terça-feira, 30 de junho de 2015

É hora de apoiar o povo grego!

 

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/e-hora-de-apoiar-o-Governo-o-grego-claro-/6/33872



Carta Maior, 29/06/2015

          

É hora de apoiar o governo (o grego, claro)


 
Por Juliano Medeiros


Quando a crise econômica de 2008 transformou-se em crise da dívida nos países do sul da Europa, a Grécia vivia um sistema político praticamente bipartidário. Como acontecia em outros países do continente, liberais e social-democratas alternavam-se de eleição em eleição, compartilhando de programas muito semelhantes.

A crise, porém, fez ruir o equilíbrio de forças e os dois principais partidos – o Partido Socialista e a Nova Democracia – foram soterrados pelos escombros da insatisfação popular. Comprometidos com o ajuste fiscal e a retirada de direitos exigidos pela Troika formada pelo Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional, os tradicionais partidos gregos foram perdendo espaço para alternativas políticas críticas ao plano de ajustes implementado desde 2008.

Na cartilha da “austeridade” imposta pela Troika estavam a demissão de funcionários públicos, o corte de aposentadorias, o aumento de impostos indiretos, dentre outras medidas que redundaram num aprofundamento da crise social e econômica.

Quando foram convocadas novas eleições para o parlamento grego, em janeiro deste ano, todos sabiam que os partidos “anti-austeridade” teriam um bom desempenho. O favorito dentre eles, o Syriza, conquistou a maioria do parlamento e compôs o governo elegendo Alexis Tsipras como primeiro-ministro.

Em seu plano para combater a crise estava uma combinação original: reverter as medidas de austeridade que retiraram direitos, livrar a Grécia da dependência em relação à Troika renegociando os termos da dívida grega e manter o país na zona do euro. O Syriza não era o único partido a denunciar os efeitos nocivos dos acordos firmados pelos governos anteriores.

Outros partidos, à esquerda e à direita, seguiam a mesma receita. Porém, o Syriza era o único a defender ferrenhamente a manutenção da Grécia na zona do euro, o que foi visto pela população como um diferencial em relação a outras forças de esquerda, garantindo a vitória de Tsipras e seu partido.

Porém, a realidade mostrou-se mais complexa do que poderiam supor os eleitores de Tsipras. Vencendo, o Syriza firmava dois compromissos de difícil conciliação: manter a Grécia na zona do euro e reverter as medidas de austeridade acordadas com a Troika. A manutenção do euro como moeda no país depende, sobretudo, da continuidade dos pagamentos da dívida grega – uma dívida absolutamente impagável.

A estratégia de Tsipras e seus negociadores foi a de pressionar publicamente os representantes dos organismos multilaterais, mostrando o alto custo social das medidas exigidas e conquistando apoio popular para o enfrentamento que travavam no exterior. A Troika, por sua vez, seguiu exigindo que a Grécia implementasse medidas de austeridade para, em troca, manter o financiamento da dívida grega e aceitar uma renegociação.

Ao mesmo tempo, no plano interno Tsipras lutou para reverter algumas das medidas que retiraram direitos do povo grego, recuperando aposentadorias, anulando demissões e restabelecendo alguns serviços básicos, como o fornecimento de gás aos mais pobres. Essas medidas, no entanto, exigem recursos que hoje o Estado não tem. Por isso a insistência de Tsipras em chegar a um acordo que permita a manutenção dos empréstimos, sem os quais a economia grega entraria em colapso – ao menos, momentaneamente. Porém, renegociando a dívida e aumentando os impostos sobre os mais ricos, como defende o Syriza, em pouco tempo o governo teria condições de se refinanciar e viabilizar a retomada dos direitos usurpados nos acordos com a Troika.

Num cenário em que a Grécia deixe de pagar a dívida, investindo esses recursos no financiamento de sua própria sua economia, o país pode ser excluído da zona do euro, o que traria como consequência a restauração da moeda anterior – o dracma – muito menos valorizada que o euro. Além disso, a saída da zona do euro representaria, simbolicamente, uma derrota do projeto vitorioso nas eleições de janeiro deste ano e o fracasso das promessas do Syriza. Mesmo que o abandono do euro possa ser compensado com outras alianças econômicas no médio prazo – como China e Rússia – fazendo do dracma uma moeda competitiva, o elemento simbólico seria forte demais, o que forçaria a convocação de novas eleições.

Nesse contexto de enormes dificuldades, o governo grego tem tido uma postura impecável: defendeu os direitos dos mais pobres, denunciou a armadilha montada pela Troika para manter o país refém de seus interesses, instalou uma comissão para a auditoria da dívida grega e recusou-se a implementar medidas que representassem qualquer ataque aos direitos sociais. Mesmo as contrapropostas apresentadas recentemente, aumentando impostos das grandes empresas e antecipando a contribuição previdenciária das mesmas, embora interpretadas pela grande imprensa como um recuo em relação ao programa do Syriza, estão dentro de limites aceitáveis para um governo que atua com uma margem de manobra tão estreita.

As negociações estão chegando a um momento decisivo. O FMI já se retirou da mesa de diálogo duas vezes e os organismos europeus recusam-se a aceitar uma renegociação da dívida grega sem que o governo retire direitos, mesmo sabendo que ela é absolutamente impagável. Querem a rendição de Atenas porque sabem que uma vitória grega nas negociações pode estimular outros povos a buscar uma alternativa radical fora da velha polarização entre direita e centro-esquerda. A concessão a uma revisão da dívida, nesse caso, é o de menos: o que está em jogo é o futuro da Europa e a contenção dos ventos de mudança que já sopram na Espanha e Irlanda.

Diante deste cenário, o governo grego optou por uma saída radical: convocar um plebiscito para que o povo grego decida a saída para o impasse. Isso porque, o mandato concedido pela soberania grega ao Syriza tinha limites claros, a saber, manter a Grécia na zona do euro sem aplicar as medidas exigidas pela Troika. Isso mostrou-se impossível, já que a Troika recusa-se a aceitar qualquer acordo que proteja os direitos dos cidadãos gregos.

O Syriza, assim, age com a máxima dignidade possível.

Se o povo grego optar pela implementação das medidas exigidas pela Troika, provavelmente o Syriza convocará novas eleições, pois não aceitará implementar um programa que não é o seu. Se, ao contrário, a maioria decidir contra as medidas de austeridade, então o Syriza estará legitimado para conduzir a Grécia para fora da zona do euro e liderar a reconstrução do país com uma nova moeda, novos parceiros comerciais e novas alianças estratégicas. Se der certo, isso abrirá as alamedas de uma nova Europa.

A firmeza de princípios com que o Syriza defendeu os interesses do povo grego até aqui merece o apoio de todos os socialistas. Ao contrário de confirmar a tese dos céticos para os quais não há saída, Tsipras e o Syriza deram uma verdadeira lição de como fazer política em favor dos mais pobres. Mostraram que “nada deve parecer impossível de mudar. Entregam agora o destino da Grécia aos gregos. Que decidam com a mesma sabedoria com que soterraram os partidos da ordem em janeiro deste ano.


Historiador, Juliano Medeiros é dirigente nacional do Partido Socialismo e Liberdade (Psol) e ex-diretor da União Nacional dos Estudantes (UNE).
 
 
 
 
Carta Maior, 29/06/2015

          

O ataque da Europa à democracia grega


 
Por Joseph Stiglitz



O crescimento exponencial de disputa e conflitualidade no seio da Europa pode parecer a quem está de fora como sendo o resultado inevitável do amargo fim do jogo entre a Grécia e os seus credores. Na verdade, os líderes europeus estão finalmente a revelar a verdadeira natureza da disputa da dívida em curso, e a resposta não é agradável: é sobre poder e democracia muito mais do que dinheiro e economia.

Claro, a política econômica por detrás do programa que a Troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) tem impingido à Grécia há cinco anos tem sido abismal, resultando num declínio de 25% do PIB do país. Não consigo pensar em nenhuma depressão que alguma vez tenha sido tão deliberada e que tenha tido tais consequências catastróficas: a taxa de desemprego entre os jovens da Grécia, por exemplo, já ultrapassa os 60%.
 
