sábado, 26 de dezembro de 2015

A seletividade

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Folha.com, 26/12/15



A seletividade

Por André Singer


O pagamento de R$ 60 milhões por parte da Alstom, como indenização por uso de
propina no mandato do pessedebista Mário Covas em São Paulo (Folha, 22/12), a
revelação de que a dobradinha Nestor Cerveró-Delcídio do Amaral remonta ao tempo
em que ambos serviam ao governo Fernando Henrique Cardoso (Folha, 18/12) e a
condenação do ex-presidente tucano Eduardo Azeredo a 20 anos de prisão (Folha,
17/12), por esquema análogo ao que levou José Dirceu à cadeia em 2012 (condenado
à metade do tempo), confirmam que há dois pesos e duas medidas no tratamento que
a mídia dá aos principais partidos brasileiros.

Enquanto o PT aparece, diuturnamente, como o mais corrupto da história nacional,
o PSDB, quando apanhado, merece manchetes, chamadas e registros relativamente
discretos. O primeiro transita na área do megaescândalo, ao passo que o segundo
ocupa a dimensão da notícia comum.

Isso não alivia a situação do PT, o qual, como antigo defensor da ética, tinha
compromisso de não envolver-se com métodos ilícitos de financiamento. No entanto,
o destaque desequilibrado distorce o jogo político, gerando falsa percepção de
excepcionalidade do Partido dos Trabalhadores. A salvaguarda do PSDB pelos
meios de comunicação reforça a tese de que o objetivo é destruir a real opção
popular e não regenerar a República.

Note-se que o acordo feito pela Alstom não inclui os processos "sobre o Metrô, a
CPTM e as acusações de que a multinacional francesa fez parte de um cartel que
agia em licitações de compra de trens", diz este jornal. Os 60 milhões de reais
ressarcidos dizem respeito só ao "contrato de fornecimento de duas subestações de
energia". Será que o montante completo dos desvios, caso computado, não chegaria a
proporções petrolíferas?

Se a mídia quisesse, de fato, equilibrar o marcador, aproveitaria o gancho para mostrar
que juízes, procuradores e policiais, vistos em conjunto, têm sido parciais. Enquanto
a máquina investigatória avança de maneira implacável sobre o PT, o PSDB fica protegido
por investigações que andam a passo bem lento. Aposto que se uma vinheta do tipo "e o
metrô de São Paulo?" aparecesse todo dia na imprensa, em poucas semanas teríamos
importantes novidades.

O problema, contudo, pode ser mais grave. Hipótese plausível é que os investigadores
poupem o PSDB exatamente porque sabem que não contariam com a simpatia da
mídia se apertassem o cerco aos tucanos. Conforme deixa claro o juiz Sergio Moro no
artigo de 2004 sobre a "mãos limpas" na Itália, a aliança com a imprensa é crucial para
o sucesso desse tipo de empreitada. Trata-se de um sistema justiça-imprensa, que
aqui tem agido de modo gritantemente seletivo.

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