quarta-feira, 27 de março de 2013

Chipre: teste para cobrar dos correntist​as as dívidas dos bancos



27 de março de 2013 (www.msia.org.br)



Chipre: teste para cobrar dos correntistas as dívidas dos bancos

       


Mario Lettieri e Paolo Raimondi, de Roma




A provação de Chipre é a prova cabal da incompetência de Bruxelas e da "Troika" (Fundo Monetário Internacional, Comissão Europeia e Banco Central Europeu) para lidar com a crise financeira e bancária na Europa. Com ela, os eurocratas têm sido capazes de mostrar toda a sua arrogância, com o apoio dos europeus "duros" que querem aplicar o rigor apenas para salvar os bancos inadimplentes.
O sistema bancário de Chipre, a meio caminho entre a legalidade e a condição de paraíso fiscal, está cheio de dinheiro - boa parte, de proveniência não muito clara. De acordo com o FMI, o sistema tinha ativos de 152 bilhões de euros - equivalente a cerca de oito vezes o PIB do país. Os depósitos bancários, favorecidos por impostos baixos e controles ainda mais frouxos, equivaleriam a 68 bilhões de euros, dos quais 40% em mãos de russos. O Cyprus Bank e o Cyprus Popular Bank, os dois maiores bancos cipriotas, estão em sérios problemas, com prejuízos de bilhões de euros em títulos de dívida gregos. Obviamente, também é concebível que o risco de insolvência se deva à acumulação de dívidas causadas por especulações malsucedidas.
O governo cipriota tem de lidar com a crise orçamentária, da mesma forma como os demias países europeus da zona do Mediterrâneo. São necessários cerca de 17 bilhões de euros. Quem paga? O Mecanismo de Estabilidade Europeu, que é o fundo de resgate criado para tais situações? Ou o governo cipriota, que não tem dinheiro e não pode pedir emprestado sem violar o pacto de estabilidade europeu?
A alternativa seria a insolvência - e a quebra - dos bancos. Mas a Europa não quer; ficaria evidente o "lixo" existente dentro do sistema bancário estreitamente interligado. Por sua vez, o governo cipriota não quer correr o risco de que a ilha venha a perder a sua função de sistema "quase offshore", que atrai capitais em busca de "paraísos fiscais" perto de casa.
Por outro lado, a proposta de tributar os titulares de contas correntes parece ser a mais provocadora e menos eficaz. Provocadora, principalmente, para os correntistas russos. E, na verdade, impactaria negativamente as relações entre a Europa e a Rússia, num momento em que é mais urgente que os dois lados mantenham uma frutífera colaboração nos campos da infraestrutura, indústria e comércio. E ineficaz e injusta com os correntistas cipriotas, convocados a pagar a conta do resgate dos bancos, que estão em crise devido ao comportamento especulativo, não sancionado, mas tolerado pelas autoridades competentes nacionais e europeias.
Os bancos em crise não são "caixas fechadas", para ser salvos de qualquer maneira. Desde a falência do Lehman Brothers, se sustenta que, para situações semelhantes, é necessária a intervenção de um "síndico de massa falida ", que saiba distinguir nos bancos em dificuldades as partes saudáveis a ser salvas e as engrenagens corroídas a ser colocadas fora do jogo. Esta abordagem, portanto, requer a separação dos bancos comerciais dos de investimento, para garantir que a poupança dos indivíduos e famílias não seja usada para o jogo especulativo, mas apenas para investimentos produtivos.
Por isso, o caso de Chipre pode ser uma oportunidade para a definição de novas regras. A política de chantagem dos "puristas", de um lado, e dos bancos que se sentem "muito grandes para quebrar", do outro, só pode levar ao caos econômico e social. De qualquer maneira, a abordagem de Bruxelas frente ao Chipre será um teste para o conjunto da Europa, podendo estabelecer um perigoso precedente em que os cidadãos e os poupadores seriam considerados "garantes de último recurso" e, portanto, chamados a pagar as contas das dívidas feitas pelos bancos!
Sintomático é o comportamento do Commerzbank, o segundo maior banco alemão, que, como se sabe, apresentou uma proposta para tributar os ativos financeiros dos italianos em 15%, de modo a manter a dívida pública do país apenas abaixo de 100% do PIB. Trata-se do mesmo banco que, em 2008, foi resgatado com dinheiro público, tornando-se quase um banco estatal (na verdade, o governo de Berlim detém 25% de suas ações). É o mesmo banco que, no momento da explosão da crise da dívida soberana, possuía uma grande parcela dos 541 bilhões de euros em títulos da Irlanda, Portugal, Grécia e Espanha, controlados pelo sistema bancário alemão. É comum que se meta o bedelho nos assuntos dos outros, quando não se quer encontrar soluções concretas para os seus problemas e, portanto, se pretende desviar as atenções deles.
É realmente impossível que se tenham regras comuns para o sistema bancário e financeiro global? É possível se começar a partir da Europa e, posteriormente, envolver outros atores internacionais. A protelação do problema e o acúmulo de casos singulares só podem levar a crises cada vez mais graves.

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