É surpreendente que a troika se tenha recusado a aceitar a responsabilidade por alguma coisa destas ou admitir o quão maus tenham sido as suas previsões e modelos. Mas, o que é ainda mais surpreendente é que os líderes europeus não tenham sequer aprendido. A troika ainda exige que a Grécia alcance um excedente orçamental primário (excluindo o pagamento de juros) de 3,5% do PIB em 2018.

Economistas de todo o mundo condenaram essa meta como punitiva, porque exigi-la resultará inevitavelmente numa recessão mais profunda. Na verdade, mesmo que a dívida da Grécia seja reestruturada para além de qualquer coisa imaginável, o país permanecerá em depressão se os eleitores se comprometerem com a meta da troika no referendo, a ser realizado sob pressão este fim de semana.

No que respeita a transformar um grande défice primário num excedente, poucos países fizeram algo parecido com o que os gregos alcançaram nos últimos cinco anos. E, embora o custo em termos de sofrimento humano tenha sido extremamente elevado, as propostas recentes do governo grego fizeram um longo caminho para serem atendidas as exigências dos seus credores.

Devemos ser claros: quase nenhum do enorme manancial de dinheiro emprestado à Grécia foi verdadeiramente para lá. Foi canalizado para pagar aos credores do setor privado – incluindo bancos alemães e franceses. O que a Grécia obteve foi uma ninharia, mas pagou um elevado preço para preservar os sistemas bancários desses países. O FMI e os outros credores “oficiais” não precisam do dinheiro que está a ser exigido. Num cenário business-as-usual, o dinheiro recebido, provavelmente, serviria para ser novamente emprestado à Grécia.

Mas, novamente, o que interessa não é o dinheiro. É sobre usar "prazos" para forçar a Grécia a ceder e aceitar o inaceitável - não apenas medidas de austeridade, mas outras políticas regressivas e punitivas.

Mas por que é que a Europa está a fazer isto? Por que é que os líderes da União Europeia estão a resistir ao referendo e a recusar-se a estender, por alguns dias, o prazo de 30 de junho para o próximo pagamento da Grécia ao FMI? Não foi a Europa toda formada em cima da ideia da democracia?

Em janeiro, os cidadãos da Grécia votaram por um governo comprometido em acabar com a austeridade. Se o governo estivesse simplesmente a cumprir as suas promessas eleitorais, já teria rejeitado a proposta. Mas queria dar aos gregos uma hipótese para refletirem sobre esta questão, tão determinante para o bem-estar futuro do seu país.

Esta preocupação com a legitimidade popular é incompatível com a política da zona euro, que nunca foi um projeto muito democrático. A maioria dos seus governos não procurou aprovação do seu povo quando entregou a soberania monetária ao BCE. Quando a Suécia o fez, os suecos disseram não. Entenderam que o desemprego subiria se a política monetária do país fosse estabelecia por um banco central que incidisse única e exclusivamente sobre a inflação (e também que houvesse uma atenção insuficiente para com a estabilidade financeira). A economia sofreria, porque o modelo subjacente à zona euro se baseou em relações de poder desfavoráveis aos trabalhadores.

E, com certeza, o que estamos a ver agora, 16 anos após a zona euro ter institucionalizado essas relações, é a antítese da democracia: muitos líderes europeus querem ver o fim do governo de esquerda do primeiro-ministro Alexis Tsipras. Afinal de contas, é extremamente inconveniente ter na Grécia um governo que é tão contrário aos tipos de política que tanto fizeram para aumentar a desigualdade em muitos países avançados, e que é tão empenhado em reduzir o poder desenfreado da riqueza. Parecem acreditar que podem, eventualmente, derrubar o governo grego forçando-o a aceitar um acordo que viola o seu mandato.

É difícil aconselhar os gregos a como votar a 5 de julho. Nenhuma alternativa – aceitação ou rejeição dos termos da troika – vai ser fácil, e ambos carregam enormes riscos. Um voto sim significa depressão quase sem fim. Talvez um país empobrecido – que já vendeu todos os seus ativos e cujo povo jovem brilhante emigrou – poderá finalmente conseguir um perdão da dívida; talvez, depois de se ter transformado numa economia de rendimento médio, a Grécia poderá finalmente receber apoio do Banco Mundial. Tudo isto pode acontecer na próxima década, ou talvez na década seguinte.

Por contraste, um voto não abre, pelo menos, a possibilidade de a Grécia, com a sua forte tradição democrática, pegar no destino pelas suas próprias mãos. Os gregos poderão ganhar a oportunidade de moldar um futuro que, embora não tão próspero quanto o passado, é muito mais esperançoso que a inconcebível tortura do presente.

Eu sei como votaria.


Tradução de Fabian Figueiredo para Esquerda.net.

Artigo publicado em Project Syndicate.
 
 

​Carta Maior, 30/06/2015

          

"É pegar ou largar": um ultimato à democracia grega


Por GuilhermeCintra Guimarães

É pegar ou largar: assim foi descrito o ultimato dado pelos credores oficiais da Grécia (a famosa Troika: Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional) ao final das negociações da semana passada sobre a extensão de um programa de ajuda financeira e recuperação econômica.

O detalhes da negociação são complexos e intrincados. Envolvem medidas como ampliação de empréstimos, metas de superávit fiscal, tributação, corte de gatos, diminuição de pensões e aposentadorias, alterações na legislação trabalhista, entre outras assim chamadas “reformas estruturais”. O mesmo receituário ortodoxo imposto há mais ou menos cinco anos atrás e cujos resultados foram definitivamente catastróficos: um quarto da economia grega foi pelos ares, 25% da população está atualmente desempregada, com mais da metade da juventude sem trabalho, a taxa de suicídio aumentou em 35% e centenas de milhares de pessoas foram reduzidas a uma situação de pobreza extrema, situação essa pouco comum entre os europeus, ao menos no período pré-crise e se desconsiderarmos as (péssimas) condições de vida de grande parte da população imigrante.
   
O curioso é que o atual governo grego, eleito em janeiro de 2015 com uma plataforma anti-austeridade e geralmente classificado, no espectro ideológico, como de “esquerda radical”, já havia aceitado a imposição de condições extremamente rigorosas, que muitos acreditam serem contrárias as suas próprias promessas eleitorais, como superávit primário crescente, alta de impostos e novos limites na concessão de pensões. O governo grego cedeu, os credores não. Eles queriam mais: mais cortes em salários e pensões, mais aumento generalizado de impostos e mais restrição de direitos trabalhistas. O recente mandato popular conferido ao governo grego parece não ter tido qualquer peso. Democracia não é, certamente, um termo comum no jargão dos “eurocratas”. Era pegar ou largar.
   
Diante do ultimato, restou ao governo grego a alternativa provavelmente mais sensata: endereçar o ultimato àqueles que sofrerão diretamente as suas consequências, isto é, à própria população grega, que deverá decidir se aceita ou não a proposta intransigente dos seus credores em um referendo a ser realizado no próximo domingo, dia 05 de julho de 2015.
   
A guerra midiática já começou. O governo grego, coerente com sua própria plataforma eleitoral, já se manifestou a favor do “não” ao ultimato e iniciou sua campanha para tentar convencer a população a seguir o mesmo caminho. Já outros líderes europeus se apressaram em advertir os gregos de que um eventual “não” significará a saída da Grécia da zona do euro, mesmo na ausência de disposições jurídicas que indiquem ser essa a consequência inevitável. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, se disse “traído” pelo governo grego e afirmou que a União Europeia está do lado dos gregos, ao contrário do governo, mesmo tendo esse mesmo governo sido recentemente eleito pela sua própria população. Para finalizar, uma declaração polêmica: “não cometam suicídio apenas pelo medo de morrer”, um “conselho” bastante infeliz, devido ao alto índice de suicídios na Grécia recente, o maior de toda a Europa.
   
