CartaCapital, 04/12/15
Editorial
Tempos de chantagem
Por Mino Carta
Em qual país dito democrático o destino do governo e do seu partido fica sujeito à chantagem do presidente da Câmara dos Deputados, disposto a vender caro a sua pele de infrator?
Somos espectadores de um enredo assustador, a negar a democracia que acreditamos viver, mas nem todos entendem que o espetáculo é trágico.
O PT nega-se a uma capitulação ignominiosa e preserva o que lhe resta de dignidade, logo Eduardo Cunha parte para a vingança. Também o gesto do presidente da Câmara é tipicamente brasileiro, ao exprimir a situação de um país que há tempo perdeu o senso e a compostura.
Se já a teve, a capacidade de entender a gravidade do momento político, sem contar o aspecto pueril e os complicadores econômicos e sociais.
Até ontem, o governo jogou contra si mesmo, ao ensaiar a rendição à chantagem: desenhou-se nas últimas semanas a tendência a instruir os integrantes petistas da Comissão a votarem a favor de Cunha, donde a pergunta inevitável do cidadão atento aos seus botões: quer dizer que todos os envolvidos têm telhado de vidro?
Ora, ora. Impeachment era, e continua a ser, golpe. Quanto a Cunha, suas mazelas são mais que evidentes. Então, por que o governo cederia à chantagem? Quem se deixa acuar está perdido.
Tempo de chantagem, a delação premiada resulta dela também, a partir de prisões preventivas que põem em xeque a presunção da inocência, o indispensável in dubio pro reo. Esta é a democracia à brasileira, diariamente chantageada pela mídia nativa. Segundo uma pesquisa Datafolha, a maioria dos entrevistados enxerga na corrupção o calcanhar de aquiles do País.
Não procuro saber das técnicas empregadas para chegar a esse resultado, de todo modo é certo que a corrupção não passa de uma consequência de 500 anos de desmandos na terra da predação. O poder verde-amarelo muda seu endereço, mas não altera propósitos e comportamentos. É sempre o mesmo, desde as capitanias hereditárias. Feroz, hipócrita, velhaco. E impune.
De pé, ainda e sempre, a casa-grande e a senzala, e também sobrados e mocambos. Gilberto Freyre referia-se ao Nordeste, mas a dicotomia se impõe até hoje do Oiapoque ao Chuí, e é mesmo possível que agora, nas terras do historiador pernambucano, seja menos acintosa do que em outros cantos.
Permanece, em pleno vigor, a lei do mais forte, e desta brotam os nossos males, a começar pela desigualdade, pelo assassínio anual de mais de 60 mil brasileiros, pelo caos urbano. E assim por diante. Supor que a situação atual tem alguns responsáveis, identificados pela Lava Jato, não esclarece a real dimensão do problema.
Responsável é quem usa o poder em proveito próprio. Colonizadores, escravagistas, bandeirantes, capitães do mato, os senhores do império, os militares golpistas que proclamaram a República etc. etc.
O golpe de 64 foi precipitado para evitar uma mudança apenas vagamente esboçada graças à convocação dos gendarmes fardados, coroada a operação 20 anos após, paradoxalmente, pelo enterro da campanha das Diretas Já.
A chamada redemocratização foi uma farsa, com a contribuição dos fados que levaram à Presidência Sarney, principal artífice da derrota da Emenda Dante de Oliveira, a favor das diretas, e vencedor da batalha da indireta à sombra de uma Aliança pretensa e hipocritamente apresentada como Democrática.
A casa-grande e sua mídia elegeram Fernando Collor, para apeá-lo quando passou a cobrar pedágio alto demais, e Fernando Henrique, que “não é tão esquerdista assim”, como dizia Antonio Carlos Magalhães.
