quinta-feira, 9 de maio de 2013

As consequências políticas da regressão econômica

Quinta-Feira, 09 de Maio de 2013


REALIDADES PARALELAS: INFLAÇÃO E MÍDIA

O custo de vida em São Paulo, medido pelo Dieese, subiu 0,31% em abril , menos da metade da alta de 0,78% de março. O IGP-DI, índice de preços da FGV, com forte influencia dos preços no atacado (60% de sua composição) registrou deflação de 0,06% em abril. É a primeira deflação desse indicador desde outubro de 2012.

A queda foi puxada principalmente pelo subgrupo alimentos in natura, que desacelerou de 8,32%, em março, para 1,73%, em abril, no atacado.Variações no atacado antecipam o comportamento do varejo no período seguinte. O índice da Fipe, que também mede a inflação ao consumidor em São Paulo, já captou essa dinâmica: nele, a variação dos alimentos recuou, de 0,20% para 0,15%, em abril.

Mas a guerra de nervos do noticiário prefere esticar o alarmismo tomateiro em relação ao preço da comida, repita-se, já em queda acelerada no atacado. Apega-se para isso à variação mensal do IPCA, o termômetro do IBGE para preços ao consumidor. Sua alta de 0,55% em abril, de fato, é maior que a de março. Mas é inferior a abril de 2012 e em 12 meses ficou abaixo do teto da meta do BC, cuja superação no mês passado mereceu destaque retumbante não observado agora na sua reacomodação.

O mercado financeiro incorporou a tendência declinante embutida em vários índices e reduziu os juros futuros. Mas a realidade paralela da guerra midiática continua a acossar as expectativas do país. Não se trata mais de notiário mas de alvoroço político diante de sucessivos revezes, sendo o último a consagração da política externa independente adotada pelo país desde 2003.

Acusada de isolacionista pelo conservadorismo americanófilo, acaba de conquistar a direção da OMC, após vencer a disputa pela FAO, em 2012.

 


Segunda-Feira, 06 de Maio de 2013


As consequências políticas da regressão econômica


 
Por Saul Leblon



O conservadorismo brasileiro não tem nada de novo a propor ao país no passo seguinte do seu desenvolvimento.

Exceto dobrar a aposta num modelo cujas vísceras antissociais ganharam transparência vertiginosa na crise mundial.

A saber:

renúncia a qualquer ordenação pública do desenvolvimento- o que subordina a sociedade aos movimentos pró-cíclicos dos mercados, desguarnecendo-a de salvaguardas tanto na ascensão, quanto no subsequente declínio das curvas de investimento, emprego e renda;

• abertura externa irrestrita a capitais e mercadorias, com redução bruta de tarifas sobre importações, o que implica a renúncia a um projeto industrializante próprio, com consequências trabalhistas e sociais dissolventes;

• extinção das exigências de conteúdo nacional nas compras das estatais, o que esteriliza o pré-sal como alavanca de um derradeiro e decisivo impulso industrializante no Brasil do século 21;

• cortes substantivos no gasto público, o que contrata uma ofensiva contra a rede de segurança social vigente, que inclui da Previdência ao Bolsa Família;

• livre cambismo, com a adoção de um laissez-faire suicida em relação a um preço decisivo da economia em tempos de globalização financeira e produtiva.

Estamos diante de uma recidiva, agora como metástase, da dinâmica que gerou graves e persistentes retrocessos na vida social e econômica do país nos anos 90.

A versão 2.0 desse ideário, cujos desdobramentos perduram na forma da infraestrutura em frangalhos, e de um aparelho de Estado ainda tíbio para coordenar as exigências da difícil transição brasileira, foi enunciada pelo economista Edmar Bacha, em debate realizado pelo jornal Valor, na semana passada.

Se Carta Maior insiste nesse tema é por considerar de extrema gravidade que, uma década depois, as forças derrotadas nas urnas desde 2002 admitam que a sua única proposta para a sociedade brasileira é trazer a crise mundial para dentro do país.

E, a partir daí, recompor a plena hegemonia da lógica e dos interesses que representam.

