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Justificando, 10 de agosto de 2015
A prisão de José Dirceu é o alimento para as almas sedentas por vingança
Por Wagner Francesco, teólogo e acadêmico de Direito.
Falo de José Dirceu não porque eu gosto dele. Realmente não gosto, não me inspira, não me ensina nada – ou melhor: ensina-me o quão perigoso e sedutor é o canto do poder. Falo do Dirceu porque é um exemplo bastante atual de como escolhemos pessoas para serem nossas inimigas e de como estamos dispostos, para destruir estes inimigos, a enterrar princípios democráticos e direitos humanos. Falo do Dirceu porque quando vejo alguém, mesmo que eu não nutra nenhuma simpatia, sendo atacado fico a pensar: e se fosse o contrário? E se o atacado fosse eu? E este é o problema de escolhermos inimigos e querermos o fim deles a todo custo.
Pois bem, José Dirceu já estava preso (em regime domiciliar) e perguntam: é possível ser preso estando preso? A prisão do José Dirceu não é algo impossível de acontecer, pois ele é acusado de cometer novo crime – logo, se ele estava em domiciliar por causa do mensalão, ele pode voltar à cadeia por causa do Petrolão. Isto é: ele estava cumprindo um tipo de pena - domiciliar - por um crime e volta à cadeia por outro. Tranquilo, afinal de contas em nosso ordenamento jurídico temos a progressão e a regressão da pena. Se ele for condenado no Petrolão, soma-se o tempo que vai cumprir deste com o que faltava no outro crime.
Pois bem, o problema, pelo menos no caso do Dirceu, é que não está sendo observado o artigo 312 do CPP. Este artigo pressupõe que se o acusado estiver em liberdade ele pode vir a criar problemas para o andamento do processo. Só que... Regime Domiciliar não é liberdade. E menos liberdade ainda para o Dirceu que vive vigiado em especial pela mídia.
De início, eu rejeito o argumento que a decretação da preventiva é necessária quando há demonstração de prova da existência de crime. Enquanto há demonstração de prova de existência, esta demonstração está submissa ao princípio constitucional da Ampla Defesa, pois é preciso que o acusado demonstre a inexistência destas provas. Isto porque toda demonstração é a apresentação de um fato, só que, como diz Nietzsche, não existem fatos mas apenas interpretação do fato. Há casos, claro, de que a demonstração de prova torna a preventiva urgente, como violência doméstica, por exemplo. Mas prisão preventiva de alguém que é vigiado o tempo todo e que foi denunciado por Delação Premiada? É quase tão perigoso como prender um cego que foi denunciado anonimamente sob alegação de que ele assiste pornô infantil.
E ainda mais: não basta ter o fumus commissi delicti, mas é preciso que pressupostos sejam observados.
Agora veja:
O artigo 312 do Código de Processo Penal aponta os requisitos que podem fundamentar a prisão preventiva:Pois então, o Dirceu, em Regime Domiciliar, é incapaz de executar quaisquer destas três hipóteses acima relacionadas. Ele não pode cometer novos crimes, pois não exerce nenhum cargo; ele não pode atrapalhar o andamento do processo, pois é o tempo todo vigiado; e nem pode, muito menos, fugir.
a) garantia da ordem pública e da ordem econômica (impedir que o réu continue praticando crimes);
b) conveniência da instrução criminal (evitar que o réu atrapalhe o andamento do processo, ameaçando testemunhas ou destruindo provas);
c) assegurar a aplicação da lei penal (impossibilitar a fuga do réu, garantindo que a pena imposta pela sentença seja cumprida).
Repito: não basta ter indícios do cometimento do crime, mas é preciso ter indícios de que há possibilidade do cometimento dos pressupostos para a prisão preventiva.
O problema é que o José Dirceu é tratado como inimigo da pátria e, sendo assim, a prisão dele visa garantir a ordem pública. Ordem pública que muitas vezes é confundida com “atender aos anseios da sociedade”. Acontece, porém, que eu concordo com o Fernando Tourinho da Costa, em seu livro Processo Penal, (p. 510 – ed. 2003) quando diz que
Quando se decreta a prisão preventiva como “garantia da ordem pública, o encarceramento provisório não tem o menor caráter cautelar. É um rematado abuso de autoridade e uma indisfarçável ofensa à nossa Lei Magna, mesmo porque a expressão “ordem pública” diz tudo e não diz nada.Em outras palavras, a preventiva fundamentada pela conveniência da ordem pública é inconstitucional, pois fere a presunção de inocência ao funcionar como antecipação de pena.
