O PT e os teimosos fatos
Elvino Bohn Gass
Um dos bons debates que se trava no Brasil atual diz respeito ao comportamento dos grandes veículos de comunicação. Discussão que só não se amplia porque é interditada por quem mais poderia se beneficiar dela, a própria mídia. Em alguns países, contudo, esta contenda fez nascer mecanismos de controle público tão positivos que, recentemente, grandes conglomerados de mídia fecharam suas portas porque, simplesmente, não cumpriam o dever de informar.
Se a imprensa trabalha com fatos, é adequado que a analisemos a partir daquilo que deveria ser sua matéria-prima: os fatos.
A eles, então:
Dias antes do primeiro turno da eleição municipal, o colunista Josias de Souza, da Folha de São Paulo, afirmava: “...Serra e Haddad subestimaram Russomano; custaram a perceber que ele era mais do que se havia imaginado...”.
O fato: Russomano ficou fora do segundo turno. Para ficar no mesmo verbo, a Folha subestimou os vencedores do primeiro turno.
No jornal Estado de São Paulo, Dora Kramer sentenciava: “...Lula não é mais aquele, sua liderança se esvai e sua influência míngua...” O mesmo Estadão, em editorial do dia 30 de setembro, sob o sugestivo título “Lula está definhando?” via o seguinte cenário: “...o esfarelamento petista nas eleições municipais, resultante da mão pesada de Lula...” E no Globo, Merval Pereira previa: “...a mais complicada eleição paulistana pode acabar deixando de fora da disputa Fernando Haddad, o candidato que o ex-presidente tirou do bolso de seu colete, outrora considerado milagreiro. Terá sido a primeira vez em que o PT não disputará o segundo turno na capital paulista, derrota capaz de quebrar o encanto que se criou em torno das qualidades quase mágicas do líder operário tornado presidente...”
Tivemos, também, Cláudio Humberto, categórico: “...apadrinhado de Lula, Haddad esperava atropelar Serra com a entrada da presidente Dilma e de Marta Suplicy na campanha. Deu chabu...” e “...o comando petista acha que Haddad empacou porque o escândalo do mensalão virou campeão de audiência no horário eleitoral gratuito...”. Mais: Marco Antonio Villa garantia: “...o grande perdedor é o Lula. Até agora, ele fracassou em suas principais movimentações. Se a candidata fosse Marta Suplicy em São Paulo, ela estaria no segundo turno...”
O fato: o candidato de Lula na maior cidade do país, São Paulo, começou a corrida eleitoral com 2% nas pesquisas, nunca havia disputado uma eleição e era desconhecido de boa parte da população. Lula o tomou pela mão e saiu pelas ruas de São Paulo. Haddad recebeu 1 milhão e 700 mil votos, foi para o segundo turno e as pesquisas, agora, o apontam como favorito com 47% das intenções de voto.
De novo, o Estadão. Duas semanas antes da eleição, José Roberto Toledo prenunciava: “...um resultado possível a sair das urnas é o PT, desgastado pelas condenações do mensalão, perder espaço nas capitais...” De novo, o Globo. Na semana que antecedeu o pleito Ricardo Noblat lançava enquete para saber os motivos pelos quais “...pesquisas mostram o PT fraco nas capitais...” Nestes jornalões, ganharam destaque, ainda, as falas de João Ubaldo Ribeiro “...ele [Lula] insistirá e talvez ainda o vejamos perder outra eleição em São Paulo. Não a do Haddad, que aparentemente já perdeu....” e de Fernando Gabeira “...ao longo de minhas viagens observei que o mensalão não havia afetado as eleições municipais. Mas o processo está em curso. Algumas cidades já estão afetadas, como São Paulo e Curitiba. Nesta ocorre algo bastante irônico: o candidato Gustavo Fruet (PDT) é acusado de ter o apoio do PT e por isso perde votos...”
Sentiu falta de Veja? Ei-la no twitter: “...derrocada do PT e disputas acirradas marcam eleições...”