Diversos fatores e hipóteses têm sido levantados para explicar a atual crise grega, crise que representa, na verdade, apenas a dimensão mais trágica de uma crise mundial de proporções muito maiores e consequências ainda imprevisíveis. Os mais comuns são: falhas no desenho original do euro, discrepância acentuada entre a situação econômica dos diversos países membros, investimentos pouco transparentes e de alto risco realizados por bancos e demais instituições financeiras europeias, corrupção e irresponsabilidade fiscal de vários dos governos no continente, até explicações mais estereotipas e preconceituosas que especulam sobre o “caráter” e a “preguiça” de inteiras nações e seus respectivos povos.
   
Se as causas da crise são múltiplas, as soluções, ou melhor, a solução proposta é apenas uma: austeridade e corte de gastos. Uma solução que, por si só, apenas contribui para retro-alimentar, ao invés de resolver, o problema inicial, aumentando o custo social da crise e contribuindo para um círculo vicioso de austeridade, que gera desemprego e retração econômica, que produzem, por sua vez, um aumento da dívida nacional em relação ao PIB, o que demanda mais austeridade, com mais desemprego e retração, e assim por diante.
   
O próprio fato de que diversos partidos em toda a Europa, sejam eles classificados como de direita ou de esquerda, elejam a pauta “auti-austeridade” como principal plataforma política diz muito sobre a atual crise e sobre o atual embate político europeu. Para além da tradicional disputa entre direita e esquerda, a agenda da “austeridade” parece aglutinar em torno de si uma plataforma política própria e auto-referente, capaz de capturar os principais partidos de “centro” atualmente no poder, ao mesmo tempo em que atrai a oposição dos extremos à esquerda e à direita, todos eles, em certa medida, “anti-austeridade”.
   
Se no plano da vida pessoal de cada um de nós, a austeridade pode ser vista como uma virtude, no atual discurso sobre a crise mundial ela é certamente um vício. Devemos separar, aqui, austeridade de responsabilidade fiscal. Responsabilidade fiscal é (ou deveria ser) sinônimo de uma boa gestão pública: transparência na gestão dos recursos e relativo equilíbrio entre receitas e despesas. O problema é que responsabilidade fiscal é apenas um dos lados da moeda, moeda em seu sentido literal mesmo, enquanto meio oficial de pagamento. Se a fiscalidade representada o seu lado público, o lado privado da moeda é representado pelo sistema financeiro, capaz de expandir e contrair o volume monetário de um país (poderíamos dizer até, de todo o globo) independentemente da vontade política de governos e do controle exercido pelos bancos centrais. A irresponsabilidade, corrupção e falta de transparência do sistema financeiro internacional está no coração da atual crise. As soluções propostas, no entanto, concentram-se quase que unicamente no lado da fiscalidade: austeridade e corte de gastos. Ou seja, o lado “público” e “nacional” da moeda e das finanças em geral. O que obviamente não irá funcionar enquanto o lado “privado” e “internacional” continuar fora do alcance dos mecanismos de controle e regulação típicos de qualquer regime democrático.
   

A crise grega é um excelente exemplo dos paradoxos da política de austeridade. A maioria dos economistas e cientistas sociais, independentemente da sua orientação ideológica, estão plenamente conscientes de que, no contexto de uma união monetária como a europeia, medidas de austeridade não resolverão os problemas da Grécia, apenas contribuirão para aprofundá-los. A população afetada pela crise também sabe, melhor do que ninguém, que essas medidas não funcionaram e não irão funcionar. A covardia política das principais lideranças europeias, assim como a mediocridade das suas respectivas “tecnocracias”, contribuem, todavia, para a manutenção do atual estado de inércia, que apenas tende a agravar o sofrimento da população grega. Cabe a essa população, portanto, e apenas a ela, decidir sobre o ultimato que lhe foi dado.
   
Já os autores do ultimato deveriam reservar um momento, ainda que breve, para a auto-reflexão. Se realmente se sentem “desconfortáveis”, “ameaçados” ou “intimidados” por um governo de “esquerda radical” – que, aliás, não propôs nada de radical, tendo se disposto a aceitar condições que muitos sequer considerariam razoáveis – o que sentirão se vierem a ser confrontados pelos movimentos verdadeiramente extremistas que têm ganhado força no continente? Diante de uma pauta de “direita radical”, com sua orientação xenófoba, racista e claramente anti-europeia, a questão da austeridade será provavelmente o menor dos problemas.

Advogado da União, Guilherme Cintra Guimarães é doutorando em Ciência Política pela “Università degli Studi Roma Tre”.​

Onde a seletividade não é um acaso, mas um método

Fleury também prestou inestimáveis serviços à Casa Grande


http://paulomoreiraleite.com/2015/06/30/seletividade-como-metodo/



30 de junho de 2015



O método seletivo da Lava Jato


Por Paulo Moreira Leite
 
 
 
Sempre que a seletividade das investigações da Lava Jato se torna um fato evidente como a silhueta do Pão de Açúcar na paisagem do Rio de Janeiro, aliados do juiz Sérgio Moro sacam um argumento conhecido: “um crime deve ser tolerado só porque outros o praticam?”
 
Inteligente na aparência, esse argumento tenta esconder uma verdade mais dura, inaceitável. Vivemos num país onde a seletividade não é um acaso — mas um método.
 
Essa visão benigna do problema ressurgiu agora, quando a delação premiada de Ricardo Pessoa, mesmo voltada para produzir provas e acusações contra o governo Dilma, Lula e o Partido dos Trabalhadores, não pode deixar de jogar luzes sobre a campanha do PSDB e outros partidos de oposição.
 
Os recursos estão lá, demonstrando que Aécio Neves recebeu mais dinheiro do que Dilma. Que Aloysio Nunes Ferreira levou uma parte em cheque, a outra em dinheiro vivo. Julio Delgado, o relator da cassação de dois parlamentares — José Dirceu e André Vargas — foi acusado de embolsar R$ 150 000 reais de uma remessa maior enviada a Gim Argello para enterrar uma das diversas CPIs sobre a Petrobras. Será a mesma que permitiu ao senador Sergio Guerra, então presidente do PSDB, levar R$ 10 milhões, uma quantia 66 vezes maior que a de Julio Delgado, para fazer a mesma coisa? Ou essa era outra CPI?
 
Não sabemos e dificilmente saberemos. A presença de altas somas nos meios políticos é uma decorrência natural das regras de financiamento de campanha, criadas justamente para que os empresários sejam recebidos de portas abertas pelos partidos e candidatos,com direito às mesuras merecidas por quem carrega uma mercadoria tão essencial, não é mesmo?
 
Não custa lembrar: justamente o PSDB foi responsável pela entrega de votos essenciais para a manutenção das contribuições de empresas privadas em campanhas eleitorais. Os tucanos gostam tanto desse tipo de coisa que, quando ocorreu uma segunda votação, na última chance para se conservar o sistema, até os dois parlamentares — só dois, veja bem –que se abstiveram na primeira vez foram chamados a fazer sua parte e não se negaram a participar de uma manobra que, além de tudo, tinha caráter anticonstitucional.
 
O PT, seletivamente investigado na Lava Jato, votou contra.
 
Não é curioso? Não seria muito mais proveitoso entender o imenso interesse tucano pelo dinheiro dos empresários, os mesmos, exatamente os mesmos, que agora são interrogados e presos por longos meses depois que resolveram ajudar o PT?
 
Isso acontece porque a seletividade não é um acidente de percurso. Está na essência de investigações de grande interesse político — como a Lava Jato, a AP 470 — porque não interessa investigar todo e qualquer suspeito num país onde o Estado “se legitima” quando atua em defesa do ” grupo dominante”, nas palavras da professora Maria Silvia de Carvalho Franco.
 
Quando você escolhe o alvo e seleciona o inimigo, a regra fundamental de que todos são iguais perante a lei, qualquer que seja sua raça, origem social ou credo, deve ser ignorada porque só atrapalha o serviço. A igualdade deve ser substituída pela seletividade.
 
