Este Troccoli sim, indubitavelmente, foi um torturador e assassino. E a ele o Governo fascista italiano trata de proteger.
Correio do Brasil, 12/1/2011
Redação
Em setembro do ano passado, o ministro da justiça da Itália, Angelino Alfano, negou-se à extraditar Troccoli para o Uruguai, alegando que ele é cidadão italiano, tomando como base jurídica um tratado assinado entre os dois países em 1879. O mesmo governo que se nega a extraditar o torturador, condenado pela Justiça uruguaia, é o mesmo que se considera ofendido pela não extradição de Battisti, apesar da decisão seguir as normas do Direito e da legislação brasileira, que por sua vez se baseia em uma série de convenções internacionais.
Editor do sítio na internet Gramsci e o Brasil, Luiz Sérgio Henriques relata, em artigo publicado no blog Conteúdo Livre, que “não faltaram pressões diplomáticas do governo uruguaio, recursos às instâncias do Judiciário italiano, etc., mas o governo de Berlusconi parece irredutível na sua decisão sobre Troccoli, ‘o Battisti uruguaio’, no dizer do jornal L’Unità“.
“O contexto italiano dos anos 1970, no qual se desenrolaram os episódios que levaram à condenação de Cesare Battisti, tem sido descrito com uma certa superficialidade nesta nova e acirrada batalha entre defensores e críticos da recente medida do ministro Tarso Genro, que deu refúgio político àquele militante do PAC — os Proletari armati per il comunismo. Considera-se que a Itália de então era uma ditadura e que se justificava, contra tal ditadura, a resistência armada, ou ainda que se viviam tempos revolucionários, a serem consumados com o recurso à “crítica das armas”, pretensa antessala do comunismo. Considera-se ainda que, hoje, tal como dito pelo ministro Tarso Genro, a Itália viva algo semelhante a um estado de exceção, incapaz de zelar pela integridade física de um prisioneiro ou, então, disposto a fazer desencadear contra ele injustificável perseguição política” afirma.
“Um elemento se juntou a este conjunto de fatores, e com ele entramos plenamente no nosso tema. Setores subversivos da extrema direita intensificaram sua velha ‘estratégia da tensão’, iniciada ainda nos anos 1960, partindo para uma sequência de atentados e carnificinas que não poupavam vítimas civis e até buscavam intensificar o número destas. Era a marca do “terrorismo negro”, a de matar indiscriminadamente, como quando, já no final de 1980, explodiu-se a estação ferroviária de Bolonha — uma infame ‘punição’ contra uma cidade símbolo do PCI e então modelo de vida cívica e de economia plural e inovadora.
“A estes setores somou-se, gravemente, uma miríade frequentemente confusa de organizações de extrema esquerda, das quais a mais conhecida são as Brigadas Vermelhas, responsáveis pelo ainda hoje obscuro e sob muitos aspectos inexplicado assassinato de Aldo Moro, o político democrata-cristão mais aberto a entendimentos com o PCI. A marca deste “terrorismo vermelho” era uma certa seletividade: assassinavam-se políticos e sindicalistas, inclusive do PCI, grandes dirigentes industriais e pequenos comerciantes. Às vezes, a seletividade tinha algum requinte sádico, como quando se adotou uma nova tática para a qual se criou o vocábulo gambizzare. Como se sabe, gamba é perna, em italiano. Alvejar joelhos e pernas dos adversários passou a ser algumas vezes a nova tática dos que cogitavam chegar ao socialismo ou ao comunismo pela luta armada. Considero isso particularmente cruel. Uma perversão da política. Coisa de criminosos comuns.
“Não se trata de ‘criminalizar a oposição ou o dissenso’, como hoje tantas vezes se diz a propósito de tudo e de nada. Por tudo o que dissemos, pode-se muito bem constatar que, na tarefa comum de desestabilizar o Estado de Direito e fazer retroceder a luta política na Itália, retirando o protagonismo das massas e barrando o notável processo de socialização da política então em andamento, aliaram-se objetiva e subjetivamente o terrorismo vermelho e o negro. Uma aliança que muitas vezes foi tecida com instrumentos fornecidos por setores desviados do Estado — particularmente os serviços secretos —, por lojas maçônicas como a tristemente célebre P-2, por espiões e agentes de ambos os lados em conflito na Guerra Fria e, last but not least, pela criminalidade comum das variadas máfias e camorras. Não exagero nem julgo fatos específicos, mas Cesare Battisti é uma criatura deste momento e deste contexto.
Problema diplomático
A conclusão, segundo Roberto Cotroneo, jornalista do diário italiano de esquerda L’Unità, é que “não há nada a fazer”.
“O caso Cesare Battisti não é mais um problema diplomático entre Itália e Brasil, está se tornando algo muito mais grave”. O jornalista lembra que chamar o embaixador italiano no Brasil à Itália, para consultas, como o fez o premiê Silvio Berlusconi “é um ato duríssimo e sob certos aspectos clamoroso”.
“Neste momento, a tensão entre os dois países, com uma longa tradição de boas relações diplomáticas, parece pelo menos surpreendente. Nesta altura, Batisti certamente terminará como refugiado político no Brasil, porque nenhum país no mundo expõe-se com um parecer do seu presidente e depois recua das suas decisões. E é francamente impensável, sendo o Brasil uma das maiores potências do mundo, que a Itália interrompa as relações diplomáticas”, afirma, em artigo publicado um ano atrás.
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