O fato: O PT saiu da eleição como o campeão absoluto em número de votos: 17 milhões e 300 mil, quase um milhão a mais do que em 2008, quando fez 16 milhões e 500 mil. E das cidades onde há segundo turno, o PT foi o partido que mais obteve vitórias – 8 (oito) – seguido pelo PSDB e PSB que obtiveram 5 (cinco) cada um. Tomando-se apenas as Capitais, incluindo São Paulo com Haddad, o Partido dos Trabalhadores venceu numa e está no segundo turno em outras sete. A propósito, Fruet está no segundo turno em Curitiba.
A esta imprensa cuja bola de cristal só projeta o que diminui o PT, sempre sobrará o recurso de lançar mão do velho ditado “Cabeça de juiz, fralda de bebê e urna, reservam sempre uma surpresa”. Sejamos honestos: não é este o caso. Até porque, premida, agora, pela realidade dos fatos (ah, os teimosos fatos...) a mesma imprensa nos apresenta manchetes do tipo: “PT resiste a ataques sobre mensalão e reacende força de Lula nas eleições” ou “Peso do mensalão nesta eleição foi próximo de zero” ou ainda “PMDB é campeão em número de prefeitos, PT vence em total de votos”.
Para Luís Nassif, tudo isto compõe “um retrato que seria-cômico-se-não-fosse- trágico de ‘especialistas` que não conseguem entender seu país e seu povo, porque não têm o menor interesse em fazê-lo – só em participar do jogo político, da maneira mais escancarada possível.”
Já o historiador inglês Timothy Garton Ash, em seu livro “Os fatos são subversivos”, afirma que se o parlamento britânico soubesse a verdade (os fatos) sobre o Iraque – que o país de Saddam não possuía armas nucleares - muito provavelmente não teria autorizado o governo da Inglaterra a juntar forças com os Estados Unidos para aquela invasão genocida.
Nassif está corretíssimo. Mas penso que a formulação de Ash, por ser tão cínica quanto boa parte de nossa imprensa, é ainda mais adequada para a análise das previsões catastróficas sobre o desempenho do PT na eleição. Nenhuma delas se realizou porque o povo não pensa e não sente como a imprensa. Mas não se assuste se, na vã tentativa de se justificar, você acabe por ler algo que tente nos fazer crer que os fatos é que são subversivos.
Se a imprensa trabalha com fatos, é adequado que a analisemos a partir daquilo que deveria ser sua matéria-prima: os fatos.
A eles, então:
Dias antes do primeiro turno da eleição municipal, o colunista Josias de Souza, da Folha de São Paulo, afirmava: “...Serra e Haddad subestimaram Russomano; custaram a perceber que ele era mais do que se havia imaginado...”.
O fato: Russomano ficou fora do segundo turno. Para ficar no mesmo verbo, a Folha subestimou os vencedores do primeiro turno.
No jornal Estado de São Paulo, Dora Kramer sentenciava: “...Lula não é mais aquele, sua liderança se esvai e sua influência míngua...” O mesmo Estadão, em editorial do dia 30 de setembro, sob o sugestivo título “Lula está definhando?” via o seguinte cenário: “...o esfarelamento petista nas eleições municipais, resultante da mão pesada de Lula...” E no Globo, Merval Pereira previa: “...a mais complicada eleição paulistana pode acabar deixando de fora da disputa Fernando Haddad, o candidato que o ex-presidente tirou do bolso de seu colete, outrora considerado milagreiro. Terá sido a primeira vez em que o PT não disputará o segundo turno na capital paulista, derrota capaz de quebrar o encanto que se criou em torno das qualidades quase mágicas do líder operário tornado presidente...”
Tivemos, também, Cláudio Humberto, categórico: “...apadrinhado de Lula, Haddad esperava atropelar Serra com a entrada da presidente Dilma e de Marta Suplicy na campanha. Deu chabu...” e “...o comando petista acha que Haddad empacou porque o escândalo do mensalão virou campeão de audiência no horário eleitoral gratuito...”. Mais: Marco Antonio Villa garantia: “...o grande perdedor é o Lula. Até agora, ele fracassou em suas principais movimentações. Se a candidata fosse Marta Suplicy em São Paulo, ela estaria no segundo turno...”