O governo tucano em oito anos cometeu as maiores infâmias contra os interesses nacionais, esvaziou as burras do Estado, organizou com as privatizações a maior bandalheira da história brasileira, comprou votos a fim de reeleger FHC, para não mencionar as aventuras do filho do então presidente, grandiosas e silenciadas. Quem pode, pode.
Lula, Dilma e o PT são intrusos nesta pantomima e esta presença, usurpada na visão dos antecessores no poder, explica por que hoje são visados como únicos réus. A eleição do ex-metalúrgico em 2002 ofereceu uma esperança de renovação, e assim pareceu divisor de águas no rumo do progresso. No poder o PT portou-se como os demais partidos (partidos?) e os bons augúrios minguaram progressivamente. É bom, para a dignidade do governo e do seu partido que enfim não capitulem diante da chantagem de Eduardo Cunha.
Seria o suicídio. Infelizmente, há muitos outros erros morais e funcionais, falhas, deslizes, e até tramoias, trambiques, falcatruas, a serem remidos, e não é fácil imaginar que o serão.
Às vezes me colhe a sensação de que atravessamos a fase final do longo processo da decadência crescente e inexorável de um país destinado a ser o paraíso terrestre e condenado ao inferno por sua elite, voltada a cuidar exclusivamente dos seus interesses em detrimento da Nação.
E de administrá-los contra a lei, se necessário. Na circunstância, cheia de riscos e incógnitas, a saída pela Justiça soa como o recurso natural. Não seria o STF o guardião da Constituição ofendida, o último defensor do Estado de Direito?
Os botões me puxam pelo paletó: que esperar desta Justiça desvendada, embora tão verborrágica, empolada, falsamente solene?
Carta Maior, 03/12/2015
Rede da dignidade contra o golpe e a vigarice
Por Saul Leblon
A história apertou o passo e quando sacode a poeira ela derrama transparência por onde passa.
A retaliação de Eduardo Cunha contra o governo e contra o PT guarda semelhanças com uma cena recorrente da crônica policial.
Enredado em evidências grotescas de ilícitos e falcatruas, o presidente da Câmara sacou um processo de impeachment contra a Presidenta Dilma, depois que o PT – graças à corajosa decisão de seu presidente, Rui Falcão, determinou que o partido não acobertasse o delinquente no Conselho de Ética.
Cunha age como o sequestrador que saca o revólver e o coloca na cabeça do refém, exigindo salvo conduto para si e para o malote de dinheiro.
Eduardo Cunha aposta que os comparsas do lado de fora lhe darão cobertura na fuga cinematográfica para frente.
Talvez tenha razão a julgar pela adesão de pronto de tucanos, como os rapinosos Aécio e Serra, por exemplo.
Outros, aqueles que entendem a política como oportunismo, endossarão igualmente o meliante em nome da honradez.
Ou não é essa – há meses - a especialidade do colunismo isento na sua seletiva campanha anti-corrupção?
A cumplicidade desses comparsas está precificada no metabolismo político brasileiro desde 2005/2006.
Não se espere grandeza de onde impera a mediocridade básica das elites latino-americanas.
Aquela que sonega ao próprio país e ao povo o direito e a competência para se erguer como nação justa e soberana.
O vento implacável da história desnuda em 2015 os novos atores do velho enredo em cartaz em 1932, 1954, 1962, 1964, 1989, 2002, 2005, 2006, 2010 e 2014.
Com um agravante: há um pedaço da sociedade que se descolou definitivamente do país e tem como pátria o capital flutuante que não quer pertencer ao destino de nenhum povo.
Seu interesse e visão de mundo, portanto, são imiscíveis com a ideia de um regime do povo, para o povo e pelo povo.
E isso não é retórica, mas uma ameaça: eles consideram que a Constituição de 1988 prometeu mais do que é justo o dinheiro grosso ceder e que o PT teima em lembrar.
São aliados naturais do assaltante que ameaça agora um mandato subscrito por 54 milhões de brasileiros.
Daí não sai nada a não ser golpe e dilapidação.
