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terça-feira, 24 de outubro de 2023
domingo, 22 de outubro de 2023
'É hora de chamar Israel pelo que é: um estado terrorista'
The Intercept Brasil, 21 de outubro de 2023
'É hora de chamar Israel pelo que é: um estado terrorista'
"A maior ameaça somos nós. Ou, mais precisamente, o sistema de autoaniquilação que vem sendo desenvolvido". A frase é de Tamir Pardo, ex-chefe do serviço de inteligência israelense Mossad.
Ele se junta a uma longa lista de heróis de alta patente das forças de segurança de Israel que há décadas fazem um alerta ao mundo: seu país tem repetidamente escolhido o território em detrimento da paz, e isso está destruindo Israel e fazendo-o perder sua humanidade.
O problema? "Nosso governo não reconhece os palestinos como um povo", disse Ami Ayalon, ex-chefe da Marinha e da agência de inteligência Shin Bet.
Por isso, o atual ataque de Israel a Gaza não é "adequado". É, como diz o israelense Raz Segal, especialista no tema,"um caso exemplar de genocídio". Mais de 800 acadêmicos de Direito concordam.
Enquanto a ONU alertava que "palestinos correm o sério risco de uma limpeza étnica em massa", os EUA vetaram um cessar-fogo. O único voto contra a paz veio do principal aliado de Israel.
"Os militares podem nos defender, mas não nos proteger”, disse Ayalon. “Não entendemos a diferença."
O pior de tudo é que isso era totalmente evitável. Sempre que Israel aumentava sua repressão sistemática contra palestinos e extinguia qualquer esperança de solução política, como tem feito nos últimos meses, todos os lados alertavam que uma resposta violenta era inevitável. Em 2017, Pardo chamou a situação de uma "bomba-relógio". Israel decidiu desarmá-la com uma marreta.
O assassinato de mais de 1,5 mil crianças palestinas por Israel também não pode ser considerado uma "reação" ao ataque do Hamas. É a escalada de uma campanha implacável de violência e desapropriação.
Até agosto, Israel havia matado ao menos 34 crianças palestinas na Cisjordânia, segundo a Human Rights Watch — mais que o dobro de crianças israelenses mortas pelo Hamas. Por que, então, a ofensiva do Hamas nunca é citada na imprensa como uma "resposta ao terror israelense"? Parece que Israel não é o único a não enxergar a humanidade dos palestinos.
Que fique claro: nada disso justifica o fato de o Hamas matar civis. Tampouco pode-se justificar, como vem fazendo a mídia nacional e internacional, o assassinato de milhares de palestinos inocentes como uma mera e razoável "reação ao Hamas".
Nós deveríamos nos concentrar no massacre dos civis palestinos, pois este é o crime que temos o poder de prevenir. Essas pessoas estão sendo torturadas por um estado cada vez mais fanático e extremista, cujos líderes acreditam ter direito divino sobre a terra.
O ministro da Defesa disse:"Estamos lutando contra animais". Já o primeiro-ministro prometeu transformar Gaza em uma "ilha deserta" e "mudar o Oriente Médio" ao ordenar que mais de um milhão de civis deixassem suas casas ou enfrentassem a morte — quer empurrá-los até o Egito.
Os palestinos e os judeus merecem viver em paz. Nenhum deles tem o direito de manter uma colônia onde um grupo étnico tem mais direitos do que os outros. Ninguém pode mais negar que é isso que o sionismo, a filosofia fundante de Israel, encarnou na prática. Não basta acabar com os bombardeios. Temos que acabar com a subjugação dos palestinos.
Nem o ataque do Hamas, nem o Holocausto podem justificar a devastação desumana que Israel tem infligido aos palestinos desde 1948. É uma desonra para a memória de nossos ancestrais judeus usar seu sofrimento para justificar a opressão e o genocídio de outro povo. Israel não representa a vontade do povo judeu como um todo. Suas ações são abomináveis. Palestina livre!
Andrew Fishman, co-fundador e presidente
'O que é o sionismo cristão e por que ele alimenta a direita no Brasil'
'O que é o sionismo cristão e por que ele alimenta a direita no Brasil'
Por Magali Cunha, jornalista e doutora em Ciências da Comunicação. É pesquisadora do Instituto de Estudos da Religião (ISER) e colaboradora do Conselho Mundial de Igrejas.
