WikiLeaks perde conta para doações
DAS AGÊNCIAS DE NOTÍCIAS
O serviço de pagamentos via internet PayPal desativou na madrugada de ontem a conta utilizada pelo site WikiLeaks como um dos principais canais para receber as doações usadas no financiamento de suas atividades.
A empresa americana afirmou ter desativado permanentemente a conta do WikiLeaks por causa de violações à sua política de uso.
A PayPal pertence ao site de leilões eBay e afirma operar em 190 países realizando comércio e transferências de dinheiro por meio de cartões de crédito na internet.
"Nossos serviços de pagamento não podem ser usados para nenhuma atividade que estimule, promova, facilite ou instrua terceiros de se envolverem em atividades ilegais", disse nota divulgada no blog oficial da empresa.
"Nós notificamos o dono da conta a respeito desta ação", acrescentou.
Em resposta, o WikiLeaks publicou um texto em seu Twitter afirmando que a PayPal se rendeu à "pressão do governo dos EUA".
Desde 28 de novembro, quando o WikiLeaks começou a divulgar um lote de mais de 250 mil documentos secretos da diplomacia americana, governos e empresas privadas liderados pelos EUA intensificaram ações para silenciar a organização.
A ação mais recente, anteontem, foi da empresa americana EveryDNS, que fornecia o endereço da organização na internet.
A empresa interrompeu o serviço alegando ter sido alvo de ataques e obrigou o WikiLeaks a migrar para um endereço na Suíça, e depois para a Alemanha, a Holanda e a Finlândia.
O chanceler da Austrália, Kevin Rudd, informou que a Polícia Federal abriu uma investigação contra Julian Assange e não descartou a possibilidade de que o governo suspenda o passaporte do criador do WikiLeaks, nascido no país.
Atualmente é possível acessar o site no endereço wikileaks.ch ou com os domínios .de, .nl e .fi.
Apesar do bloqueio da conta no PayPal, a organização ainda possui outros canais para levantar recursos, entre eles a fundação Wau Holland Stiftung, na Alemanha, contas bancárias na Suíça - uma delas destinada a financiar especificamente a segurança pessoal de Assange - e na Islândia, além de um endereço na Austrália.
Segundo o jornal amer cano "New York Times", o Datacell, um site semelhante ao PayPal, porém baseado na Suíça e na Islândia, ainda está recebendo doações online para o WikiLeaks.
PROTESTO
A Organização Repórteres Sem Fronteiras divulgou ontem nota sobre o caso afirmando estar chocada com o posicionamento dos EUA e da França contra a liberdade de expressão e comparou os dois países à China.
Criador do WikiLeaks só não fala de si
| Martial Trezzini-4.nov.2010/Efe |
VAGUINALDO MARINHEIRO
DE LONDRES
Julian Paul Assange, criador do site WikiLeaks, é um mistério.
O homem que consegue ser o inimigo nº dois dos EUA (atrás de Osama bin Laden) e o super-herói da "geração anti" (anti-EUA, anti-G20, antiglobalização, antiguerra, antibancos...) adora revelar o segredo dos outros, mas mantém a vida a sete chaves.
Até sua idade é motivo de controvérsia. Uma vez questionado sobre isso, disse: "Prefiro deixar os bastardos tentando adivinhar".
Sua mãe, Christine, também não dá detalhes do passado do filho e alimenta a confusão: diz que muito do que se fala são inverdades.
O pouco que se sabe sobre Assange é graças ao jornalista Raffi Khatchadourian, que o perfilou para a revista "The New Yorker" quando ele ainda não era um pop star.
Segundo a reportagem, Assange nasceu em 1971 na cidade de Townsville, na Austrália. Não há informações sobre seu pai.
A mãe viveu primeiro com um diretor de teatro, depois com um músico, com quem teve um segundo filho.
Se separaram em seguida e, com medo de perder a guarda do filho mais novo, ela pegou as duas crianças e fugiu. Viveram como nômades, sem informar ninguém sobre seus destinos.