A mudança terá que vir do outro lado.
O lado do país que se avoca o direito de enxergar na justiça social a finalidade e o motor da luta pelo desenvolvimento brasileiro. E que tem na democracia a principal garantia de que esse processo é crível e consistente porque negociado, repactuado e legitimado nas diferentes manifestações de liberdade de um povo - nas lutas, nos escrutínios e nas mobilizações históricas de uma nação.
Estamos diante de um desses momentos que Celso Furtado denominava de ‘provas cruciais de uma nação’.
É, sobretudo, no caso brasileiro, a hora da verdade para as forças progressistas.
Cabe-lhes superar o empate corrosivo que paralisa a sociedade e desacredita a democracia.
Trata-se de vencer a prostração e o sectarismo, fazendo da mobilização contra o golpe o impulso que faltava para uma repactuação do país em torno dos interesses majoritários de seu povo.
Lideranças políticas e sociais não podem piscar.
O enclausuramento ideológico, o acanhamento organizativo e a indiferenciação, diante da qual a juventude não se reconhece e a militância se recolhe - devem ser dispensados de uma vez por todas.
Que ninguém se iluda: o apoio ao impeachment tem por trás um projeto econômico devastador.
Nele não cabem as urgências e direitos da maioria da população brasileira.
Um notável volume de investimentos é requerido nesse momento para adequar a logística social e a infraestrutura às dimensões de uma nação que incorporou milhões de pobres ao mercado de consumo nos últimos anos.
Agora lhes deve a cidadania plena.
O novo giro da engrenagem terá que ocorrer num momento paradoxal.
Uma tempestade perfeita cobra respostas em várias frentes: prover a infraestrutura, combater a inflação, resgatar a industrialização, dar progressividade ao sistema tributário, ajustar o câmbio, modular o consumo.
Tudo junto e com a mesma prioridade.
Ao mesmo tempo, porém, o labirinto encerra a oportunidade histórica de inovar metas e métodos.
A plataforma do arrocho, com a qual o conservadorismo capturou o governo - e agora pretende concluir o assalto tomando-lhe o mandato, envelheceu miseravelmente ao escancarar sua incapacidade para ir além de uma recessão destrutiva.
PIB, emprego, investimento e consumo despencam sob o timão de um ajuste que desajusta o bolso do povo pobre e agrava as contas fiscais da nação.
O interesse conservador que antes pretendia usar o governo para escalpelar as ruas, subtraindo-lhe conquistas e recursos, agora quer usar as ruas e o impeachment para derrubar o governo.
A bipolaridade reflete a ansiedade típica de quem sabe que tem pouco tempo porque aquilo que a rua exige e espera colide com o que o mercado pretende.
Quem dará coerência ao desenvolvimento brasileiro nessa encruzilhada?
Antes turva, a resposta emerge límpida após o assaltante colocar a arma na cabeça do refém nesta tarde da terça-feira, 2 de dezembro de 2015.
A nova coerência macroeconômica terá que ser buscada na correlação de forças redesenhada pela divisão entre os que se alinharão na cumplicidade ao chantagista e os que vão se juntar ao governo para ampliar o espaço de um novo contrato de crescimento para a nação brasileira.
Emparedado pela lógica conservadora o governo Dilma, paradoxalmente, passou a ter escolhas.
Como disse a própria Presidenta, em desabafo, "não era mais possível viver chantageada".
Dilma deve, sim, negociar. Com o Brasil que trabalha e quer trabalhar. Com o capital que produz e quer produzir.
Isso define uma límpida conduta para as próximas horas, os próximos dias, meses e, sobretudo uma próxima reforma ministerial definidora de uma verdadeira governabilidade, com o direito de recorrer ao povo para construir o passo seguinte do crescimento.
O bônus não autoriza o conjunto das forças progressistas a adotar a agenda da fragmentação suicida.
O discurso cego às interações estruturais é confortável. Mas leva ao impasse autodestrutivo e à inconsequência histórica.