De um modo geral, na compreensão mais tradicional dos evangélicos no Brasil, baseada na leitura literalista da Bíblia, Israel é o povo escolhido de Deus, um povo especial. É a interpretação desta leitura que se dá de forma diferenciada.
Uns grupos leem que, com a vinda de Jesus, o Antigo Testamento da Bíblia precisa ser relido à luz dos evangelhos e a compreensão sobre o povo escolhido se amplia e este passa a ser os seguidores de Jesus, a Igreja.
Outros leem as profecias bíblicas de que a restauração do mundo por Deus se dará quando Israel estiver plenamente assentado em sua terra e compreendem que a formação do Estado de Israel em 1948 foi o início da realização delas.
Portanto, quando o povo eleito tomar plenamente toda a terra que lhe pertence, reconhecerá nela, finalmente, Jesus como o Messias, Deus restaurará o mundo e salvará seus seguidores.
Um ponto-chave é que há uma carga ideológica fortíssima nesta segunda concepção. É uma LEITURA DESCONTEXTUALIZADA QUE PROPAGA QUE O ISRAEL RECONSTITUÍDO EM 1948 É O MESMO ISRAEL DA BÍBLIA.
O povo palestino e os demais povos daquele território que não saíram de lá em diáspora, e também pertencem à tradição narrada na Bíblia são desprezados. Desconsidera-se, entre outros pontos, ainda as misturas provocadas pelas transformações geopolíticas em tantos séculos: quem ficou e quem saiu em diáspora passou por mudanças.
Com isso, estes grupos cristãos, EQUIVOCADAMENTE, CREDENCIAM O ATUAL ESTADO DE ISRAEL COMO SE ESTE FORA O ISRAEL DA BÍBLIA. Apoiam incondicionalmente suas ações e políticas, ainda que sejam consideradas práticas genocidas em relação aos palestinos, alvo maior da conquista territorial em jogo.
Nesta perspectiva teológica-ideológica emergem as práticas judaizantes no Cristianismo evangélico que se configuram um APEGO MAIOR À LEITURA DO ANTIGO TESTAMENTO, onde estão os relatos e ensinamentos religiosos do Israel bíblico. ISTO RESULTA NA DIMINUIÇÃO DA FIGURA DE JESUS, DE SEUS PRINCÍPIOS DE DESPOJAMENTO e MISERICÓRDIA, e do símbolo da cruz.
Em oposição, PASSA A PREDOMINAR A FIGURA DO REI DAVI, fundador de Jerusalém, SUAS OPERAÇÕES MILICIANAS DE OCUPAÇÕES DE TERRAS, símbolos da monarquia, como trono, domínio, riquezas, a imagem de Deus como Senhor dos Exércitos, o Templo de Salomão, entre outros.
Esta simbologia se manifesta não só na pregação religiosa e nas canções gospel, mas também na linguagem visual, com bandeiras de Israel, que decoram altares, e ícones como a arca da aliança. Este discurso materializa, em especial, as conhecidas Teologia do Domínio e da Prosperidade.
Tudo isto é alimentado com inúmeras excursões religiosas à chamada “Terra Santa”, território de peregrinação cristã, que inclui Jerusalém e alguns sítios na Palestina, como a destacada Belém.
Nesta construção, o mundo árabe ou a religião islâmica, incluindo a Palestina, são apresentados como as maiores ameaças ao Povo de Deus. Já os judeus e Israel são um dos principais símbolos dos cristãos ultraconservadores. Israel é visto como um muro, uma barreira defensiva contra ameaças do Oriente (uma conspiração islâmica-comunista) para conquistar o Ocidente.
Propaga-se, como explica o professor Michel Gherman, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, um judeu e um Israel imaginários. Este judeu imaginário é religioso, conservador, de direita. O Israel imaginário é visto como representante de tais valores.
Nesta cosmologia de direita, não há lugar para judeus seculares, para judeus de esquerda, para judeus liberais. Um judeu secular ou um judeu ateu não é considerado um verdadeiro judeu. A direita cristã, portanto, cria o seu verdadeiro judeu, construindo uma identidade judaica a partir de uma agenda conservadora específica baseada em leituras evangélicas, especialmente pentecostais.