Edmar Bacha não é um nome avulso no colar dos economistas pró-mercados.

Egresso da esquerda, trata-se de um qualificado formulador do projeto tucano. E um dos principais interlocutores do presidenciável Aécio Neves.

Suas ideias carregam a gravidade de um comboio regressivo em marcha batida para 2014.

O que se avizinha não é uma disputa eleitoral corriqueira.

O PSDB e seus assemelhados simplesmente não podem se apresentar ao eleitor com uma plataforma que defende o escalpo econômico e social dos avanços registrados nos últimos dez anos.

A radicalização política embutida nesse retrocesso terá que ser tergiversada na demonização do adversário, na judicialização da democracia, na desqualificação do atual governo e na mutação obscurantista de desafios econômicos em desencanto e medo.

É o que estamos vendo nos dias que correm.

Um dos pressupostos dessa narrativa é ocultar os nexos entre a lógica que jogou o mundo na pior crise do capitalismo desde 29 e a tentativa de restaura-la no país, a partir de 2014.

A outra, indispensável diante da dificuldade em dizer algo ao eleitor popular, é a judicialização escandalosa da democracia.

As togas dominantes na Suprema Corte tem dado demonstrações inequívocas de boa vontade nessa direção.

A terceira pata é a da partidarização assumida do noticiário político e econômico.

É só o começo.

A resistência a essa engrenagem não pode se limitar à mera defesa do que já existe.

Tampouco aderir ao jogo da dissimulação conveniente aos propósitos conservadores em 2014.

A transparência do embate histórico em curso, em escala planetária, é um trunfo decisivo a ser acionado na disputa eleitoral.

Lições históricas somente são aprendidas quando politizadas.

A espoleta da atual crise capitalista foi o recuo desastroso do controle da Democracia sobre o poder do Dinheiro.

O que Bacha está vocalizando em nome do PSDB é um repiquete desse recuo.


Num momento em que as poucas salvaguardas disponíveis já se mostram insuficientes, equivale a contratar uma vaga no cemitério da crise internacional.

Na fala macia de Bacha, a abertura desindustrializante e a livre mobilidade dos capitais formam uma endogamia coerente.

Na verdade, elas capturam a democracia no cativeiro da liberdade dos mercados.

E espremem o metabolismo social nas turquesas de custos palatáveis à eficiência dos negócios.

A alternativa não se encontra disponível em nenhuma modelo de coerência pré-fabricado.

Escolhas tem custos. Rupturas tem preço.

O câmbio que defende o país de importações desindustrializantes, acarreta, pelo menos num primeiro momento, menor afluxo de capitais; encarece importações; sanciona reajustes internos de preços.

É só um exemplo de como o corporativismo e interesses unilaterais são insuficientes para responder aos dias que correm.

Desprovidas de forças políticas que assegurem a coordenação progressista do processo, esses ajustes desembocam em uma espiral demoníaca de impasses e preços desgovernados.

Não encará-los, em contrapartida, empurra o país para o modelo da reiteração neoliberal.

Nos anos 70/80, quando a disposição dos sindicatos do ABC de derrubar o arrocho salarial coincidiu com a saturação de amplas camadas da sociedade brasileira diante da ditadura, os metalúrgicos souberam ir além de seus limites corporativos para liderar uma nova agenda histórica.

Quem será o sujeito político equivalente da travessia que deve desembocar nas urnas de 2014?

50 milhões de brasileiros ascenderam socialmente na escala da renda através das políticas públicas implantadas desde 2003.

A participação dos salários na renda nacional cresceu na década de 2002 a 2012.


Raras vezes, exceto em breves momentos da disputa eleitoral dos últimos anos, essa paleta de forças populares se mobilizou de forma coordenada e contundente.

É incerto o seu comportamento político em um momento em que as conquistas do bolso são chamuscadas por oscilações de preços e desvalorizadas pelo alarmismo conservador.

A encruzilhada que definirá as urnas de 2014 não pode mais prescindir de uma voz alternativa que fale ao discernimento histórico da sociedade.