A responsabilidade de interferir num processo histórico pressupõe a adoção de balizas que impeçam o retrocesso e assegurem coerência às mudanças.
O jogo é pesado.
Avançar à bordo da composição de forças que delimitou a ação progressista até aqui tornou-se cada dia mais penoso.
Esgotou-se um capítulo.
Não apenas por conta da saturação de um ciclo econômico.
Mas também porque se descuidou de prover a sociedade de canais democráticos para viabilizar o passo seguinte do processo.
Faltava a locomotiva da história apitar outra vez para esticar os limites do possível na repactuação do novo capítulo do crescimento brasileiro.
Foi o que o assalto à mão armada de Cunha desencadeou nas últimas horas.
A presidenta Dilma viu o bonde passar e não hesitou.
Reagiu na direção certa em pronunciamento à Nação.
Antes dela, Rui Falcão, Pimenta e outros tiveram a coragem de rechaçar o chantagista e alinhar o PT ao clamor dos milhões de brasileiros que não aceitam mais compactuar com um sistema político que se tornou um biombo desmoralizado do poder econômico, a serviço de banqueiros e bandidos.
Ao assumir o risco de uma represália que se confirmou, o PT indiretamente reaproximou-se dos que entendem que a soberania popular é o único impulso capaz de harmonizar os conflitos e sacolejos de uma transição de ciclo de desenvolvimento.
O tempo urge.
O assalto conservador ao mandato de Dilma joga uma cartada de vida ou morte contra o relógio político.
À medida que apodrece a reputação de seus centuriões, e os savorolas da ética entram em combustão explosiva, restou-lhes apostar tudo no estreito espaço de tempo entre a desmoralização absoluta e a capacidade residual de articular o golpe.
A coragem de Dilma e do PT, a solidariedade do PSOL logo na primeira hora da escalada, o levante maciço nas redes sociais ensejam esperança e legitimidade.
Em 1962 Brizola opôs ao golpe contra Jango uma bem-sucedida mobilização nacional liderada pela Rede da Legalidade.
Que Lula, Luciana, Boulos, Stédile, Vagner Freitas, intelectuais, estudantes, empresários produtivos, personalidades e democratas em geral se unam e se organizem.
Essa é a hora e ninguém fará isso por nós.
Que Dilma recorra diariamente, se preciso, à cadeia nacional para afrontar o monólogo golpista e liderar a resistência nacional.
É o seu mandato que está em jogo.
E que disso nasça uma gigantesca rede da dignidade contra o golpe e a vigarice. .
Com ela, e somente com ela, emergirá o impulso que falta para abrir passagem ao país que o Brasil poderia ser, mas que ainda não é – e que interesses poderosos não querem que venha a ser.
Por Saul Leblon
A história apertou o passo e quando sacode a poeira ela derrama transparência por onde passa.
A retaliação de Eduardo Cunha contra o governo e contra o PT guarda semelhanças com uma cena recorrente da crônica policial.
Enredado em evidências grotescas de ilícitos e falcatruas, o presidente da Câmara sacou um processo de impeachment contra a Presidenta Dilma, depois que o PT – graças à corajosa decisão de seu presidente, Rui Falcão, determinou que o partido não acobertasse o delinquente no Conselho de Ética.
Cunha age como o sequestrador que saca o revólver e o coloca na cabeça do refém, exigindo salvo conduto para si e para o malote de dinheiro.
Eduardo Cunha aposta que os comparsas do lado de fora lhe darão cobertura na fuga cinematográfica para frente.
Talvez tenha razão a julgar pela adesão de pronto de tucanos, como os rapinosos Aécio e Serra, por exemplo.
Outros, aqueles que entendem a política como oportunismo, endossarão igualmente o meliante em nome da honradez.
Ou não é essa – há meses - a especialidade do colunismo isento na sua seletiva campanha anti-corrupção?