Trago duas frases de dois grandes advogados criminalistas:
"Uma pessoa que está cumprindo pena não pode atentar contra a ordem pública, a não ser que se admita que o Estado não consegue promover a segurança pública." Antônio Carlos de Almeida Castro, Kakay
“É um absurdo falar que ameaça a ordem pública quem está cumprindo prisão domiciliar com tanta circunspecção.” Arnaldo Malheiros Filho
Acho que deveria acabar com a preventiva? Não! Acho que a preventiva tem que ser decretada com mais seriedade e não distribuída como se distribui sorrisos em campanha eleitoral – aliás, o que tem de gente sorrindo e fazendo campanha eleitoral com esta prisão do Dirceu...
Comecei dizendo que pouco me importa se é o José Dirceu, pois poderia ser qualquer um. E é justamente isto que eu quero que reflitamos: e se fôssemos nós os acusados de um crime e tivéssemos uma preventiva decretada? O Direito Penal talvez seja uma das melhores áreas para exercitamos o “tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós” (Mateus 7:12).
Com grande maestria escreveu Gustavo Badaró o seu texto “Por que não comemoro a prisão do José Dirceu”. Na ocasião ele disse
Nada disso me alegra. Sinto-me triste, e muito. A pena, mesmo quando justa, é motivo de tristeza, pois não há como deixar de trazer consigo sofrimento. E não só para o preso, mas para seus familiares e para aqueles que dele gostam. Por outro lado, a pena, por mais severa que seja, não restaura a perda da vítima, restituído a vida ceifada. Prender não cura a lesão. A prisão não elimina a violação da mulher estuprada. E, no caso em discussão, não aumenta a riqueza do cofre público saqueado, sendo ao final comprovada a acusação. Não. Pena é mal, mais mal, e um pouco mais de sofrimento.E finaliza:
Não se comemora sofrimento. Guarde a deliciosa bebida e estoure a rolha quando tiver algo algo bom para festejar. Descobrirá que o gosto das borbulhas de felicidade é bem melhor que o Brut de um sofrimento.Poderia encerrar com esta frase do Badaró, mas termino dizendo que o Processo Penal deve ser observado com seriedade e executado seja para nossos afetos ou desafetos. Não devemos, hipnotizados pelo ranço da vingança, comemorar violação de direitos e sofrimento alheio. O Processo Penal é para mim e para você, para quem você odeia e para quem você ama: na exata medida de igualdade. Não permita que o desejo por vingança macule as regras democráticas.
E claro, não poderia deixar de fazer este comentário:
A prisão do Dirceu demonstra um país extremamente vingativo e sem vergonha. Eu conheço um monte de gente metida num monte de malandragem e que está comemorando a prisão do Dirceu. Isto é: não é pelo combate à corrupção que esta gente luta, mas pelo combate contra certos indivíduos. O que é triste!
CartaCapital.com, 20/08/2012
Delenda est Dirceu
Por Leandro Fortes
O único e verdadeiro drama do julgamento do “mensalão” diz respeito a uma coisa que todo mundo já sabe: não há uma única prova contra o ex-ministro José Dirceu na denúncia apresentada ao STF pelo procurador-geral da República Roberto Gurgel. Nada. Nem uma única linha. Nem um boletim de ocorrência de música alta depois das 22 horas. Nadica de nada.
Mas, sob pressão da mídia, o STF tem que condenar José Dirceu.
Pode até condenar os outros 36 acusados. Pode até mandar enforcá-los na Praça dos Três Poderes. Mas se não condenar José Dirceu, de nada terá valido o julgamento. A absolvição de José Dirceu, único caminho possível a ser tomado pelos ministros do STF com base na denúncia de Gurgel, irá condenar seus acusadores de forma brutal e humilhante. Quilômetros de reportagens, matérias, notas e colunas irão, de imediato, descer pelo ralo por onde também irá escoar um sem número de teses do jornalismo de esgoto.
A absolvição de José Dirceu irá jogar a mídia sobre o STF como abutres sobre carne podre com uma violência ainda difícil de ser dimensionada. Algo que, tenho certeza, ainda não se viu nesse país. Vai fazer a campanha contra José Dirceu parecer brincadeira de ciranda.
Por isso, eu não duvido nem um pouco que José Dirceu seja condenado sem provas, com base apenas nesse conceito cafajeste do “julgamento político” – coisa a que nem o ex-presidente Fernando Collor de Mello foi submetido.
Para quem não se lembra, ou prefere não se lembrar, apesar de afastado da Presidência da República por um processo de impeachment, Collor foi absolvido pelo STF, em 1992. O foi, justamente, porque a denúncia do então procurador-geral da República, Aristides Junqueira, era uma peça pífia e carente de provas. Como a de Roberto Gurgel.