Assange não frequentou escolas regulares, por causa das mudanças, mas também porque a mãe achava que o ensino formal acabaria com o espírito livre do filho.
Christine o educava em casa, e ele virou uma espécie de rato de biblioteca, lendo tudo o que caia em suas mãos.
Seu conhecimento diverso fica claro em algumas entrevistas, quando consegue discorrer sobre história americana, leis britânicas, literatura, matemática ou física.
Ainda adolescente, Assange se interessou por computadores e por maneiras de invadir sistemas e mostrar suas vulnerabilidades. Chegou a ser detido em 1991, na Austrália, por agir como hacker.
Aos 18 anos, teve um filho com a namorada com quem morava numa casa invadida por um grupo de jovens.
Quando se separaram, repetindo um pouco a história da mãe, se lançou numa batalha judicial pela guarda do filho. Foram cinco anos de processos, sem sucesso.
Dizem que foi nesse período que seu cabelo, que era castanho, ficou grisalho.
Hoje, depois de anos com o cabelo branco, Assange resolveu pintá-lo e reassumir o castanho original.
Em 2006, lançou o WikiLeaks. A ideia era criar um canal onde as pessoas pudessem colocar documentos que mostrassem irregularidades de governos e empresas.
Houve denúncias contra governantes do Quênia, e-mails pessoais de Sarah Palin e de climatologistas, lista de membros de um partido neonazista britânico...
Em 2010, o foco foram os EUA. Vieram a público um vídeo de soldados num helicóptero atirando contra civis em Bagdá, relatos das guerras do Afeganistão e do Iraque e, desde a segunda-feira passada, mensagens de diplomatas norte-americanos.
Assange é descrito pelos amigos atuais como um trabalhador compulsivo. Passa horas sem se levantar da cadeira e espera que alguém o traga comida.
Quando aparece para entrevistas, está sempre arrumado. Muitas vezes de terno. Mas os amigos dizem que não liga para a aparência. Quando podia viajar, levava apenas computadores, poucas roupas e muitas meias.
Por razões de segurança, troca o número do telefone celular e o e-mail com frequência. Em hotéis, muitas vezes se registrava com nomes falsos.
Agora, está de fato escondido. Dizem que em algum lugar perto de Londres.
Desde o dia 20, está na lista de procurados da Interpol, a política internacional.
A Justiça da Suécia quer ouvi-lo no inquérito em que o acusam de estupro.
Ele nega e diz que isso é fruto de perseguição e de uma campanha orquestrada pelos EUA para difamá-lo.
O suposto estupro teria acontecido em agosto, em Estocolmo. As vítimas, duas voluntárias que trabalhavam para o WikiLeaks.
ALTOS E BAIXOS
Não há dúvidas de que Assange e seu WikiLeaks sejam um sucesso de público. Desde segunda-feira, seu nome está na capa dos principais jornais do mundo.
É bastante para alguém que, segundo sua mãe, nunca quis estar na ribalta.
Na sexta-feira, o jornal "The Guardian" abriu um canal para que os leitores pudessem fazer perguntas a ele. Teve de suspendê-lo quando passavam de 900.
Alguns ofereciam dinheiro e até um quarto caso ele precisasse se acomodar.
O WikiLeaks vive de doações e hoje faz campanhas para arrecadar dinheiro para a defesa de Assange. Mas o sucesso também fez crescer o número de detratores, não apenas entre as vítimas do WikiLeaks.
Alguns de seus antigos colaboradores abandonaram o site e o acusam de ser autoritário e ególatra. Dizem que transformou um projeto coletivo em algo personificado e com um alvo fixo, os EUA.
Em entrevistas, Assange diz que esses antigos colaboradores são "idiotas" que "devem ir para o inferno".
A Folha esteve numa entrevista com Assange no final de outubro. Foi uma de suas últimas aparições públicas. Ainda não havia a ordem internacional de prisão.
Mesmo assim, ele parecia amedrontado e respondia rispidamente a muitas perguntas. Principalmente quando questionado sobre a possibilidade de colocar a vida de pessoas em risco com suas revelações.