A cumplicidade desses comparsas está precificada no metabolismo político brasileiro desde 2005/2006.
Não se espere grandeza de onde impera a mediocridade básica das elites latino-americanas.
Aquela que sonega ao próprio país e ao povo o direito e a competência para se erguer como nação justa e soberana.
O vento implacável da história desnuda em 2015 os novos atores do velho enredo em cartaz em 1932, 1954, 1962, 1964, 1989, 2002, 2005, 2006, 2010 e 2014.
Com um agravante: há um pedaço da sociedade que se descolou definitivamente do país e tem como pátria o capital flutuante que não quer pertencer ao destino de nenhum povo.
Seu interesse e visão de mundo, portanto, são imiscíveis com a ideia de um regime do povo, para o povo e pelo povo.
E isso não é retórica, mas uma ameaça: eles consideram que a Constituição de 1988 prometeu mais do que é justo o dinheiro grosso ceder e que o PT teima em lembrar.
São aliados naturais do assaltante que ameaça agora um mandato subscrito por 54 milhões de brasileiros.
Daí não sai nada a não ser golpe e dilapidação.
A mudança terá que vir do outro lado.
O lado do país que se avoca o direito de enxergar na justiça social a finalidade e o motor da luta pelo desenvolvimento brasileiro. E que tem na democracia a principal garantia de que esse processo é crível e consistente porque negociado, repactuado e legitimado nas diferentes manifestações de liberdade de um povo - nas lutas, nos escrutínios e nas mobilizações históricas de uma nação.
Estamos diante de um desses momentos que Celso Furtado denominava de ‘provas cruciais de uma nação’.
É, sobretudo, no caso brasileiro, a hora da verdade para as forças progressistas.
Cabe-lhes superar o empate corrosivo que paralisa a sociedade e desacredita a democracia.
Trata-se de vencer a prostração e o sectarismo, fazendo da mobilização contra o golpe o impulso que faltava para uma repactuação do país em torno dos interesses majoritários de seu povo.
Lideranças políticas e sociais não podem piscar.
O enclausuramento ideológico, o acanhamento organizativo e a indiferenciação, diante da qual a juventude não se reconhece e a militância se recolhe - devem ser dispensados de uma vez por todas.
Que ninguém se iluda: o apoio ao impeachment tem por trás um projeto econômico devastador.
Nele não cabem as urgências e direitos da maioria da população brasileira.
Um notável volume de investimentos é requerido nesse momento para adequar a logística social e a infraestrutura às dimensões de uma nação que incorporou milhões de pobres ao mercado de consumo nos últimos anos.
Agora lhes deve a cidadania plena.
O novo giro da engrenagem terá que ocorrer num momento paradoxal.
Uma tempestade perfeita cobra respostas em várias frentes: prover a infraestrutura, combater a inflação, resgatar a industrialização, dar progressividade ao sistema tributário, ajustar o câmbio, modular o consumo.
Tudo junto e com a mesma prioridade.
Ao mesmo tempo, porém, o labirinto encerra a oportunidade histórica de inovar metas e métodos.
A plataforma do arrocho, com a qual o conservadorismo capturou o governo - e agora pretende concluir o assalto tomando-lhe o mandato, envelheceu miseravelmente ao escancarar sua incapacidade para ir além de uma recessão destrutiva.
PIB, emprego, investimento e consumo despencam sob o timão de um ajuste que desajusta o bolso do povo pobre e agrava as contas fiscais da nação.
O interesse conservador que antes pretendia usar o governo para escalpelar as ruas, subtraindo-lhe conquistas e recursos, agora quer usar as ruas e o impeachment para derrubar o governo.
A bipolaridade reflete a ansiedade típica de quem sabe que tem pouco tempo porque aquilo que a rua exige e espera colide com o que o mercado pretende.
Quem dará coerência ao desenvolvimento brasileiro nessa encruzilhada?