O fato: o candidato de Lula na maior cidade do país, São Paulo, começou a corrida eleitoral com 2% nas pesquisas, nunca havia disputado uma eleição e era desconhecido de boa parte da população. Lula o tomou pela mão e saiu pelas ruas de São Paulo. Haddad recebeu 1 milhão e 700 mil votos, foi para o segundo turno e as pesquisas, agora, o apontam como favorito com 47% das intenções de voto.
De novo, o Estadão. Duas semanas antes da eleição, José Roberto Toledo prenunciava: “...um resultado possível a sair das urnas é o PT, desgastado pelas condenações do mensalão, perder espaço nas capitais...” De novo, o Globo. Na semana que antecedeu o pleito Ricardo Noblat lançava enquete para saber os motivos pelos quais “...pesquisas mostram o PT fraco nas capitais...” Nestes jornalões, ganharam destaque, ainda, as falas de João Ubaldo Ribeiro “...ele [Lula] insistirá e talvez ainda o vejamos perder outra eleição em São Paulo. Não a do Haddad, que aparentemente já perdeu....” e de Fernando Gabeira “...ao longo de minhas viagens observei que o mensalão não havia afetado as eleições municipais. Mas o processo está em curso. Algumas cidades já estão afetadas, como São Paulo e Curitiba. Nesta ocorre algo bastante irônico: o candidato Gustavo Fruet (PDT) é acusado de ter o apoio do PT e por isso perde votos...”
Sentiu falta de Veja? Ei-la no twitter: “...derrocada do PT e disputas acirradas marcam eleições...”
O fato: O PT saiu da eleição como o campeão absoluto em número de votos: 17 milhões e 300 mil, quase um milhão a mais do que em 2008, quando fez 16 milhões e 500 mil. E das cidades onde há segundo turno, o PT foi o partido que mais obteve vitórias – 8 (oito) – seguido pelo PSDB e PSB que obtiveram 5 (cinco) cada um. Tomando-se apenas as Capitais, incluindo São Paulo com Haddad, o Partido dos Trabalhadores venceu numa e está no segundo turno em outras sete. A propósito, Fruet está no segundo turno em Curitiba.
A esta imprensa cuja bola de cristal só projeta o que diminui o PT, sempre sobrará o recurso de lançar mão do velho ditado “Cabeça de juiz, fralda de bebê e urna, reservam sempre uma surpresa”. Sejamos honestos: não é este o caso. Até porque, premida, agora, pela realidade dos fatos (ah, os teimosos fatos...) a mesma imprensa nos apresenta manchetes do tipo: “PT resiste a ataques sobre mensalão e reacende força de Lula nas eleições” ou “Peso do mensalão nesta eleição foi próximo de zero” ou ainda “PMDB é campeão em número de prefeitos, PT vence em total de votos”.
Para Luís Nassif, tudo isto compõe “um retrato que seria-cômico-se-não-fosse-
Já o historiador inglês Timothy Garton Ash, em seu livro “Os fatos são subversivos”, afirma que se o parlamento britânico soubesse a verdade (os fatos) sobre o Iraque – que o país de Saddam não possuía armas nucleares - muito provavelmente não teria autorizado o governo da Inglaterra a juntar forças com os Estados Unidos para aquela invasão genocida.
Nassif está corretíssimo. Mas penso que a formulação de Ash, por ser tão cínica quanto boa parte de nossa imprensa, é ainda mais adequada para a análise das previsões catastróficas sobre o desempenho do PT na eleição. Nenhuma delas se realizou porque o povo não pensa e não sente como a imprensa. Mas não se assuste se, na vã tentativa de se justificar, você acabe por ler algo que tente nos fazer crer que os fatos é que são subversivos.
(*) Deputado Federal PT/RS, Secretário Nacional Agrário e vice-líder da bancada do PT na Câmara.
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