No Brasil colônia, a Coroa portuguesa procurava hereges que pudessem ser julgados pela inquisição. Eles eram procurados até nos banheiros, acusados de proferir blasfêmias que ofendiam a Igreja Católica. Localizados e presos, eram conduzidos a Portugal, aprende-se nos relatos do livro Tempo dos Flamengos, do pesquisador Antônio Gonsalves (com “s” mesmo) de Mello.
 
Esse tratamento, brutal, inaceitável, era coerente com um regime absolutista, no qual homens e mulheres eram desiguais por determinação divina. A seletividade fazia parte natural das coisas.
 
Em tempos atuais, onde a democracia é um valor universal, é preciso escolher muito bem os alvos e ter noção de seu significado. Quem legitima a escolha? Os meios de comunicação, a principal correia de transmissão entre as ações do Estado e o conjunto da sociedade, que também espelha o ponto de vista do mesmo ” grupo dominante.”
 
Não vamos esquecer que os mesmos jornais e revistas que hoje glorificam Sérgio Moro e em 2012 endeusaram Joaquim Barbosa também aplaudiram o delegado Sérgio Fleury e outros torturadores que eram apresentados como caçadores de terroristas. Questão de momento, vamos combinar.
 
Se a denúncia do caráter parcial de uma investigação obviamente beneficia quem está sendo prejudicado, o problema real é muito maior. A seletividade modifica a natureza do trabalho de apuração. Deixa de ser expressão de um erro, humano como todos os outros, para se tornar um método.
 
Quando uma investigação que deveria produzir uma decisão judicial isenta se transforma numa operação política, os objetivos mudam e os resultados também. Muitos culpados são apenas “culpados”, porque sua culpa está definida de antemão e só precisa ser confirmada pelas investigações. Vice-versa para quem se torna “inocente.”
 
Para dar um único exemplo, entre vários: policiais que trabalharam para AP 470 descobriram que o ex-ministro Pimenta da Veiga recebeu R$ 300 000 de Marcos Valério, em quatro cheques caídos em sua conta, meses depois do final do governo FHC. Embora essa soma seja seis vezes superior aos R$ 50 000 que João Paulo Cunha recebeu em sua conta, cumprindo pena de prisão por esse motivo, a investigação sobre Pimenta sequer está encerrada — doze anos depois dos cheques de Valério terem caído em sua conta. O ex-ministro tucano é culpado? Suspeito? Quem saberá?

Das peculiaridades da Lava Jato

Material devidamente selecionado, embalado e despachado pela 'Moro & Companheiros Vazamentos Maquiavélicos S/A.'

Tutti buona gente, capiche?
 

 


http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/224480-meios-e-fins.shtml




Folha.com, 30 de junho de 2015


Meios e fins
Por Janio de Freitas



Mais um esmero indicativo do estilo e de propósitos inexplícitos da Lava Jato: a divulgação da populosa lista de acusados pelo superdelator Ricardo Pessoa deu-se precisamente no dia, a sexta passada, em que a presidente da República viajava para o encontro com o presidente dos Estados Unidos.

Também prevista a presença, em sua comitiva, de ministros citados pelo empreiteiro.

As citações não foram expelidas por Ricardo Pessoa nas vésperas da divulgação. Saíram em interrogatórios numerosos e que vêm de longe, como provam já antigas acusações, divulgações e insinuações. Assim se evidenciaram tanto a reunião de citações que avolumaram, quanto a lista e o propósito de uma divulgação determinada, o que não foi feito com qualquer dos superdelatores precedentes.

Mesmo que houvesse algum exótico motivo para a edição das obras completas de Ricardo Pessoa, não houve sinal algum da necessidade de que isso, apesar do infeliz acaso, coincidisse com a visita oficial de Dilma aos Estados Unidos. Os efeitos políticos internos seriam pouco diferentes se protelada a divulgação por uns poucos dias, mas os efeitos externos e, em particular, nos Estados Unidos, não - como sabe todo procurador da República e todo juiz.

Bem, não é novidade que a Lava Jato tem peculiaridades. Outra delas, também reiterada nestes dias: a contradição entre a torrente de vazamentos e a permanente ausência da informação essencial em cada jato.

A recente prisão de Marcelo Odebrecht contém uma interrogação que vem intacta desde o primeiro momento.

A prisão deveu-se, para explicação pública, à necessidade de evitar possível fuga do presidente da Odebrecht e, a seu mando, a destruição de provas e pressões sobre terceiros ou vigésimos. Mas a explicação precisava ser outra: nos já 15 meses de duração da Lava Jato, o que não faltou a Marcelo Odebrecht foi tempo para destruir provas e meios para fugir --por que só faria agora? A súbita preocupação que acometeu a Lava Jato não explica sua despreocupação de 15 meses. Nem a explicação atual no caso Odebrecht responde ao essencial.

Há mais do que o dito e o não dito em torno da Odebrecht. Parece mesmo que o simples nome Odebrecht já causa reações especiais. A ponto de uma publicidade explicativa da empresa, como fizeram outras empreiteiras, receber resposta especial e escrita do juiz da Lava Jato, honra negada às demais.

Resposta que mereceu comentários respeitáveis e elegantes da advogada da empresa, Dora Cavalcanti, com a compreensível estranheza de que o juiz Sergio Moro chegasse a considerar que o ideal seria a interrupção de todos os contratos e atividades da Odebrecht. O que, lembrou Dora Cavalcanti, além de não permitido por lei, lhe sugere ser talvez necessário, com apoio em princípios dos direitos humanos, recorrer à Corte Internacional.

Daí uma nota dos procuradores em que atribuem à advogada a sugestão de que a polícia, o Ministério Público, até o Supremo Tribunal Federal estejam "mancomunados para violar direitos humanos", sugestão que seria um sinal de desespero.

Suponho não ser anormal o desespero de um advogado de defesa. Mas, no caso, não é a advogada que o demonstra. A atribuição que lhe foi feita é excessivamente exorbitante e maldosa. Das tais que a Lava Jato não tem o direito legal e ético de fazer: é tempo de entender que os seus poderes não são absolutos.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

A Operação Lava Jato, a defesa nacional, a contra-informação e a espionagem




http://www.maurosantayana.com/2015/06/a-operacao-lava-jato-defesa-nacional.html




Blog do Santayana, 29 de junho de 2015



A Operação Lava Jato, a defesa nacional, a contra-informação e a espionagem

Por Mauro Santayana




Em suas críticas ao tamanho do Estado e na defesa da privatização a qualquer preço, os neoliberais tupiniquins se esforçam por defender a tese de que o poder de algumas das maiores nações do mundo “ocidental”, os EUA à frente, teria como únicos, principais esteios, o capitalismo, a livre iniciativa e o livre mercado, e defendem, sempre que podem, alegando a existência de “cabides de emprego”, e o grande número de ministérios, a diminuição do setor público no Brasil.

A informação, divulgada na semana passada, de que, com três milhões e duzentos mil funcionários, o Departamento de Defesa dos EUA é o maior empregador do mundo, tendo em sua folha de pagamento, sozinho, mais colaboradores que o governo brasileiro, com todos seus 39 ministérios, mostra como essa gente tem sido pateticamente enganada, e corrobora o fato de que a tese do enxugamento do estado, tão cantada em prosa e verso por certos meios de comunicação nacionais, não é mais, do ponto de vista da estratégia das nações, do que uma fantasia que beira a embromação.

Dificilmente vai se encontrar uma nação forte, hoje - como, aliás, quase sempre ocorreu na história - que não possua também um estado poderoso, decidida e vigorosamente presente em setores estratégicos, na economia, e na prestação de serviços à população. Enquanto em nosso país, o número total de empregados da União, estados e municípios, somados, é de 1,5% da população, na Itália ele passa de 5%, na Alemanha, proporcionalmente, ele é de 80% a mais do que no Brasil, nos EUA, de 47% a mais e na França, também um dos países mais desenvolvidos do mundo, de 24% da população ativa, o que equivale a dizer que praticamente um a cada quatro franceses trabalha para o Setor Público.

