Feministas apoiam nova ministra e aguardam debate sobre aborto
Najla Passos
Brasília - O movimento feminista comemorou a escolha da militante Eleonora Menicucci de Oliveira para comandar a Secretaria de Políticas para as Mulheres. Mesmo cientes das limitações próprias de quem é governo, militantes da causa acreditam que a nova ministra, que assumirá sexta-feira (10), conseguirá fazer avançar a polêmica discussão sobre a legalização do aborto no Brasil. E apontam outros muitos desafios que Eleonora enfrentará à frente da pasta.
“Sabendo da trajetória e das posições políticas dela, o governo Dilma não iria convidá-la para, depois, cercear sua atuação. Sua indicação é uma sinalização positiva de qual política o governo espera ver executada pela Secretaria de Políticas para as Mulheres”, afirma a coordenadora da organização não governamental Católicas pelo Direito de Decidir, Maria José Rosado.
Apesar de a presidenta Dilma Rousseff ter se colocado na defensiva no tema do aborto durante a eleição de 2010, Maria José acha que, o governo estaria dando sinais de que deseja no mínimo aceitar debater agora. Além da nomeação de Eleonora, ela aponta o à reforma do Código Penal, de 1940 e o recuo na MP dos nascituros.
“Não é possível que se mantenha uma legislação tão ultrapassada em relação ao aborto. O México e a Colômbia já avançaram neste sentido. Uruguai e Argentina estão fazendo o mesmo. E o Brasil está ficando para traz na América Latina”, compara.
Secretaria-geral da Articulação de Mulheres Brasileiras, Milde de Souza também aprovou a indicação de Eleonora, vista como uma "companheira". Preocupada com os limites impostos a um governo - qualquer um - possam impor à futura ministra, Milde garante que os movimentos estarão a postos para apoiá-las em suas batalhas históricas. “A pressão da Igreja e dos setores mais reacionários e fundamentalistas da sociedade tem influenciado muito este governo”, justifica.
Mesmo assim, ela acredita que, com a nova ministra, o Brasil avança em relação ao aborto. “A posição da Eleonora é muito clara de que esta é uma questão de saúde pública e que a mulher não pode ser criminalizada. Ela também é uma defensora histórica de que o país é um estado laico e, por isso, não pode ficar refém de visões religiosas”, diz.
Integrante da coordenação executiva no Brasil da Marcha Mundial das Mulheres e coordenadora da Sempreviva Organização Feminista (SOF), Nalu Faria compartilha do otimismo gerado com a indicação de Eleonora. “Temos uma boa expectativa. É importante que a SPM continue nas mãos de uma militante, que conhece a agenda feminista e, em especial, a de saúde pública da mulher. A indicação é importante não só pela sua simbologia, mas pela força que ela apresenta”, afirma.
A militante, porém, acredita que a discriminalização do aborto depende muito mais da capacidade de mobilização dos movimentos feministas e da articulação do conjunto do governo Dilma. “Além da pressão dos movimentos, precisamos de um compromisso mais global do governo. Não podemos colocar essa questão tão polêmica nas costas de uma única ministra”, afirma.
A militante lembra que a agenda da SPM, construída na 3ª Conferencia Nacional de Mulheres, realizada em 2011, é bastante ampla. Mas acredita que a futura ministra saberá priorizar temas urgentes para imprimir sua marca à gestão, que deverá conciliar continuidade e avanço. “Creio que a questão da saúde da mulher será priorizada. E também a defesa da agenda feminista no combate à crise do atual modelo de desenvolvimento, suscitada em função da proximidade da Conferência Rio + 20”, afirma.
Para Maria José, os grandes desafios da nova ministra serão reduzir a mortalidade infantil e aumentar o poder político das mulheres. Para ela, os resultados brasileiros no combate à mortalidade são ínfimos e o país tem sido cobrado internacionalmente por isso. Em relação ao empoderamento , ela acredita que o governo Dilma foi muito feliz em aumentar o número de mulheres em cargos de comando. “Mas o Brasil ainda está atrás de muitos países”, observa.
Milde de Souza acrescenta que a nova ministra precisará exercitar muito bem sua capacidade de articulação para garantir mais recursos para a pasta e convencer os outros ministérios a desenvolverem um olhar feminista sobre as políticas públicas. “A garantia de creches para as mulheres trabalhadoras, por exemplo, avançou muito pouco no primeiro ano de mandato da presidenta Dilma”.