Assumia um tom messiânico e dizia que essa era sua missão para transformar o mundo em algo melhor.
Agora, ele acredita que é sua própria vida que está em risco. Aponta o dedo para os Estados Unidos.
Se alguém de fato está tramando contra sua vida, com certeza está tomando cuidados extras para não deixar rastros que possam aparecer no WikiLeaks ou em algum dos seus filhotes.
UM HOMEM E 250 MIL SEGREDOS
OMBUDSMAN - SUZANA SINGER
UM CASAMENTO feliz - e interessado - da nova e da "velha" mídia propiciou o mais recente furo mundial: a publicação de milhares de correspondências diplomáticas norte-americanas.
O mérito maior é do site WikiLeaks, ao criar um ambiente inédito que estimula pessoas a passarem segredos de Estado. Graças à internet e a códigos de criptografia sofisticados, é possível hoje revelar uma formidável quantidade de informações confidenciais, numa velocidade e com um alcance incríveis.
Em seu terceiro furo importante, o WikiLeaks está levando a público 251.287 telegramas trocados entre a Casa Branca e 270 postos diplomáticos espalhados pelo mundo.
Com apenas quatro anos de existência, o site já havia revelado imagens e documentos impressionantes das guerras do Iraque e do Afeganistão, reproduzidos em praticamente todo o mundo. Seu fundador, o australiano Julian Assange, passou do anonimato ao rol de celebridades - é capa da última "Time", com uma sugestiva bandeira norte-americana refletida sobre a sua boca.
Mas o WikiLeaks sozinho não faz chover. Sem o prestígio da melhor mídia impressa, não teria obtido a repercussão que almejava. O site precisou "entregar de bandeja" suas informações exclusivas - e todo jornalista sabe como isso dó - para atingir seus objetivos.
Assange negociou com Guardian (inglês), El País (espanhol), New York Times (americano), Le Monde (francês) e a revista Der Spiegel (alemã), para que publicassem juntos, e aos poucos, os lotes de telegramas que ele obteve, tomando cuidado para preservar a "fonte" (quem entregou os documentos).
Coube à "mídia tradicional" transformar o material cru do WikiLeaks em notícia, interpretando e contextualizando as mensagens.
Assange tentou obter do governo Obama informações sobre códigos que identificassem esses casos específicos, mas obteve como resposta que Washington "não negociaria sobre documentos oficiais. Com o "New York Times", porém, o Departamento de Estado conversou. Deixando claro que era contra a divulgação, indicou os papéis que não poderiam sair de jeito nenhum. O jornal disse ter acatado alguns casos e outros, não.
O argumento principal foi o mesmo: que há interesse público nas mensagens, que jogam luz sobre como os EUA vêem e negociam com outros países.
Não houve represálias contra nenhum desses titãs da mídia convencional. Já contra o WikiLeaks, armou-se uma discussão sobre se o site pratica jornalismo ou faz espionagem, o que abre uma brecha para que os responsáveis sejam processados, houve pressão para que servidores deixassem de abrigá-lo e seu fundador passou a integrar a lista de procurados da Interpol.
A história mostra que ainda não é fácil - nem suficiente - ser a mídia do futuro.
A Folha foi muito bem na cobertura do vazamento dos documentos diplomáticos. O "filé mignon" das mensagens, com as notícias mais importantes, ficou com as publicações dos EUA e da Europa, num exemplo de miopia do fundador do WikiLeaks -espera-se de alguém que é da internet que pense além do eixo Nova York-Londres.
Mas o jornalista Fernando Rodrigues obteve, com exclusividade, os telegramas referentes ao Brasil. Os textos estão traduzidos na Folha.com (http://bit.ly/hguIiA).
E vem mais por aí. Assange disse ao canal "ABC News" que ainda há documentos que "vão incomodar lideranças mentirosas, corruptas e assassinas do Bahrein ao Brasil". Terão sido exemplos aleatórios?
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