O desafio é como fazê-lo, antes que seja tarde.

Sexta-Feira, 03 de Maio de 2013

O PSDB quer terminar o que começou


Por Saul Leblon


 

O
conservadorismo brasileiro ignorou olimpicamente a desmoralizante refrega sofrida pelos pelotões do arrocho fiscal nos últimos dias.
Dois de seus centuriões (Rogoff & Reinhart – na foto ao lado), como se sabe, foram flagrados em malfeitos intelectuais por um estudante de economia de 28 anos.

O rapaz percebeu que eles deram uns anabolizantes à ponderação de dados que confirmavam suas teses. E ministraram um chá de sumiço aos teimosos números que refutavam as mesmas premissas.

Quais?

As de que, independente das condições de vento e temperatura, históricas e sociais, o gasto público é algo devastador, sobretudo quando transita na faixa dos 90% do PIB.

Quente ainda o defunto da fraude intelectual, o Instituto Fernando Henrique Cardoso convocou um similar para esgrimir o opróbio de uma das pilastras de sua agenda para o Brasil.

O PSDB quer terminar o que começou: o desmonte completo do Estado brasileiro.

Mãos à obra.

Vito Tanzi, ex-FMI, ‘amigo’ do Brasil desde a crise da dívida externa dos anos 80, desembarcou aqui para demonstrar, em carne e osso, como a ideologia não muda. Independente dos vexames de seus formuladores.

E por uma razão muito forte.

Por trás das ideias, melhor dizendo, à frente delas, caminham os interesses.

Em nome deles, quase como por encomenda, Tanzi falou no Instituto FHC.

Depois, reiterou ao jornal ‘Valor’:

“O tamanho do Estado brasileiro, refletido no amplo número de programas econômicos e sociais, é algo que precisa ser enfrentado. Uma vez introduzido um programa é muito difícil voltar atrás’, alertou o tecnocrata à la carte, para lançar um petardo de suspeição no arremate:” É possível que o déficit fiscal do Brasil talvez seja maior do que apontam as estatísticas, em razão de "truques" (...)

Tanzi não é um atirador solitário da restauração conservadora planejada pelos tucanos. Há solistas locais a ombreá-lo no esforço de redimir a ‘boa ciência’, para tê-la à mão na disputa contra ‘a intervencionista’, em 2014.

Edmar Bacha, um dos formuladores do projeto econômico da candidatura Aécio Neves, atacou na mesma direção, num debate promovido também pelo jornal ‘Valor’:

“Falando só de economia, uma coisa que está clara é a dívida pública bruta (do Brasil) de 65% do PIB, que é extraordinariamente elevada para um país em desenvolvimento; comparado com nossos parceiros de renda per capita é extremamente elevado; o padrão normal seria mais nos 20%”. (Leia sobre esse assunto a esclarecedora coluna de Paulo Kiass)

Como resolver a equação proposta por Tanzi/Bacha?

Cortando gastos. Quer dizer, destroçando o pouco da capacidade de fazer política pública restaurada no Brasil na última década.

Em resumo, finalizando o desmonte estatal produzido pelo PSDB quando o partido esteve no poder nos anos 90.

Há vozes discordantes, felizmente.


E com decibéis intelectuais suficientes para evidenciar que subjacente à gororoba do contracionismo-expansionista, defendida pelos Rogoffs,Tanzis & Bachas (destruir o Estado para a expansão do setor privado) existe um vácuo.

E é justamente ele que dá origem a boa parte dos impasses enfrentados pelo desenvolvimento brasileiro nesse momento.

Um vácuo de coordenação econômica.

Um déficit não propriamente fiscal, como querem os contracionistas, que fazem da Europa atualmente um mausoléu de Estados e conquistas sociais.

Mas um déficit de ação ordenadora do Estado, que explica não apenas o colapso da infraestrutura brasileira, como a hesitação de um investimento privado, desprovido de bússola pública para guia-lo.