Nesta lógica, também não cabem os cristãos palestinos. Sua existência não é sequer considerada, muito menos uma atitude solidária diante do massacre que vivenciam há décadas e das atuais crueldades que lhes têm sido impostas por Israel em reação aos ataques extremistas do Hamas.
Este é um PROCESSO IDEOLÓGICO, DESINFORMATIVO, que acaba não sendo restrito ao ambiente religioso. Ele se agrava, em tempos como os atuais, com um conflito armado em curso, COM AMPLA COLABORAÇÃO DA COBERTURA NOTICIOSA SELETIVA PRÓ-SIONISMO ANTI-PALESTINOS.
A passos largos de volta ao passado
Quando a ONU foi fundada, em 1945, já se sabia que o direito de veto no Conselho de Segurança era uma espécie de pecado original, que iria condenar o Conselho à paralisia sempre que as grandes potências não estivessem de acordo. Sem o direito de veto, porém, nem o Yankeestão, nem a URSS, teriam admitido a existência da ONU.
Na ausência de um organismo internacional capaz de ter uma atuação efetiva - como a ONU, tragicamente, tem se mostrado -, o mundo acaba por retroagir àquela situação de antes da existência das Nações Unidas. E isto conduziu a humanidade para duas guerras mundiais.
À medida que o sistema internacional sofre essa erosão contínua, cada vez nos aproximamos mais do mundo tal como ele era antes de 1914, no qual é o poder daqueles que têm armas atômicas que ditam as regras. E como estas potências estão em posições antagônicas, a chegada da III Guerra deixa de ser uma possibilidade e passa a ser uma certeza.
O discreto charme da magistocracia
Conrado Hübner Mendes, professor da USP, considerado uma pedra no sapato dos privilégios e maus hábitos das togas, em especial dos tribunais superiores, lançará em novembro pela Ed. Todavia uma coletânea com artigos que publicou na imprensa nos últimos anos denunciando o que batizou de “magistocracia”: “a aristocracia de toga”.
Hübner se tornou conhecido pelas críticas precisas e mordazes a ministros, juízes, procuradores e advogados que adotam expedientes questionáveis na rotina judicial.
Em 'O discreto charme da magistocracia: vícios e disfarces do judiciário brasileiro', Hübner desenvolve suas críticas à classe de operadores do direito, que considera ter cinco características: autoritária, autocrática, autárquica, rentista e dinástica, o que inclui “benefícios remuneratórios” e “favoritismo familiar”.
São 88 artigos, inicialmente publicados na Folha de S.Paulo e na extinta revista Época. Os textos vão de 2010, com “Onze ilhas”, até junho deste ano, com “Se o ministro é pai, contrate o filho”.
Um dos alvos dos apontamentos de Hübner nos últimos anos, o ex-PGR Augusto Aras, indicado por Jair Bolsonaro, moveu uma queixa-crime contra o professor. O processo foi arquivado no início deste mês pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Cúpula da Paz do Cairo
O Estado sionista usurpador das terras palestinas e o Yankeestão esnobaram a Cúpula da Paz do Cairo, organizada pelo Egito, neste sábado (21).
A reunião conta com presidentes, monarcas e ministros de vários países, mas Israel não enviou ninguém e o governo da plutocracia apenas destacou uma diplomata sem qualquer influência.
O Egito havia convidado o presidente Lula para o evento. Mas, recuperando-se de uma operação, ele ordenou que seu chanceler, Mauro Vieira, representasse o país.
Irmãos Coragem
Um dos pontos altos da novela 'Irmãos Coragem' foi a sua trilha sonora. Espetacular! Foi a segunda novela da Globo a ter uma trilha original, produzida especialmente para a obra.
Sua produção musical coube a Nelson Motta, que já havia assinado a trilha de 'Véu de Noiva'. Ele montou um repertório que incluía músicas originais – como o tema de abertura, de mesmo nome, 'Irmãos Coragem' -, que conquistou o país.
Entre músicas que compostas por nomes que iam de Tim Maia a Villa-Lobos, houve até canja dos atores. Regina Duarte cantou Minhas Tardes ao Sol, de Paulinho Machado, e Cláudio Cavalcanti, a música Menina, Paulinho Nogueira, tema de Jerônimo e Potira.