Esses dados derrubam também a tese, tão difundida na internet, de que no Brasil se recebe pouco em serviços, comparativamente aos impostos que se pagam. Por aqui muitos gostariam de viver como na Europa e nos Estados Unidos, mas ninguém se pergunta quantos funcionários públicos como médicos, professores, advogados, técnicos, cientistas, possuem a mais do que o estado brasileiro, os governos dos países mais desenvolvidos do mundo, para prestar esse tipo de serviços à população. E isso, sem ter que ouvir uma saraivada de críticas a cada vez que lança um concurso, e sem ter que enfrentar campanhas quase que permanentes de defesa da precarização do trabalho e da terceirização.

Aos três milhões e duzentos mil funcionários, cerca de 1% da população norte-americana, fichados apenas no Departamento de Defesa, é preciso agregar, no esforço de fortalecimento nacional dos Estados Unidos, centenas de universidades públicas e privadas, e grandes empresas, estas, sim, privadas, ou com pequena participação estatal, que executam os principais projetos estratégicos de um país que tem o dobro da relação dívida pública-PIB do Brasil e não parece estar, historicamente, preocupado com isso. Companhias que, quando estão correndo risco de quebra, como ocorreu na crise de 2008, recebem dezenas de bilhões de dólares e novos contratos do governo, e que possuem legalmente, em sua folha de pagamento, “lobistas”, que defendem seus interesses junto à Casa Branca e ao Congresso, que, se estivessem no Brasil, já teriam sido, neste momento, provavelmente presos como “operadores”, por mera suspeição, mesmo sem a apresentação de provas concretas.

Da estratégia de fortalecimento nacional dos principais países do mundo, principalmente os ocidentais, faz parte a tática de enfraquecimento e desestruturação do Estado em países, que, como o Brasil, eles estão determinados a continuar mantendo total ou parcialmente sob seu controle. Como mostra o tamanho do setor público na Alemanha, na França, nos Estados Unidos - ampla e propositadamente subestimado no Brasil - por lá se sabe que, quanto mais poderoso for o Estado em um potencial concorrente, mais forte e preparado estará esse país para disputar um lugar ao sol com as nações mais importantes, em um mundo cada vez mais complexo e competitivo.

Daí porque a profusão de organizações, fundações, “conferencistas”, “analistas” "comentaristas", direta e indiretamente pagos pelos EUA, muitos deles ligados a braços do próprio Departamento de Defesa, como a CIA, e a aliança entre esses “conferencistas”, “analistas”, “filósofos”, “especialistas”, principescos sociólogos - vide o livro “Quem pagou a conta? A CIA na Guerra Fria da Cultura”, da jornalista inglesa Frances Stonor Saunders - etc, com a imprensa conservadora de muitos países do mundo, e mais especialmente da América Latina, na monolítica e apaixonada defesa do “estado mínimo”, praticada como recurso para o discurso político, mas também por pilantras a serviço de interesses externos, e por ignorantes e inocentes úteis.

Em matéria de capa para a Revista Rolling Stone, no final da década de 1970, Carl Bernstein, o famoso repórter do Washington Post, responsável pela divulgação e cobertura do Caso Watergate, que derrubou o Presidente Richard Nixon, mostrou, apresentando os principais nomes, como centenas de jornalistas norte-americanos foram recrutados pela CIA, durante anos, a fim de agir no exterior como espiões, na coleta de informações, ou para produzir e publicar matérias de interesse do governo dos Estados Unidos. Muitos deles estavam ligados a grandes companhias, jornais e agências internacionais, como a Time Life, a CBS, a NBC, a UPI, a Reuters, a Associated Press, a Hearst Newspapers, e a publicações como o New York Times, a Newsweek e o Miami Herald, marcas que em muitos casos estão presentes diretamente no Brasil, por meio de tv a cabo, ou têm seu conteúdo amplamente reproduzido, quando não incensado e reverenciado, por alguns dos maiores grupos de comunicação nacionais.

Assim como a CIA influenciou e continua influenciando a imprensa norte-americana dentro e fora do território dos Estados Unidos, ela, como outras organizações oficiais e paraoficiais norte-americanas, também treina, orienta e subsidia centenas de veículos, universidades, estudantes, repórteres, em todo o mundo, em um programa que vem desde antes da Guerra Fria, e que nunca foi oficialmente interrompido. O próprio Departamento de Defesa, o Departamento de Estado, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional, USAID, o Fundo Nacional para a Democracia, NED, o Conselho Superior de Radiodifusão, BBG, e o Instituto dos EUA para a Paz, USIP, bancam atividades de “desenvolvimento de meios” em mais de 70 países, em programas que mantêm centenas de fundações, ONGs estrangeiras, jornalistas, meios de informação, institutos de “melhoramento” profissional, e escolas de jornalismo, com um investimento anual que pode chegar a bilhões de dólares.

Além deles, são usados, pelo Departamento de Estado, o Bureau de Assuntos Educacionais e Culturais, (Bureau of Educational and Cultural Affairs, BECA), o Bureau de Inteligência e Investigação, (Bureau of Intelligence and Research, INR) e o Bureau de Democracia, Direitos Humanos e Trabalho (Bureau of Democracy, Human Rights, and Labor, DRL), que apenas no ano de 2006 organizou, na Bolívia, por exemplo, 15 diferentes “oficinas” sobre “liberdade de imprensa e expressão”, além do Escritório de Diplomacia e Assuntos Públicos (Office of Public Diplomacy and Public Affaires, OPDPA). “O que nós estamos ensinando - explica Paul Koscak, porta-voz da USAID - é a mecânica do jornalismo, na imprensa escrita, no rádio ou na televisão. Como fazer uma história, como escrever de forma equilibrada … tudo o que se espera de um verdadeiro profissional de imprensa.” Isabel MacDonald, diretora de comunicação da Fairness And Accuracy in Reporting (FAIR) - Imparcialidade e Transparência na Informação - um observatório de meios de comunicação de Nova Iorque sem fins lucrativos, não tem, no entanto, a mesma opinião. Para ela, "esse tipo de operação do governo norte-americano, a despeito de sua alegada defesa das normas da objetividade, trabalha, na verdade, contra a democracia, apoiando a dissensão sufocante, e divulgando informações deliberadamente falsas que são úteis para os objetivos da política exterior dos Estados Unidos."

Um exemplo clássico desse tipo de resultado, quanto aos objetivos norte-americanos, foi o envolvimento de Washington, denunciado pela comissão legislativa Church-Pike, no Congresso dos EUA, com o financiamento a jornais de oposição na América Latina, como o grupo “El Mercúrio” do Chile, por exemplo, na conspiração que levou ao golpe militar contra o presidente eleito de orientação nacionalista Salvador Allende, em 1973. Em abril de 2015, a Associação dos Jornalistas Chilenos decidiu expulsar de seus quadros o dono do Grupo El Mercúrio, Agustín Edwards Eastman, de 87 anos, por violação do código de ética, depois que documentos oficiais revelados nos Estados Unidos mostraram, em 2014, que ele havia recebido dinheiro da CIA para publicar informações falsas contra o governo chileno.

A diferença entre os Estados Unidos, que se dizem “liberais” e “privatistas”, e na verdade não o são, e o Brasil, que cede a todo tipo de pressão, na tentativa de provar, todos os dias, que não é comunista nem estatizante, é que, mesmo quando envolvidas com corrupção - considerada uma espécie de “dano colateral” que deve ser “contornado” e “absorvido”, no contexto do objetivo maior, de permanente fortalecimento do complexo-industrial militar dos EUA - a existência das principais empresas de defesa norte-americanas nunca é colocada em risco.

