Blog do Santayana,
17/12/2015
Da imbecilidade ao antiterrorismo
Por Mauro Santayana
Na abertura de um recente – e bizarro - "Seminário Internacional de Enfrentamento ao Terrorismo no Brasil", o Ministro da Secretaria de Governo, Ricardo Berzoini, afirmou que "não existem limites para a preocupação com o terrorismo nas Olimpíadas" e defendeu que o país "aceite a cooperação de órgãos de inteligência internacionais" para diminuir o risco nesse sentido.
No momento em que a Câmara recebe, de volta do Senado, uma "lei antiterrorista", cabe discutir com cautela essa questão, sob a ótica da política exterior brasileira e da nossa relação com outras culturas e países no atual contexto geopolítico mundial.
Tem o Brasil, alguma razão para "combater" o terrorismo, para além da condenação moral - não apenas nas ruas de Paris, mas também de Bagdá, Damasco, Trípoli - de ataques contra a vida e da prestação de homenagem e solidariedade às suas vítimas?
A Rússia, nosso sócio no BRICS, foi levada a atacar o Estado Islâmico por questões geopolíticas, e agora transformou-se em vítima, com a explosão, no ar, de um avião carregado de seus cidadãos, no Egito. A Síria é um país onde ela possui portos e bases militares, e notáveis ligações históricas, no qual tenta manter seu aliado, Bashar Al Assad no poder, defendendo-o dos terroristas do Estado Islâmico, que foram armados pelos próprios EUA e o "ocidente" para derrubar o regime sírio, e que, como um Frankenstein louco e sangrento, fugiu ao controle de seus criadores.
Os EUA e a França estão pagando pelo erro de tentar agir como potências coloniais no Oriente Médio e no Norte da África, derrubando governos estáveis, como o de Saddam Hussein e o de Muammar Khadaffi, e de se meter em assuntos alheios.
Tem o Brasil interesses geopolíticos no Oriente Médio, região onde atua no Comando das Forças Navais da ONU no Líbano?
Não, a não ser - assim como faz no Haiti - como cumpridor de um mandato das Nações Unidas.
O Brasil já se meteu, alguma vez, em assuntos alheios, invadindo ou bombardeando países no Oriente Médio ou no Norte da África?
Não, porque, pelo menos até agora, protegidos pela sábia doutrina de não intervenção consubstanciada no texto da Constituição Federal, como macacos velhos que somos - ou éramos, ao que está parecendo - não metemos a mão em cumbuca, a não ser que sejamos atacados primeiro, como o fomos na Segunda Guerra Mundial.
Quanto à segurança interna, a diferença entre terrorismo, assassinato ou tentativa de homicídio é puramente semântica.
Para quem morre, não tem a menor diferença a motivação de quem o está atingindo.
Já existe legislação penal, no Brasil, de proteção à vida.
O resto é “lero-lero”, para emular potências estrangeiras e se submeter aos gringos.
Um perigosíssimo “lero-lero”, do qual toma parte a realização, em território brasileiro, de "seminários" como esse, que nos obrigam a situarmo-nos de um determinado lado da linha. E, também, naturalmente, a crescente "cooperação" com forças policiais estrangeiras, que pode ser feita, normalmente, para segurança de eventos internacionais desse tipo, sem a conotação política, "antiterrorista", que estão tentando impingir-nos.
Uma coisa é dizer que vamos reforçar a segurança nas Olimpíadas.
Nada mais natural, considerando-se que teremos multidões reunidas em estádios - coisa que acontece rotineiramente em grandes jogos de futebol, por exemplo - e que estaremos recebendo visitantes estrangeiros.
Outra, muito diferente, é afirmar que estaremos tomando "medidas antiterroristas" e adotar um discurso, e uma atitude, que nunca adotamos antes, nesse contexto.
Mudando uma postura tradicional - compartilhada por governos de diferentes matizes ideológicos - que não nos trouxe - muito pelo contrário - nenhuma conseqüência negativa, até agora.
Quem fala muito acaba dando bom dia a cavalo.
De tanto se referir ao "antiterrorismo", e ficar cutucando com essa bobagem quem está quieto, algum grupo de terroristas, pode, sim - mesmo sem ter visto o Brasil como inimigo até este momento - vir a se sentir tentado a testar a eficácia das medidas de "segurança" às quais estamos nos referindo a todo instante, com relação às Olimpíadas.
E isso, principalmente, se nessas "medidas" dermos muito espaço para equipes de segurança estrangeiras - de países considerados alvos - para agirem em nosso território como se estivessem no deles.
Ou se adotarmos - cão que muito ladra não morde - uma atitude "antiterrorista" que seja arrogante e ostensiva contra cidadãos de alguns países, árabes, por exemplo, na chegada aos nossos aeroportos, ou em nossas ruas, como já o estamos fazendo.
No mundo, há poucos países tão subservientes em sua vontade de copiar os estrangeiros.
No Rio de Janeiro, o site da Sociedade Beneficente Muçulmana tem sido atacado por fascistas - alimentados pelo mesmo discurso "antiterrorista" do governo - que acusam "esquerdopatas" de estarem "trazendo o EI" para o Brasil, ao abrir as portas para os refugiados árabes.
E, no sul do Brasil, refugiadas sírias declararam ter sido discriminadas e agredidas, após os atentados de Paris - como se a população síria não sofresse todos os dias dezenas de atentados semelhantes por parte de terroristas que, como mostra o caso do Estado Islâmico, foram originalmente armados pelos EUA e por países europeus, para tentar derrubar o governo de Damasco - dando início à guerra civil naquele país, e à onda de refugiados que atingiu a Europa como um tsunami humano.
Guardadas as devidas proporções, o que o Ministro Ricardo Berzoini está cometendo, com as suas declarações, e o próprio governo - ao promover esse tipo de encontro - é um tiro no pé ideológico e um tremendo atentado ao bom-senso.
Se o país está preocupado com o "terrorismo", a melhor medida a tomar é não ficar anunciando isso para todo o mundo e a toda hora, e usar com inteligência estratégica a legislação vigente.
O primeiro passo para se transformar em alvo do "terrorismo" e ser vítima de um ataque terrorista é começar - sem nenhum inimigo aparente - a se declarar contra ele - a adotar uma doutrina "antiterrorista" e leis "antiterroristas", que, no final das contas, como demonstram os casos dos EUA e da França, por exemplo, não servem de absolutamente nada para evitar ataques rápidos, covardes e mortíferos, de uma meia dúzia de suicidas determinados, quando eles decidem fazê-los.
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