A música 'Irmãos Coragem' foi encomendada a Nonato Buzar e Paulinho Tapajós, e interpretada por Jair Rodrigues. A letra era tão forte que só foi utilizada no capítulo 31, quando João Coragem encontra o diamante. Antes disso, usava-se apenas a melodia em arranjo instrumental.
Outro destaque da trilha sonora foi a canção Menina, de Paulinho Nogueira. Cláudio Cavalcanti conta que gravou a música a pedido da autora Janete Clair. A composição foi tema do casal Potira (Lúcia Alves) e Jerônimo (Cláudio Cavalcanti).
(Fonte: https://memoriaglobo.globo.com/.../trilha-sonora.ghtml)
'Irmãos Coragem'
Compositores: Nonato Buzar & Paulinho Tapajós
Intérprete: Jair Rodrigues
(Estribilho)
Manhã, despontando lá fora
Manhã, já é sol, já é hora
E os campos se abrindo em flor
E é preciso coragem
Que a vida é viagem
Destino do amor
Abre o peito, coragem, irmão
Faz do amor sua imagem, irmão
Quem à vida se entrega
A sorte não nega seu braço, seu chão
(Estribilho)
O rumo, a raça, a roda, o rodeio
O rio, a relva, o risco, a razão
Mas quem à vida se entrega
A sorte não nega seu braço, seu chão
(Estribilho)
O rumo, a raça, a roda, o rodeio
O rio, a relva, o risco, a razão
Mas quem à vida se entrega
A sorte não nega seu braço, seu chão
Irmão, é preciso coragem
Irmão, é preciso coragem
https://www.youtube.com/watch?v=3OjUkO0jj3c
Quase metade das mortes de crianças e adolescentes palestinas registradas neste século em conflitos na Faixa de Gaza ocorreu nas duas últimas semanas.
Foram mortos ao menos 1.524 menores na região no atual confronto, ou 46,7% do total de 3.265 jovens vítimas desde o ano 2000.
O número de óbitos de pessoas com menos de 18 anos em 15 dias de guerra é quase três vezes o total de menores mortos no ano com mais vítimas até então.
Beatles or Rolling Stones?
Paul: - Nós chegamos primeiro!
Mick: - Nós ainda estamos aqui!
Keith: - Eu estarei aqui depois de vocês!
'Nada contra a guerra', por Janio de Freitas
https://www.poder360.com.br/opiniao/nada-contra-a-guerra/
Os acontecimentos políticos mais traumatizantes neste século foram derrotas impostas por 2 contingentes pequenos de civis contra duas das mais poderosas aglomerações de armamentos e militares já existentes – a Al Qaeda contra os Estados Unidos em 11 de setembro de 2001 e o Hamas contra Israel no recente 7 de outubro.
As consequências do 1º incluíram de reviravoltas nos conceitos de segurança interna e de ameaça externa até alterações nos relacionamentos internacionais, com 3 guerras. Duas de ocupação, do Iraque e do Afeganistão pelos Estados Unidos, e uma invasão temporária, na Líbia, de ingleses e franceses com colaboração dos norte-americanos.
A incerteza do futuro que se constrói em torno da guerra entre Israel e o Hamas é perturbadora, tantos são os formatos possíveis e os riscos perceptíveis. Até agora não se viu providência alguma da comunidade internacional para deter a progressão da tragédia e dos riscos. Muito ao contrário.
A ida de Joe Biden a Israel, não importa o que tenha dito aos ouvidos inválidos de Netanyahu, submeteu-o a uma humilhação direta, na recusa dos governantes de Jordânia, Arábia Saudita e Egito de recebê-lo para a reunião agendada. Três aliados dos Estados Unidos, politicamente mais próximos dos “países ocidentais” que dos demais árabes.
A inversão de atitude insinua uma recomposição do mundo muçulmano com influência no desenrolar da guerra e na distribuição mundial de poder. A capacidade de Biden para lidar com tal problema ficou evidenciada na semana anterior: pediu, como convinha, reação proporcional de Israel – e mandou os 2 maiores porta-aviões com uma esquadra contra o Hamas.