No mencionado debate promovido pelo jornal ‘Valor’, o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, em resposta a Bacha, colocou o desafio do passo seguinte brasileiro nos seus devidos termo. É importante acompanhar o que pensa o professor, um dos mais respeitáveis intelectuais da atualidade:

Fala Belluzzo:

O diabo é que eu tenho boa memória, eu não sou muito inteligente, mas boa memória eu tenho. A taxa (de investimento) no auge do milagre chegou a 27%, mas na verdade a média era 22%, 23%. A partir da crise da dívida externa tivemos um declínio fortíssimo. Vou analisar algumas questões estruturais do período anterior para a gente entender. Você tinha uma sinergia muito grande entre investimento público e privado naquela época em que construímos toda a nossa infraestrutura, até os anos 1970. Temos 30 anos atrasados na infraestrutura. Keynes era um liberal conservador, gostava das conquistas culturais e civilizatórias do capitalismo, mas achava que o sistema não funcionava muito bem. Então, o que ele recomendou? Precisa ter uma sinergia para que você tenha um mínimo de estabilidade na taxa de inversão entre os programas de investimento, uma coordenação. O que você perdeu aqui no Brasil foi muito dessa coordenação, nós tínhamos, mal ou bem, essa coordenação nos anos 1950 e 1960. Quem fazia isso? As empresas estatais. Eu não estou dizendo que você tem que desfazer a privatização, eu estou dizendo o seguinte: o governo precisa ter um orçamento de capital separado do orçamento corrente, orçamento corrente tem que ser sempre equilibrado, o orçamento de capital é aquele que regula as flutuações cíclicas, isso foi o que ele pensou. Muito bem, deixamos o investimento público aqui baixo; nossa indústria de bens de capital está reduzida. A taxa de investimento é muito baixa. E ela ficou estagnada com flutuações muito pequenas ao longo desses últimos 30 anos, o investimento público caiu para menos de 2% do PIB. Não é possível, isso é uma economia que não tem coordenação (...) Essa coordenação nós perdemos a partir da crise da dívida externa, tivemos graves problemas fiscais e nunca recuperamos a capacidade do Estado de investir e coordenar o setor privado. E aí está o resultado na infraestrutura. Isso tem um impacto grande. (...) e aí eu vou ter a primeira relação crítica com o Bacha, temos sim um problema de oferta e temos um problema demanda efetiva, porque se você quer criar oferta você tem que gerar demanda. Esse problema não ficou claro e agora está começando a ficar, porque durante o período da bonança nós promovemos uma mudança na composição da demanda doméstica, certo? Por causa dos programas sociais, do salário mínimo etc (...) Mas nós estamos em um enrosco, por quê? Como o crescimento se deu dessa maneira, e é claro que se incorporou um monte de gente como consumidor, e dadas as mudanças que ocorreram na economia, sobretudo a queda da inflação, eles viraram demandantes de crédito. Nos anos 1980 você não tinha crédito, a relação crédito/PIB era de 20%? Era isso? Quanto é hoje, 50%? Ocorreu alguma coisa diferente, quem não tomava crédito começou a tomar, isso tudo deu uma mudança na estrutura da demanda, qual foi o impacto na estrutura da oferta? (NR :importações passaram a suprir parte dessa expansão da demanda). O governo precisa colocar o câmbio no lugar. Eu acho que hoje em dia, dada a reestruturação da indústria mundial, essa questão cambial é crucial. Agora não é suficiente, por quê? Vamos pegar o exemplo bem-sucedido. O Bacha fez uma crítica ao conteúdo nacional (NR: a exigência de conteúdo nacional nas encomendas da Petrobras que, segundo o porta-voz do PSDB, partido que quase privatizou a ‘Petrobrax’, estaria matando a estatal...) Eu acho que precisa escolher alguns setores que têm maior poder de disseminação e dar prioridade a eles. Para terminar: este é o país mais burocratizado do mundo (...) vai ter que resolver esses impasses que estão cada vez mais graves entre Legislativo, Judiciário e Executivo. Existe uma interferência burocrática na ação econômica do Estado que a gente precisa discutir“ (‘Valor’; 02-05-2013)

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