Caros Amigos, 13 de agosto de 2013
O Português não veio do Latim!
Por Marcos Bagno
As línguas são fenômenos eminentemente sociais e, portanto, políticos. A tentativa de algumas escolas teóricas modernas de estudar a língua como uma estrutura autônoma, abstrata, independente de seus falantes e de suas interações redundou em grande fracasso. Afinal, “a língua” não existe: o que existe são seres humanos de carne e osso que interagem em situações sociais e culturais concretas por meio da linguagem.
A marca do político no discurso sobre a língua é evidente na tradição de estudos da história do português. Aprendemos (e ensinamos) que “o português veio do latim” e que, na fase mais remota, existiu uma língua chamada “galego-português”. Mas essas afirmações e esse nome tentam contornar um fato histórico facilmente comprovável: o português é simplesmente o galego com outro nome.
Para começar, uma data: no ano de 1143 surge o reino de Portugal, independente da coroa de Leão e Castela, à qual o pequeno território inicial (entre o rio Douro e o rio Minho) prestava vassalagem. No entanto, quando buscamos no dicionário Aurélio o verbete “galego-português”, o que encontramos é: “[Língua] Atestada pelo menos desde o séc. VIII, os primeiros documentos nela conhecidos e redigidos por inteiro datam do séc. XI. No séc. XII Portugal, mas não a Galiza, torna-se independente de Leão e se estende para o S., criando-se assim uma fronteira política que, no séc. XIV, já seria também uma fronteira linguística: ao N., o galego, e ao S., o português”.
Esse verbete exibe incoerências, a começar pelo próprio nome dado à língua. Se ela é “atestada pelo menos desde o séc. VIII”, quando ainda não existia a entidade política chamada Portugal e se somente no século XIV se estabeleceria uma “fronteira linguística” entre o galego e o português, por que chamar a língua de “galego-português” e não simplesmente de galego, uma vez que a entidade político-geográfica chamada Galécia existia desde a época dos romanos?
Apenas no século XIX é que os estudiosos portugueses vão criar uma denominação para essa língua única em que foi produzida a rica literatura trovadoresca medieval. Essa denominação será galego-português. Ora, esse nome não aparece em nenhum documento antigo. Ao contrário, quando se faz alguma referência à língua da poesia medieval, o nome que aparece é galego. O termo galego-português foi cunhado como uma espécie de compromisso ideológico entre duas tensões: o reconhecimento de que a língua da poesia medieval era basicamente o galego, e o anseio, de inspiração nacionalista, de incorporar aquela produção literária ao patrimônio cultural do povo português.
A situação marginalizada do galego decerto contribuiu para que os portugueses do século XIX não sentissem estímulo em reconhecer e assumir a evidência de que o português era e é a continuação histórica da língua galega, levada cada vez mais para o sul, à medida que os reis portugueses expandiam seu território. Não seria digno de um povo soberano e conquistador ter como ancestral uma língua de campônios rudes, uma língua sem prestígio. Daí a designação galego-português. Por isso, não é correto, do ponto de vista histórico-geográfico, afirmar, como fazem todas as gramáticas históricas, que “o português vem do latim”. O português vem do galego — o galego, sim, é que representa a variedade de latim vulgar que se constituiu na Gallaecia romana e na Galiza medieval.
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