O noticiário norte-americano atribuiu a suspensão do encontro na Jordânia ao ataque, com mais de 470 mortes, a um hospital da Faixa de Gaza. Biden avalizou a explicação oficial de Israel, de que foi “um foguete da Jihad Islâmica que errou o alvo”. Para isso, Israel precisaria saber qual era o alvo pretendido, sem êxito, pelos lançadores árabes.
Além disso, levantamento do Washington Post encontrou 11 ataques a hospitais por Israel nos atuais bombardeios. O jornal O Globo identificou, até 4ª feira (18.out.2023), “57 ataques em unidades de saúde, com danos a 26 hospitais”, “sem contar o Hospital Al-Ahli”. Afinal de contas, bombardear um hospital não pode ser problemático para quem decide cortar a água, a eletricidade, alimentos e medicamentos de hospitais e de mais 2,3 milhões de seres humanos.
A resolução proposta pelo Brasil ao Conselho de Segurança da ONU, para evitar o “iminente colapso humanitário” citado pela Organização Mundial da Saúde, teve a sabedoria de propor apenas uma “pausa humanitária”, e não uma improvável trégua. Seria o bastante para a entrada da centena de caminhões com ajuda paralisados no Egito, às portas da Faixa de Gaza.
Os Estados Unidos foram o único país a vetar a resolução. É quase inacreditável. E a desumanidade foi ainda enfeitada pelo cinismo da alegação: apesar de crítica ao ataque do Hamas, a proposta não ressaltava o direito de defesa de Israel.
Isso não estava em questão. A causa e o objetivo da proposta brasileira, assim como o tema em discussão no conselho, era uma fórmula de socorro humanitário aos submetidos à falta do mais vital. E ainda: bombardeio a áreas civis não defende Israel.
A nota da embaixada israelense no Brasil tem o bom-senso de reconhecer que “deve ser feita uma forte separação entre a organização terrorista Hamas e os palestinos”. É o que falta Israel fazer.
quinta-feira, 12 de outubro de 2023
'Tantura 1948: O massacre que Israel não conseguiu apagar'
Este artigo, agora republicado, foi originalmente publicado no website
(mppm-palestina.org) em 28 de Janeiro de 2022 por ocasião da estreia do filme de
Alon Schwarz.
'Tantura 1948: O massacre que Israel não conseguiu apagar'
Na noite de 22 para 23 de Maio de 1948, uma semana após o estabelecimento do Estado de Israel, o 33º batalhão da Brigada Alexandroni lançou um ataque contra a aldeia palestina de
Tantura, utilizando fogo de metralhadoras pesadas seguido de um ataque de infantaria. O combate foi de curta duração mas, após a rendição dos aldeãos, as milícias sionistas procederam ao massacre de mais de duas centenas de prisioneiros desarmados. A notícia do massacre era conhecida do lado palestino, mas sistematicamente negada pelo lado israelita.
Uma tese de mestrado de Theodore Katz, um aluno da Universidade de Haifa, que confirmou a ocorrência do
massacre com base em dezenas de testemunhos de sobreviventes palestinos e de
milicianos sionistas, foi denegrida e o seu autor perseguido em tribunal. O
historiador Ilan Pappé, professor de Katz, defendeu a veracidade da tese o que
lhe valeu a expulsão da Universidade de Haifa e o exílio em Inglaterra, onde é
professor na Universidade de Exeter. Mas o tema do massacre de Tantura voltou à
actualidade, com enorme ressonância, com a estreia mundial do filme 'Tantura',
do realizador israelita Alon Schwarz, no Festival de Cinema de Sundance, no dia
20 de Janeiro de 2022. Schwarz partiu das gravações áudio de Katz e reuniu novas
entrevistas com vários ex-soldados e outras testemunhas que confirmam o massacre
e fornecem detalhes aterradores. *Antes, durante e depois de 1948 Até 1948,
Tantura era uma tranquila aldeia costeira, nas encostas do Monte Carmelo, no
Norte da Palestina. Tinha cerca de 1700 habitantes que viviam da pesca e do
cultivo de cereais e pomares de citrinos, bananas e outras árvores de fruto. A
sua localização ditou o seu destino. Em 11 de Maio de 1948, David Ben-Gurion
ordenou à milícia sionista Haganah que procedesse à «limpeza» de Tantura e
outras aldeias que constituíam um enclave árabe na estrada entre Telavive e
Haifa. A Brigada Alexandroni foi encarregada da tarefa com as consequências que
hoje se conhecem. Poucas semanas depois da limpeza étnica de Tantura, um grupo
de colonos sionistas estabeleceu aí o kibbutz de Nahsholim. Instalaram-se nas
casas dos palestinos mortos ou expulsos e fizeram a colheita dos cereais e dos
frutos que estes tinham cultivado. No ano seguinte, novo grupo de colonos fundou
o moshav de Dor, um pouco mais a sul. Sobre as ruínas de Tantura ergue-se hoje a
estância balnearia de Dor, que serve os dois povoamentos, e é um local de
atracção turística. O seu parque de estacionamento foi construído sobre a vala
comum onde foram sepultadas as vítimas do massacre de Maio de 1948. *A tese de
mestrado de Katz Em Março de 1998, enquanto estudante na Universidade de Haifa,
Theodore Katz submeteu uma tese de mestrado ao departamento de história do Médio
Oriente com o título «O Êxodo dos Árabes das aldeias no sopé do Sul do Monte
Carmelo, em 1948». Katz, então nos seus cinquenta anos, recebeu uma nota de 97%.