Apenas como exemplo, a Lockheed Martin, uma das principais companhias de aviação e de defesa dos EUA, pagou, como lembrou André Motta Araújo no Jornal GGN outro dia, entre as décadas de 1950 e 1970, mais de 300 milhões de dólares, ou 3.7 bilhões de dólares em dinheiro de hoje, de propina para autoridades estrangeiras, entre elas - para quem acha que isso só acontece em paises “sub-desenvolvidos” - o então Ministro da Defesa da Alemanha Ocidental, Franz Joseph Strauss, os ministros Luigi Gul, e Maria Tanassi, o Primeiro-Ministro Mariano Rumor e o Presidente da República Italiana, Giovanni Leone, o general Minoru Genda e o Primeiro-Ministro japonês Kakuei Tanaka, e até o príncipe Bernhard, marido da Rainha Juliana, da Holanda. E alguém acha que a Lockheed foi destruída por isso ? Como também informa Motta Araújo, seus principais dirigentes renunciaram alguns anos depois, e o governo norte-americano, no lugar de multar a empresa, lhe fez generoso empréstimo para que ela fizesse frente, em melhores condições, aos eventuais efeitos do escândalo sobre os seus negócios.

A Lockheed, conclui André Motta Araújo em seu texto, vale hoje 68 bilhões de dólares, e continua trabalhando normalmente, atendendo a enormes contratos, com o poderoso setor de defesa norte-americano. Enquanto isso, no Brasil, os dirigentes de nossas principais empresas nacionais de defesa, constituídas, nesses termos, segundo a Estratégia Nacional de Defesa, em 2006, para, com sede no Brasil e capital votante majoritariamente nacional, fazer frente à crescente, quase total desnacionalização da indústria bélica, e gerir alguns dos mais importantes programas militares da história nacional, que incluem novos mísseis ar-ar, satélites e submarinos, entre eles nosso primeiro submersível atômico, encontram-se, quase todos, na cadeia.

O Grupo Odebrecht, o Grupo Andrade Gutierrez, o OAS e o Queiroz Galvão têm, todos, relevante participação na indústria bélica e são os mais importantes agentes empresariais brasileiros da Estratégia Nacional de Defesa. Essas empresas entraram para o setor há alguns anos, não por ter algum privilégio no governo, mas simplesmente porque se encontravam, assim como a Mendes Júnior, entre os maiores grupos de engenharia do Brasil, ao qual têm prestado relevantes serviços, desde a época do regime militar e até mesmo antes, não apenas para a União, mas também para estados e municípios, muitos deles governados pela oposição, a quem também doaram e doam recursos para campanhas políticas de partidos e candidatos.

Responsáveis por dezenas de milhares de empregos no Brasil e no exterior, muitos desses grupos já estão enfrentando, depois do início da Operação Lava-Jato, gravíssimos problemas de mercado, tendo tido, para gáudio de seus concorrentes externos, suas notas rebaixadas por agências internacionais de crédito.

Projetos gigantescos, tocados por essas empresas no exterior, sem financiamento do BNDES, mas com financiamento de bancos internacionais que sempre confiaram nelas, como o gasoduto do Perú, por exemplo, de quase 5 bilhões de dólares, ou a linha 2 do metrô do Panamá, que poderiam gerar centenas de milhões de dólares em exportação de produtos e serviços pelo Brasil, correm risco de ser suspensos, sem falar nas numerosas obras que estão sendo tocadas dentro do país. Prisões provocadas, em alguns casos, por declarações de bandidos, que podem ser tão mentirosas quanto interesseiras ou manipuladas, que por sua vez, são usadas para justificar o uso do Domínio do Fato - cuja utilização como é feita no Brasil já foi criticada jurídica e moralmente pelo seu criador, o jurista alemão Claus Roxin - às quais se somam a mera multiplicação aritmética de supostos desvios, pelo número de contratos, sem nenhuma investigação, caso a caso, que os comprove, inequivocamente, e por suposições subjetivas, pseudo-premonitórias, a propósito da possível participação dessas empresas em um pacote de concessão de projetos de infra-estrutura que ainda está sendo planejado e não começou, de fato, sequer a ser oficialmente oficialmente estruturado.

O caso Lockheed, o caso Siemens, e mais recentemente, o do HSBC, em que o governo suíço multou esse banco com uma quantia mínima frente à proporção do escândalo que o envolve, nos mostram que a aplicação da justiça, lá fora, não se faz a ferro e fogo, e que ela exige bom senso para não errar na dose, matando o paciente junto com a doença. Mais uma vez, é necessário lembrar, é preciso combater a corrupção, mas sem arrebentar com a Nação, e com alguns dos principais pilares que sustentam nossa estratégia de desenvolvimento nacional e de projeção nos mercados internacionais.

No futuro, quando se observar a história do Brasil deste período, ao tremendo prejuízo econômico gerado por determinados aspectos da Operação Lava-Jato, mutíssimo maior que o dinheiro efetivamente, comprovadamente, desviado da Petrobras até agora, terá de ser somado incalculável prejuízo estratégico para a defesa do país e para a nossa indústria bélica, que, assim como a indústria naval, se encontrava a duras penas em processo de soerguimento, depois de décadas de estagnação e descalabro.

No Exército, na Marinha, na Força Aérea, muitos oficiais - principalmente aqueles ligados a projetos que estão em andamento, na área de blindados, fuzis de assalto, aviação, radares, navios, satélites, caças, mísseis, submarinos, com bilhões de reais investidos - já se perguntam o que irá acontecer com a Estratégia Nacional de Defesa, caso as empresas que representam o Brasil nas joint-ventures empresariais e tecnológicas existentes vierem a quebrar ou a deixar de existir. Vamos fazer uma estatal para a fabricação de armamento, que herde suas participações, hipótese que certamente seria destroçada por violenta campanha antinacional, levada a cabo pelos privatistas e entreguistas de sempre, com o apoio da imprensa estrangeira e de seus simpatizantes locais, com a desculpa de que não se pode “inchar”” ainda mais um estado que na verdade está sub-dimensionado para as necessidades e os desafios brasileiros? Ou vamos simplesmente entregar essas empresas, de mão beijada, aos sócios estrangeiros, com a justificativa de que os projetos não podem ser interrompidos, perdendo o controle e o direito de decidir sobre nossos programas de defesa, em mais um capítulo de vergonhoso recuo e criminosa capitulação ?


Com a palavra, o STF, o Ministério da Defesa, e a consciência da Nação, incluindo a dos patriotas que militam, discreta e judiciosamente, de forma serena, honrosa e equilibrada, no Judiciário e no Ministério Público.

Paul Krugman: "A Grécia deveria votar "não" às exigências da Troika"




http://www1.folha.uol.com.br/colunas/paulkrugman/2015/06/1649183-a-grecia-sobre-o-abismo.shtml



Folha.com, 29/06/2015


 

A Grécia sobre o abismo


 
Por Paul Krugman



É óbvio, há algum tempo, que a criação do euro foi um erro terrível. A Europa nunca teve as condições prévias para uma moeda única de sucesso.

Deixar uma união monetária é, no entanto, uma decisão muito mais difícil e mais assustadora do que nunca entrar nela, e, até agora, mesmo as economias mais problemáticas do continente têm recuado repetidamente da beira do abismo. Repetidas vezes, os governos têm se sujeitado às demandas dos credores por medidas de austeridade duras, enquanto o Banco Central Europeu administra a contenção do pânico do mercado.

Porém, a situação na Grécia atingiu agora o que parece ser um ponto sem retorno. Os bancos estão temporariamente fechados e o governo impôs controles de capital – limites para a movimentação de fundos para fora do país.

Parece altamente provável que o governo, em breve, tenha que começar a pagar pensões e salários em cupons, efetivamente criando uma moeda paralela. E na próxima semana o país vai realizar um referendo sobre se aceita ou não as exigências da "troika" – instituições que representam os interesses dos credores – de ainda mais austeridade.

A Grécia deveria votar "não", e o governo grego deve estar pronto, se necessário, para deixar o euro.