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Por que o ódio da imprensa?
Por Gilson Caroni Filho
Em raras ocasiões, na conturbada história política brasileira, houve tamanha unanimidade em torno de qual deve ser o destino de um ator político relevante. Diariamente, em colunas e editorias dos jornalões, em solenidades com acadêmicos e políticos de extração conservadora, em convescotes de fim-de-semana da burguesia “cansada”, todos os que chegam aos holofotes da mídia proferem a mesmíssima sentença: é preciso banir de uma vez por todas da vida pública o ex-ministro José Dirceu.
O comando dessa unanimidade é pautado por um curioso senso de urgência. Não há pressa para atenuar os problemas estruturais do país e suas estruturas arcaicas. Só se fala em ação imediata quando o assunto é condenar o “chefe da quadrilha”, montada a partir do Palácio do Planalto para comprar apoio político no Congresso. Poucas vezes, em um lance da política, tantos conseguem perder ao mesmo tempo e na mesma dimensão. Na sua sanha inquisitorial, a grande imprensa dá mostras de pusilanimidade, de um espetáculo de fraqueza para dentro de si mesma e de leviandade para fora. Sai em frangalhos, mas persevera no que considera uma questão de honra.
Pouco importa que falte materialidade e provas, é preciso requentar o noticiário para criar condições políticas que permitam ir adiante. Mas afinal o que move o ódio a José Dirceu? O que o torna inimigo público de um esquema de forças que, em passado recente, foi impecável em sua trajetória de encurralar o país, em nome do desvairado fundamentalismo de mercado?
Desde 2002, paira sobre Dirceu o estigma de maquiavelismo. Seria apenas um homem de poder, basicamente orientado para sua conservação, um homem do contingente, que não faz política para a história? Os fatos e o decurso do tempo respondem à acusação. O que torna impossível à grande imprensa aceitar um retrato favorável do ex-ministro é a sua originalidade como operador político de esquerda.
Todos sabemos que um fato notável da política brasileira é que, apesar de sucessivos deslocamentos políticos, desde a redemocratização do país, a hegemonia dos processos de transição encontra-se com a mesma burguesia, condutora do golpe de 1964. Hábil nas transações com o capital estrangeiro, das quais auferiu vantagens para fortalecimento próprio, a burguesia brasileira não foi menos sagaz no manejo do jogo político.
Comprova-o a obra-prima que foi a eleição de Tancredo Neves (por mecanismo antidemocrático imposto pelo regime militar), os anos Collor e os dois mandatos de FHC. Para termos noção do que isso representou, até o PT, oposto à coligação tancredista, não deixou de sentir a sua pressão, que lhe provocou rachaduras parlamentares e perda de apoio em setores expressivos da classe média.
Desde a política de alianças que levou Lula à presidência, em 2002, às articulações na Casa Civil, Dirceu frustrou expectativas que alimentavam os cálculos das elites desde sempre encasteladas nas estruturas do Estado. O PT que chegava ao poder seria um partido atordoado por suas divisões internas e mergulhado em indefinições estratégicas. Um desvio de curso que não teria vida longa.
A direita apostava na incapacidade do PT em administrar o pragmatismo de um estado corrupto e patrimonialista, como o nosso. Lembram-se do Bornhausen e do Delfim? Previam, no máximo, dois anos de governo para o PT em meio a crises institucionais. Coube ao Zé Dirceu, o “mensaleiro”, a função de viabilizar a governabilidade de Lula e não permitir que esse governo fosse vítima de crises agudas e sucessivas.
Quando Dilma Vana Rousseff, oito anos depois, foi eleita a primeira mulher presidente da República do Brasil, com mais de dez pontos de vantagem sobre seu adversário, José Serra, muitos exaltaram a força do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Do alto de seu capital político, Lula teria passado por cima do PT, escolhido sua candidata e conseguido eleger como sucessora uma ex-assessora de perfil técnico, estabelecendo um fato inédito: o terceiro mandato presidencial consecutivo para um mesmo partido eleito democraticamente.
Nada disso está incorreto, mas peca pela incompletude. Ferido, contundido nos seus direitos, o operador político José Dirceu teve um papel fundamental para o aprofundamento da democracia brasileira. Talvez, quando o então presidente do TSE, Ricardo Lewandowski, confirmou oficialmente a vitória de Dilma, Dirceu tenha cantarolado os versos de Aldir Blanc: “Mas sei / que uma dor assim pungente / não há de ser inutilmente”.
Questões de justiça são questões de princípio. Ao contrário do que pensam a imprensa golpista, seus intelectuais orgânicos e acadêmicos subservientes.
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