56x45) do total do óleo produzido. Então, o consórcio vencedor ficará com 95,55% a 79,5% do petróleo de Libra. 40% disto irá para a Petrobrás e 60% para empresas estrangeiras. Portanto, mesmo a União recebendo 15% de royalties em dinheiro e 15% de Imposto de renda o resultado foi péssimo para o País. Lembro que, no mundo, os países exportadores ficam com a média de 80% do óleo produzido.  
                                           
3.     Qual é o significado, a seu ver, da baixa concorrência para o leilão, atribuída pela mídia comercial  ao ‘intervencionismo’ e ‘estatismo’ do governo Dilma?
R: A meu ver foi um jogo de cartas marcadas. A baixa concorrência foi proposital para reduzir a competição e pagar um percentual ridículo sobre um campo descoberto testado e comprovado como o maior do mundo. Previ isto em audiência publica no Senado no dia 25/9/2013. Outro fator que pesou foi a denúncia de espionagem feita pelo Edward Snowden, que também mencionei na audiência: a Halliburton fornece o software Open Wells, que processa todos os dados estratégicos da Petrobrás. Seus analistas de sistemas têm acesso a todas as informações da Companhia. Snowden revelou que a cada 72 horas, uma massa de dados da Petrobrás é remetida para os Five Eyes: EUA, Inglaterra, Austrália, Canadá e Nova Zelândia. Para atenuar o motivo mais que suficiente  para o cancelamento dos leilões, as empresas dos EUA e Inglaterra saíram.. Mas o braço europeu do cartel ficou: Total e Shell, que participaram,  pertencem aos mesmos donos.
 
4.     Que papel terá a estatal Petro-sal como gerenciadora dos blocos leiloados?
R: Deverá ter um papel fundamental: evitar que as duas maiores causas de fraudes na produção mundial ocorram: o superfaturamento dos custos de produção (ressarcidos em petróleo) e a medição a menor do petróleo produzido. Todavia, a Dilma nomeou raposas para esse galinheiro: o presidente será o Osvaldo Petrosa, primeiro brasileiro a defender o fim do monopólio e braço direito do David Zilbertstajn na ANP; Antonio Claudio, sócio do presidente do IBP, que comanda o lobby em favor das empresas estrangeiras. Este é o preocupante futuro desta empresa: fiscalizar a quem eles defendem.
 
5.     Dentre as vozes que se levantam a favor do leilão, a partir de argumentos pretensamente progressistas, está a do ex-diretor da ANP Haroldo de Lima. Para Lima, há uma diferença enorme entre privatização do patrimônio público, o que foi feito com o sistema Telebrás, e a concessão de um serviço, caso do petróleo –  contrato que, inclusive, em função do interesse nacional, alterou-se da modalidade concessão para a de partilha no caso do pré-sal, e que, no caso de Libra, poderia render à União até 80% da produção total, a se considerarem a soma dos 15% de royalties, o mínimo de 41,65% de excedente de óleo para a União e os impostos.
O que responderia àqueles que assim argumentam?
R: O Harodo Lima, depois de velho, assumiu o triste papel de lobista de multinacionais  e tem mentido de forma vergonhosa. Como visto no item 2, o máximo que ficará com a união será a média de 30 a 50%, sendo a grande parte em dinheiro. O petróleo, que é o bem ultra estratégico ira para o consórcio (60% para o exterior). O edital do leilão é tão ruim que conseguiu nivelar a Partilha com o contrato de concessão, que é péssimo. Sendo Libra campo gigante, na concessão apareceria a Participação Especial, que seria da ordem de 20% e como os royalties subiram para 15%, com a concessão a União ficaria com 35%, que somado o Imposto de Renda chegaria a 50%. Isto atesta o absurdo desse leilão: Num campo já descoberto, testado e comprovado como o maior do mundo, os avanços conseguidos pelo Governo Lula foram anulados pelo governo Dilma. Um retrocesso brutal.
 
6.     Diz-se, também, dentre os defensores do leilão, entre eles o citado Haroldo de Lima, que ‘o quadro mundial no setor petrolífero se alterou bastante. As onze maiores petroleiras detentoras de reservas do mundo passaram a ser estatais, entre as quais a Petrobras. E nenhuma delas se apoiava mais em monopólio de petróleo (...)  só sobrevivendo em um país dos que têm petróleo, que é o México'. O que diria aqui?
R: Diria que é o contrário: 90% das reservas mundiais hoje estão em mãos de empresas estatais. O cartel que já dominou 90% das reservas, hoje tem menos de 5%. Assim, na Venezuela (300 bilhões de barris – a maior do mundo), no México, na Russia, no Irã, são monopólios. O Iraque era monopólio, mas o país foi violentado, nos Emirados Árabes Unidos, E Arábia Saudita, todos tem suas reservas controladas pelo estado. Ou seja, os lobistas não param de tentar enganar as pessoas.
 
7.     Já em rota de colisão com tais argumentações, um boletim da Auditoria Cidadã da Dívida traz um dado assustador quanto ao percentual mínimo de 42,65% que a União receberia em óleo excedente: 'observando-se o Edital do leilão (págs. 40 e 41), verifica-se que, a este valor ofertado pelas petroleiras, serão aplicados redutores de até 31,72%, fazendo com que a parcela da União possa cair para ínfimos 9,93%'. Diz ainda o boletim que 'a Petrobrás – que terá uma participação mínima de 30% no consórcio vencedor do leilão – já foi em grande parte privatizada, pois seu lucro é distribuído preponderantemente aos investidores privados, e a parcela pertencente à União deve ser utilizada obrigatoriamente para o pagamento da questionável dívida pública, conforme manda a Lei 9.530/1997'. O que você poderia comentar face a cada uma dessas duas alegações?
R: o informado no item 2 ratifica boa parte da informação da auditoria da dívida, que presta grande serviço ao país ao denunciar os juros absurdos pagos aos banqueiros. O ministro Lobão argumentou comigo que não poderia devolver Libra à Petrobrás (este campo havia sido cedido a ela por conta da cessão onerosa) porque ela tem ações em mãos privadas, sendo 31% no exterior. Respondi que a opção do Governo era muito pior: o leilão foi dirigido para empresas estrangeiras e elas têm 100% das ações no exterior. A Petrobrás tem 48% do capital em mãos do Governo, que a controla, 10% em fundos de pensão de trabalhadores brasileiros e 3% do FGTS de trabalhadores.
 
8.     Existe, a seu ver, alguma possibilidade de cancelar os resultados desse leilão, até mesmo em função da quantidade de recursos que estão rolando na justiça?
Acho que sim. Eu denunciei pelo menos três ilegalidades que subsidiaram as ações, a saber: a) o artigo 2º da nova lei define áreas estratégicas: são aquelas com baixo risco e alta produtividade. Libra tem risco zero e é o maior campo do mundo; o artigo 12º diz que áreas estratégicas devem ser entregues à Petrobrás em contrato de partilha e sem leilão; b) o edital cria uma variação do percentual mencionado acima, que fará com que na maior parte do tempo, o percentual do óleo/lucro da União fique abaixo daquele estipulado pelo CNPE, ferindo a Lei; c) a artigo 2º (2,8.1) e o 6.3 do contrato dizem que o consorcio terá o direito de ser ressarcido, em óleo, do valor do royalty que pagar. Isto fere as Lei 12351/10 (e 12734/12), do petróleo no artigo 42 § 1º que diz que o royalty não pode ser ressarcido em nenhuma hipótese. Portanto, ilegalidades não faltam. O que tem faltado é independência e coragem aos juízes para julgar com isenção.  

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