Para entender por que digo isso, é preciso perceber que a maioria – não tudo, mas a maioria – do que você já ouviu falar sobre a prodigalidade e irresponsabilidade grega é falsa. Sim, o governo estava gastando além das suas possibilidades, no final dos anos 2000, mas, desde então, tem repetidamente cortado gastos e aumentado impostos. Os empregos públicos caíram mais de 25%, e as pensões (que foram de fato generosas demais) foram cortadas drasticamente. Se você somar todas as medidas de austeridade, elas têm sido mais do que suficiente para eliminar o déficit original e transformá-lo em um grande excedente.

Então, por que isso não aconteceu? Porque a economia grega entrou em colapso, em grande parte, como resultado das medidas de austeridade, arrastando as receitas para baixo com elas.

E esse colapso, por sua vez, teve muito a ver com o euro, que prendeu a Grécia em uma camisa de força econômica. Casos de austeridade bem-sucedida, em que os países controlam os déficits sem entrar em uma depressão, normalmente envolvem grandes desvalorizações da moeda, que fazem suas exportações mais competitivas.

Isto foi o que aconteceu, por exemplo, no Canadá, na década de 1990, e até certo ponto foi o que aconteceu na Islândia, mais recentemente; mas a Grécia, sem a sua própria moeda, não teve essa opção.

Então, eu acabei de defender uma "Grexit" –saída da Grécia do euro? Não necessariamente. O problema de uma Grexit sempre foi o risco de caos financeiro, de um sistema bancário perturbado por saques em pânico e de negócios mancos tanto por problemas bancários quanto pela incerteza do status legal das dívidas. É por isso que sucessivos governos gregos aderiram às exigências de austeridade, e por isso, mesmo o Syriza, a coalizão de esquerda no poder, estava disposta a aceitar a austeridade que já tenha sido imposta. Tudo o que pediram foi, efetivamente, uma paralisação de mais austeridade.

Mas a troika não estava tendo nada disso. É fácil se perder nos detalhes, mas o ponto essencial agora é que tem sido apresentada à Grécia uma oferta que é "pegar ou largar", efetivamente indistinguível das políticas dos últimos cinco anos.

Esta é, e, presumivelmente, a intenção era ser, uma oferta que o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, não pode aceitar, porque isso destruiria a sua razão política de ser. O objetivo deve ser, portanto, afastá-lo do cargo, o que provavelmente vai acontecer se os eleitores gregos temerem suficientemente o confronto com a troika para votar "sim" na próxima semana.

Mas eles não deveriam fazê-lo, por três razões. Em primeiro lugar, sabemos agora que a austeridade cada vez mais dura é um beco sem saída: após cinco, anos a Grécia está em pior forma do que nunca. Em segundo lugar, muito e talvez o mais temido do caos da Grexit já aconteceu. Com os bancos fechados e os controles de capital impostos, não há muitos danos mais a serem feitos.

Finalmente, a adesão ao ultimato da troika representaria o abandono definitivo de qualquer pretensão de independência grega. Não se deixe levar por alegações de que funcionários da Troika são apenas tecnocratas explicando aos gregos ignorantes o que deve ser feito. Estes tecnocratas supostamente são de fato fantasistas que têm ignorado tudo que sabemos sobre macroeconomia, e estiveram errados em cada passo do caminho. Não se trata de análise, mas de poder o poder dos credores de cortar as pernas da economia grega, que persiste enquanto a saída do euro é considerada impensável.

Então, é hora de pôr um fim ao que é impensável. Caso contrário, a Grécia terá de enfrentar uma austeridade sem fim e uma depressão sem nenhum indício de fim.


Tradução de Maria Paula Autran

O ex-ministro e as vacas gordas



http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-ex-ministro-e-as-vacas-gordas/4/33862



Carta Maior, 29/06/2015

          

O ex-ministro e as vacas gordas


Por Flavio Aguiar

A direita de cada país tem o estilo que merece, e que, frequentemente, a desmerece.

Vi o vt em prestigioso jornal de província aí do Brasil mostrando o ex-ministrto Guido Mantega sendo agredido e insultado por um paspalho em restaurante paulistano, quando lá se encontrava com familiares.

A ascensão da desfaçatez da direita é hoje um fenômeno mundial. Aqui na Alemanha, por exemplo, queimam casas que são ou serão utilizadas para receber refugiados políticos ou econômicos.

No Brasil, sobretudo em S. Paulo, a direitalha mostra sua falta de educação e de decoro para conviver no espaço público, que pensa que é seu e que gostaria de privatizar completamente.

O vt dá o que pensar. Normalmente a carência é associada biblicamente a “vacas magras”, do sonho do faraó. No vt não era o caso. O malfeitor era uma vaca gorda, gritando insultos, esbanjando grosseria, talvez tocados pelo vinho que bebera, certamente insuflado pela campanha midiática conservadora de linchamento do PT, do governo e dos petistas. Além dele uma outra vaca gorda se esganifava em insultos, estes incompreensíveis, no fundo.

Há uma coisa interessante na exibição do vt. É bom ficar sabendo os lugares que estes panelinhas exaltadas frequentam, para evitá-los.

Outro aspecto que chama a atenção é a pretensa isenção do jornal provinciano que exibe tal espetáculo. Na ausência de qualquer comentário a respeito, desabonando a conduta malfeitora (não precisa concordar com o ministro), a divulgação do vt (e eram 2!) exibe uma certa conivência com o insulto, eufemisticamente chamado de “hostilidade”, ao invés de “agressão”, que é o que é. Promove os insultantes, os malfeitores. Exalta sua falta de educação como qualidade. Dá notoriedade. Deseduca crianças que assistam a cena deprimente, no jornal que se deprime assim também. 

Conheci o ex-ministro Guido Mantega nos tempos heroicos do Jornal Movimento. Grande figura, democrata da gema. Depois nos apartamos por estas vicissitudes da vida, mas encontrei-o algumas vezes, com sua afabilidade costumeira e cidadã. Inclusive aqui na Europa, onde ambas as cenas (as violências, como eu disse, aqui são outras, de outro estilo, mais trágico, menos bufo como a das vacas gordas). Infelizmente, ele tem o azar de ser reconhecível facilmente, e de viver numa cidade onde uma pretensa elite de espírito colonizado, provinciano, mal educada, grosseira, confunde insulto com protesto, neurastenia algo borracha com descontentamento. Mas aqui uma cena deste quilate seria impensável, bem como sua reprodução despudoramente “neutra” num jornal qualquer.

Já soube de outros tratamentos a ele dispensados, igualmente grosseiros e destemperados, intolerantes e fascitoides, até mesmo num hospital, e tratados com igual descaso pela mídia provinciana e insultadora igualmente pelo acolhimento indiferente de tais ameaças à cidadania, salvo melhor juízo (por favor, se alguém souber de algum comentário em nossa mídia conservadora desabonando estas vacas gordas, editorial ou de colunista, etc., me avise que eu divulgo aqui).

Solidariedade ao Guido, vergonha às vacas gordas. ​

O Brasil dos Faustões e o Brasil das Marietas



http://cartamaior.com.br/?/Blog/Blog-do-Emir/O-Brasil-entre-a-desesperanca-e-a-inclusao-social/2/33855



Carta Maior, 29/05/2015

O Brasil entre a desesperança e a inclusão social


 
Por Emir Sader


​Poucas vezes um diálogo tão breve, transmito direto pela TV, revelou de forma tão significativa os dilemas e as interpretações contraditórias sobre o Brasil. Faustão no seu papel de propagandista do sentimento que a direita tenta impor ao país, tentou condicionar a resposta da Marieta Severo, com a palavra chave da oposição: desesperança.

A direita tem razão no sentido de que só se eles conseguirem convencer os brasileiros de que estamos mergulhados irremediavelmente – com este governo – na desesperança, é que eles podem ter alguma chance de voltar a dirigir o pais. O pior para eles desde 2002 não foi somente que os governos do PT demonstraram que o Brasil é um pais viável, que a desigualdade não é um destino inevitável, mas que os brasileiros voltaram a confiar no pais, a ter auto estima, a se orgulhar de ser brasileiros.