A tese foi depositada na biblioteca da universidade e o autor pretendia
prosseguir com os estudos de doutoramento. A investigação de Katz, com base em
testemunhos compilados em 140 horas de entrevistas áudio com dezenas de
testemunhas judias e árabes das batalhas, confirmou os relatos palestinos de que
o massacre em Tantura ocorreu em duas fases. Depois de os chefes da aldeia terem
declarado a rendição, os soldados correram as casas matando qualquer pessoa que
encontrassem. Isto terá deixado uma centena de aldeões mortos. Dos restantes, os
homens em idade de combate – mais de uma centena – foram levados para a praia,
onde foram interrogados e executados. Em Janeiro de 2000, o jornalista Amir
Gilat requisitou a tese de Katz à biblioteca da universidade e publicou um
artigo sobre o massacre no jornal Maariv. O artigo causou celeuma. Para além do
processo de calúnia iniciado pela Associação de Veteranos Alexandroni, a
universidade decidiu criar uma comissão para reexaminar a tese de mestrado. A
nova comissão decidiu desqualificar a tese. Katz sofreu um derrame cerebral
apenas semanas antes da sua primeira audiência em tribunal. O processo judicial
questionou a exatidão dos testemunhos orais sobre os quais as suas afirmações
foram fundadas. Katz, actualmente ainda vivo, embora de saúde precária, afirma
ter sido coagido a escrever uma retratação, o que ele diz ser o seu maior
arrependimento. Reclamou quase imediatamente, mas a sua reclamação não foi
aceita. As confissões de membros da Brigada Alexandroni recolhidas por Alon
Schwarz no seu filme vêm confirmar a veracidade da tese de Teddy Katz: soldados
da Brigada Alexandroni massacraram homens desarmados depois de a batalha ter
terminado. Os acontecimentos de Tantura tiveram também um impacto profundo na
carreira de Ilan Pappé. Sendo o único acadêmico da Universidade de Haifa a sair
publicamente em defesa de Katz, entrou em confronto com a sua instituição, o que
o levou a deixar o país e a restabelecer a sua carreira na Universidade de
Exeter, no Reino Unido. *O filme de Schwarz O filme baseia-se muito nas
gravações áudio de Teddy Katz, mas Schwarz também registou em vídeo entrevistas
com vários antigos soldados, muitos agora na casa dos 90 anos, assim como
acadêmicos, kibutzniks, a juíza do processo contra Katz e sobreviventes
palestinos. Alguns antigos soldados sentem alívio ao relatar os atos de guerra
que testemunharam ou em que participaram em Tantura, outros dizem que não se
lembram ou recusam-se a falar sobre isso. Adam Raz, um investigador no Instituto
Akevot para a Investigação do Conflito Israel-Palestino que assessorou o
realizador, relata, em artigo publicado no Haaretz de 20 de Janeiro, alguns dos
testemunhos apresentados no filme. De acordo com Moshe Diamant, um antigo
soldado, os aldeões foram mortos a tiro por um «selvagem» usando uma
submetralhadora, no final da batalha. Quando do processo contra Katz, os antigos
soldados compreenderam tacitamente que iriam fingir que nada de anormal tinha
ocorrido após a conquista da aldeia. «Nós não sabíamos, não ouvíamos. Claro que
todos sabiam. Todos eles sabiam.» Outro ex-soldado, Haim Levin, relata que um
membro da unidade passou por um grupo de 15 ou 20 prisioneiros de guerra «e
matou-os a todos». Diz ter ficado horrorizado, e perguntou aos companheiros o
que se passava. «Não fazes ideia de quantos [de nós] esses tipos mataram»,
disseram-lhe. Micha Vitkon, outro soldado da brigada, falou de um oficial «que
em anos posteriores foi um grande homem no Ministério da Defesa. Com a sua
pistola, ele matou um árabe a seguir a outro. Estava um pouco perturbado, e isso