Para a militante, se a presidenta decidiu abraçar o combate á pobreza como prioridade de governo, terá que atacar as condições de desigualdade em que persistem vivendo as mulheres brasileiras. “Há necessidade também de outras ações na área de educação, saúde, trabalho e agricultura, entre outras”.
Pró-aborto, nova ministra das Mulheres focará combate à violência
Najla Passos
Brasília - Presa e torturada política durante os anos de chumbo, a nova ministra-chefe da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci de Oliveira, tem uma posição pública, histórica e contundente a favor da descriminalização do aborto. Apesar disso, não pretende transformar o tema em bandeira no cargo que assumirá na próxima sexta-feira (10), no lugar da deputada Iriny Lopes, que tentará ser prefeita de Vitória (ES) pelo PT em outubro.
“A partir do momento em que aceitei ser governo, minha opinião pessoal não interessa. A matéria sobre a legalização do aborto diz respeito ao Legislativo”, afirmou Eleonora nesta terça-feira (7), em entrevista coletiva na qual foi oficialmente apresentada.
Consciente da polêmica em torno do assunto no país, como se viu na eleição presidencial de 2010, a nova ministra reitera seu posicionamento pessoal com a clareza de quem confia no poder de convencimento de uma informação qualificada.
“O aborto não é uma questão ideológica, mas de saúde pública, como o crack, as drogas, a dengue, a aids. É a quarta causa de mortalidade materna e a quinta de internações no SUS [Sistema Único de Saúde]", disse Eleonora, para quem qualquer pessoa de bom senso reconhece que mulheres morrem em decorrência de abortos clandestinos.
Desde 2008 integrante de um grupo de estudos sobre aborto na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), explicou: “Se o projeto sair da gaveta, o governo acompanhará, mas a responsabilidade pela sua aprovação é da sociedade civil, dependerá da pressão que ela fará”.
A organização da sociedade civil para influir nas decisões governamentais é, aliás, vista com muito bons olhos pela futura ministra, que promete manter um diálogo franco com os movimentos sociais.
Como exemplo, citou a recente alteração no texto da medida provisória que criava um cadastro obrigatório para gestantes e nascituros, para fins de atendimento no SUS.
O movimento feminista entendeu que a introdução do termo "nascituro” na política pública abriria a possibilidade de o governo controlar a prática de aborto no país.
Em conversa com Dilma na passagem da presidenta pelo Fórum Social Temático em Porto Alegre (RS), ficou acertado que a MP mudaria, o que já ocorreu. “A sociedade civil, neste caso, teve um papel fundamental. Chamou a atenção para o problema e o governo a ouviu. Foi um bom exemplo do diálogo respeitoso”, afirmou a ministra.
Segundo Eleonora, mineira de 67 anos, a “prioridade zero” da sua gestão será o combate à violência de gênero que, para ela, precisa ser ampliado nos estados e municípios e assumido como bandeira pelo Judiciário.
“O papel do governo federal é o de assessoramento, controle e monitoramento. E isso ele vem cumprindo bem”, disse a socióloga, reiterando que sua gestão será de continuidade a aprimoramento do trabalho que já vem sendo desenvolvido na pasta.
Eleonora, porém, não poupou o poder público de críticas contundentes por permitir que, ainda hoje no Brasil, mulheres sejam vítimas de violência de gênero.
Questionada se a Lei Maria da Penha precisa ser revista, foi enfática. “Precisa é ser implantada. É inadmissível que a fala de uma mulher não seja respeitada”, disse, se referindo à burocracia exigida pelas delegacias e pelo Judiciário para aprovar medidas de proteção, em casos de ameaça.
Eleonora é amiga de longa data da presidenta Dilma Rousseff. As duas foram vizinhas em Belo Horizonte (MG), cursaram a mesma universidade e dividiram uma cela durante a ditadura militar, quando ambas foram presas e torturadas.
“Quem passou pelo que passamos na ditadura cresce, amadurece e não esquece nunca. São marcas que nos tornam mais fortes. E ao nos tornar mais forte também nos torna mais sensíveis ao debate, sensíveis à espera sem se sentar numa cadeira esperando a banda passar. É uma espera com ação. Uma coisa que se aprende no íntimo de cada um de nós na tortura e na cadeia é a solidariedade”, disse Eleonora.
A futura ministra, porém, foi categórica ao afirmar que a sua militância e o seu trabalho acadêmico é que a credenciam para assumir a pasta. “Ter vivido a ditadura e abraçado a causa da luta pelas mulheres me dá muito orgulho. E é por isso que estou aqui. Não aceitaria o cargo e nem a presidenta Dilma me convidaria só por sermos amigas”.
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