Antes turva, a resposta emerge límpida após o assaltante colocar a arma na cabeça do refém nesta tarde da terça-feira, 2 de dezembro de 2015.
A nova coerência macroeconômica terá que ser buscada na correlação de forças redesenhada pela divisão entre os que se alinharão na cumplicidade ao chantagista e os que vão se juntar ao governo para ampliar o espaço de um novo contrato de crescimento para a nação brasileira.
Emparedado pela lógica conservadora o governo Dilma, paradoxalmente, passou a ter escolhas.
Como disse a própria Presidenta, em desabafo, "não era mais possível viver chantageada".
Dilma deve, sim, negociar. Com o Brasil que trabalha e quer trabalhar. Com o capital que produz e quer produzir.
Isso define uma límpida conduta para as próximas horas, os próximos dias, meses e, sobretudo uma próxima reforma ministerial definidora de uma verdadeira governabilidade, com o direito de recorrer ao povo para construir o passo seguinte do crescimento.
O bônus não autoriza o conjunto das forças progressistas a adotar a agenda da fragmentação suicida.
O discurso cego às interações estruturais é confortável. Mas leva ao impasse autodestrutivo e à inconsequência histórica.
A responsabilidade de interferir num processo histórico pressupõe a adoção de balizas que impeçam o retrocesso e assegurem coerência às mudanças.
O jogo é pesado.
Avançar à bordo da composição de forças que delimitou a ação progressista até aqui tornou-se cada dia mais penoso.
Esgotou-se um capítulo.
Não apenas por conta da saturação de um ciclo econômico.
Mas também porque se descuidou de prover a sociedade de canais democráticos para viabilizar o passo seguinte do processo.
Faltava a locomotiva da história apitar outra vez para esticar os limites do possível na repactuação do novo capítulo do crescimento brasileiro.
Foi o que o assalto à mão armada de Cunha desencadeou nas últimas horas.
A presidenta Dilma viu o bonde passar e não hesitou.
Reagiu na direção certa em pronunciamento à Nação.
Antes dela, Rui Falcão, Pimenta e outros tiveram a coragem de rechaçar o chantagista e alinhar o PT ao clamor dos milhões de brasileiros que não aceitam mais compactuar com um sistema político que se tornou um biombo desmoralizado do poder econômico, a serviço de banqueiros e bandidos.
Ao assumir o risco de uma represália que se confirmou, o PT indiretamente reaproximou-se dos que entendem que a soberania popular é o único impulso capaz de harmonizar os conflitos e sacolejos de uma transição de ciclo de desenvolvimento.
O tempo urge.
O assalto conservador ao mandato de Dilma joga uma cartada de vida ou morte contra o relógio político.
À medida que apodrece a reputação de seus centuriões, e os savorolas da ética entram em combustão explosiva, restou-lhes apostar tudo no estreito espaço de tempo entre a desmoralização absoluta e a capacidade residual de articular o golpe.
A coragem de Dilma e do PT, a solidariedade do PSOL logo na primeira hora da escalada, o levante maciço nas redes sociais ensejam esperança e legitimidade.
Em 1962 Brizola opôs ao golpe contra Jango uma bem-sucedida mobilização nacional liderada pela Rede da Legalidade.
Que Lula, Luciana, Boulos, Stédile, Vagner Freitas, intelectuais, estudantes, empresários produtivos, personalidades e democratas em geral se unam e se organizem.
Essa é a hora e ninguém fará isso por nós.
Que Dilma recorra diariamente, se preciso, à cadeia nacional para afrontar o monólogo golpista e liderar a resistência nacional.
É o seu mandato que está em jogo.
E que disso nasça uma gigantesca rede da dignidade contra o golpe e a vigarice. .
Com ela, e somente com ela, emergirá o impulso que falta para abrir passagem ao país que o Brasil poderia ser, mas que ainda não é – e que interesses poderosos não querem que venha a ser.
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