foi um sintoma da sua perturbação». Segundo Vitkon, ele fez isso porque os
prisioneiros recusaram-se a divulgar onde tinham escondido as armas restantes na
aldeia. «O que quer?», pergunta Shlomo Ambar, que subiria ao posto de
brigadeiro-general e chefe da Defesa Civil, o precursor do actual Comando da
Frente Interna. «Que eu seja uma alma delicada e fale de poesia? Afastei-me. E é
tudo. Já chega.» Ambar, falando no filme, deixou claro que os acontecimentos na
aldeia não tinham sido do seu agrado, «mas porque não falei na altura, não há
razão para eu falar sobre isso hoje». No que Adam Raz considera ser um dos
testemunhos mais deprimentes no filme, Amitzur Cohen fala dos seus primeiros
meses como combatente na guerra: «Eu era um assassino. Eu não fiz prisioneiros.»
Cohen relata que se um pelotão de soldados árabes estivesse de pé com as mãos
levantadas, ele matava-os a todos. Quantos árabes é que ele matou fora do quadro
das batalhas? «Eu não contei. Eu tinha uma metralhadora com 250 balas. Não sei
dizer quantos.» Os testemunhos dos soldados da Brigada Alexandroni juntam-se ao
testemunho escrito por Yosef Ben-Eliezer há cerca de duas décadas. «Eu fui um
dos soldados envolvidos na conquista de Tantura. Eu estava ciente dos
assassinatos na aldeia. Alguns dos soldados mataram por sua própria iniciativa,
sem obedecer a ordens.» Eliezer foi um Judeu alemão sobrevivente do Holocausto
que emigrou para a Palestina, combateu na Haganah e mais tarde se tornou
pacifista e converteu-se ao cristianismo. *Um parque de estacionamento sobre uma
vala comum Os frequentadores da Praia de Dor talvez não saibam que por baixo do
local onde estacionaram o seu carro estão os restos mortais de duas centenas de
palestinos, vítimas do massacre de 1948, porque isso lhes foi ocultado pelos
sucessivos governos israelitas. Mas agora, para o seu filme, Schwarz recolheu
testemunhos e documentos que comprovam que após o massacre as vítimas foram
enterradas numa vala comum escavada no cemitério local e que se encontra agora
debaixo do parque de estacionamento de Praia de Dor. O filme apresenta também a
conclusão de peritos que não só determinaram a localização exacta da sepultura
mas também estimaram as suas dimensões: 35 metros de comprimento, 4 metros de
largura. Documentos obtidos nos arquivos de Israel mostraram que, na sequência
do ataque, o quartel-general do exército tinha ouvido receios de que o grande
número de cadáveres não enterrados em Tantura pudesse levar a um surto de febre
tifóide. O comandante militar no local foi repreendido por não ter tratado
adequadamente do enterro dos corpos dos Árabes, Mas em 9 de Junho, o comandante
de uma base vizinha tranquilizou: «Ontem verifiquei a vala comum no cemitério de
Tantura. Está tudo em ordem.» *Um ataque mal planejado? Num artigo de Jonathan
Cook, publicado na Electronic Intifada em 3 de Junho de 2015, ele revela que
Ilan Pappé acredita que a extensão do massacre em Tantura ocorreu como resultado
de uma operação de expulsão mal planejada. As expulsões faziam parte do Plano
Dalet, que fez com que mais de 500 aldeias palestinas fossem etnicamente limpas
pelas forças sionistas em 1948. A maioria foi mais tarde arrasada e as suas
terras passaram para comunidades exclusivamente judaicas. Os seus habitantes
formaram a maior parte dos 750.000 refugiados cujo regresso Israel proibiu até
hoje. Segundo Pappé, em vez de atacar Tantura por três lados, como aconteceu
noutros locais, empurrando a população para norte, em direcção ao Líbano e à
Síria, a brigada cercou a aldeia, não deixando aos habitantes nenhuma rota de
fuga. Tantura, observou Pappé, era a maior e mais significativa das aldeias numa
zona costeira entre Haifa e Tel Aviv que os líderes israelitas queriam que
fossem esvaziadas da população palestina. Das 64 aldeias palestinas da área,
apenas duas, Fureidis e Jisr al-Zarqa, ambas perto de Tantura, foram autorizadas
a sobreviver após intensa pressão das comunidades judaicas vizinhas, que queriam
os aldeões como força de trabalho. Das muitas dezenas de massacres perpetrados
pelas milícias sionistas entre 1947 e 1949, só dois se comparam a Tantura em
dimensão: Deir Yassin, perto de Jerusalém, e Lydd, actualmente a cidade de Lod,
de maioria judaica, perto do aeroporto Ben-Gurion. De acordo com os relatos dos
historiadores e das pessoas envolvidas, os outros dois massacres em grande
escala - em Deir Yassin e Lydd - ocorreram em circunstâncias diferentes, e foram
provavelmente mais planeados. Deir Yassin foi atacada no início de Abril de 1948
pela milícia sionista Irgun, comandada por Menachem Begin, que viria a ser
primeiro-ministro de Israel. O ataque vitimou mais de uma centena de palestinos.
O objectivo era semear tanto medo que os habitantes de outras aldeias fugissem
sem lutar. Três meses depois, em 11 de Julho, na cidade de Lydd, soldados sob o
comando de Yitzhak Rabin, que também viria a ser primeiro-ministro e prêmio
Nobel da Paz, dispararam sobre habitantes refugiados numa mesquita, fazendo pelo
menos 176 vítimas. *Para que a memória não se apague Em Maio de 2015, cerca de
300 ativistas reuniram-se no parque de estacionamento da Praia de Dor numa
tentativa de pôr fim ao longo silêncio sobre Tantura imposto à memória colectiva
dos israelitas. O evento é descrito por Jonathan Cook no artigo já citado. Os
manifestantes depositaram coroas de flores no parque de estacionamento, marcando
o local da vala comum no cemitério da aldeia, onde foram enterrados os mais de
200 palestinos executados na noite de 22 de Maio de 1948, e depois fizeram uma
curta marcha através de uma área onde outrora se encontravam as 250 casas de
Tantura. A marcha terminou na praia, onde em 1948 muitos dos aldeões tinham sido
interrogados antes de serem mortos. Os organizadores esperavam pressionar as
autoridades israelitas para permitir que a minoria palestina israelita erga no
local um memorial permanente às vítimas. A pouca distância, existe há décadas um
monumento com os nomes dos 13 combatentes sionistas que terão morrido no ataque
a Tantura. Entre os presentes estavam alguns sobreviventes do massacre de 1948
que tinham sido poupados por serem crianças. Um dos sobreviventes, Mahmoud Amar,
de 73 anos, que tinha seis na altura do massacre, ficou muito emocionado com a
cerimônia comemorativa: «Tenho aqui muitos parentes enterrados debaixo do
alcatrão, que são invisíveis para todos estes visitantes que pensam neste lugar
simplesmente como uma estância de férias. Chegou a altura de dar aos mortos o
respeito que merecem.» *Também estiveram presentes Ilan Pappé e Teddy Katz.
Katz, sentado numa cadeira de rodas, fez um breve discurso à entrada do hotel de
Nahsholim, em que chamou «vergonhosos» aos acontecimentos em Tantura e pediu
desculpa em nome dos Israelitas. Para Pappé, Tantura foi um teste à vontade dos
Israelitas de abandonar as suas narrativas tradicionais sobre a Nakba, isto é,
que os refugiados tinham deixado as suas aldeias em grande parte por vontade
própria e que o exército de Israel era «o mais moral do mundo».
https://www.youtube.com/watch?v=HNtrUjUNkJw
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