Nesse quadro, a direita não tem possibilidade de retornar ao governo. É preciso voltar ao clima do Collor e do FHC, de degradar a imagem do Brasil, aqui e lá fora, principalmente na cabeça dos próprios brasileiros.  A mídia difunde versões diárias, do pessimismo, da desesperança, do circulo vicioso, do túnel sem fim. É o seu papel, como órgão oficial da direita, das políticas anti-populares.

O Lula é o seu inimigo privilegiado, não apenas porque nos seus governos o Brasil viveu o melhor momento da sua história recente, como também porque ele representa a auto-estima dos brasileiros, a confiança no povo brasileiro, a esperança de que o pais tem todas as condições de dar certo, de que o povo é solução e não problema
– como o Lula gosta de reafirmar. Tentar destruir essa imagem é tentar destruir a auto-estima dos brasileiros, tentar dizer que tudo é igual, nada é melhor – como canta o tango Cambalache.

Marieta respondeu, altiva, com a outra visão do Brasil. O fenômeno fundamental do Brasil neste século é a inclusão social. É o Brasil dos direitos e não o da concorrência de todos contra todos no mercado.

Inclusão significa que todo ser humano tem direitos, que a democracia deve ser o regime que torne todo indivíduo um cidadão, isto é, um sujeito de direitos. Desesperança significa que a democracia não é capaz de propiciar isso para todos e que portanto o país deveria se entregar de novo nos braços do mercado, do FMI, da direita e seus porta-vozes.

Essa é a luta fundamental de hoje no Brasil – saber se o Faustão e a sua desesperança tem razão ou se continuaremos o caminho da inclusão social e a Marieta tem razão.

O jogo está aberto de novo, depois de termos trilhado um caminho seguro da inclusão social como o nosso norte durante 12 anos. O ajuste fiscal tem sido um tiro no pé do Brasil da inclusão social, tem nos levado para o pior dos mundos possíveis: recessão com exclusão de direitos, com aumento do desemprego e da inflação e com ofensiva desestabilizadora da direita.

Mesmo quem julgue que algum tipo de ajuste é necessário, ele não pode ser socialmente injusto – recair nos trabalhadores -, nem economicamente inviável – não tem levado à retomada do crescimento – e não deveria ser politicamente desastroso – tirar apoio do governo justamente quando ele é alvo de sistemático ataque desestabilizador da direita.

Deve unir a todos os que querem a retomada do caminho da inclusão social, para o que a fortalecimento do governo é condição indispensável, aos que creem que um ajuste é necessário e aos que creem que ajuste nunca é e nunca leva ao desenvolvimento -  a unidade para o fortalecimento e a recuperação de iniciativa do governo. Para isso, o ajuste tem que deixar de ser a pauta central do governo, os direitos dos trabalhadores tem que ser efetivamente garantidos, deve haver a centralidade da luta pela retomada do desenvolvimento e do combate ao desemprego.

Se o governo não está conseguindo retomar a expansão econômica – e não há nenhum sintoma disso até agora – e tem sido incapaz de conter o aumento do desemprego, o caminho escolhido tem que ser corrigido. A centralidade, na hora da crise, deve ser a defesa dos direitos de todos e não o ajuste.

No embate para saber se nos tornamos o pais da desesperança ou se seguimos sendo o pais da inclusão social, está o enfrentamento maior hoje. O governo tem que reafirmar o caminho da inclusão social e combater firmemente a desesperança. Contará com o apoio indispensável dos brasileiros, fundamental quando sofre sistemático e brutal ataque desestabilizador da direita.

Pela boca subserviente do Faustão falou a direita oligárquica. Pela boca altiva da Marieta, falou a esperança do povo brasileiro.​

A legalização do casamento gay nos EUA e o ‘complexo de vira-lata’ dos brasileiros



http://helioscosta.jusbrasil.com.br/artigos/202551494/a-legalizacao-do-casamento-gay-nos-eua-e-o-complexo-de-vira-lata-dos-brasileiros?



JusBrasil, 29/06/2015


A legalização do casamento gay nos EUA e o ‘complexo de vira-lata’ dos brasileiros


 
Por Hélio Costa


"Por 'complexo de vira-lata' entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo." Escritor Nelson Rodrigues[1].

 
Com a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, que legalizou o casamento entre pessoas do mesmo sexo, vários brasileiros, a título de apoio e comemoração, aplicaram o filtro de arco-íris à foto do perfil no Facebook, além de publicarem várias mensagens parabenizando a iniciativa da corte dos EUA. Alguns, por sua vez, se mostraram desconhecedores da existência e do funcionamento das leis e decisões brasileiras, as quais há quatro anos garantem o casamento entre homossexuais.
 
Antes de tudo, gostaria de afirmar que a Suprema Corte Americana está realmente de parabéns, afinal é inadmissível em pleno século XXI negar direitos e proteção àqueles que se relacionam afetivamente com pessoas de sexo igual e desejam formalizar a união através do casamento civil. Como bem diz o ditado, antes tarde do que nunca.
 
No que se refere ao Brasil, é importante esclarecer que em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal, em votação unânime (10x0), equiparou as relações entre pessoas do mesmo sexo às uniões estáveis entre homens e mulheres. Com a decisão, os homossexuais brasileiros passaram a ter muitos direitos que por muito tempo eram exclusivos dos heterossexuais. Na prática, a união homoafetiva foi reconhecida como um núcleo familiar, devendo todos os cartórios do país celebrar o casamento homoafetivo, conforme determinou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio de uma resolução.
 
Destarte, a decisão da Suprema Corte Brasileira foi muito mais inovadora se comparada à decisão da Suprema Corte Americana que, embora seja apresentada como uma formalização do casamento homoafetivo, é menos abrangente do que aquela.
 
Conquanto o Brasil tenha dado há quatro anos esse grande passo, reconhecendo a união homoafetiva como entidade familiar e concedendo uma série de direitos aos homossexuais, inexistiu o alvoroço como se vê agora. Infelizmente, observa-se que o brasileiro não sabe enobrecer, valorizar e exaltar os avanços nacionais conquistados arduamente através de muitas lutas e movimentos. Tudo indica que, para eles, é muito mais fácil se fascinar, idolatrar e supervalorizar a cultura norte-americana, ao considerar a mesma melhor do que as outras, do que engrandecer a cultura de seu país de origem. Conforme aponta Bia Kunze, [2]‘’enquanto continuarmos com nosso célebre complexo de vira-lata, continuaremos a ser tratados como refugo do mundo’’.
 
É importante frisar que não tenho o intuito de rechaçar as manifestações de apoio a decisão da Suprema Corte Americana, visto que as mesmas são imprescindíveis à consecução e fortalecimento dos direitos almejados pelos homossexuais. Todavia, é essencial que não nos esqueçamos do quanto o Brasil caminhou e avançou rumo à proteção efetiva dos direitos das minorias.
 
Em consonância com o que falei em outra oportunidade, [3]apesar dos avanços, a temática da homossexualidade ainda mexe com muitos preconceitos há tempos arraigados no meio social, por isso, o debate desse tema, que muitas vezes é encarado como tabu entre as pessoas, deve ser uma constante, pois apenas uma legislação em favor da causa não é suficiente para a construção do respeito à alteridade do outro. Antes de qualquer justificativa, seja contra ou a favor dos homossexuais, é necessário ressaltar o respeito como princípio máximo dessa questão. Frise-se que o Estado, ao perceber as transformações sociais, deve atender aos apelos da sociedade, regulamentando e normatizando a nova realidade vivenciada pelos indivíduos, buscando a coesão social.
 
[1] Wikipédia. Complexo de vira-lata. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Complexo_de_vira-lata. Acesso em: 27.06.2015.
 
[2] Tecnoblog. Brasil e o complexo de vira-lata. Disponível em: https://tecnoblog.net/31671/brasil-complexo-vira-lata/. Acesso em: 27.06.2015.
 
[3] COSTA, Hélio de Sousa; FILHO, Francisco Edilson Loiola. A união homoafetiva e sua regulamentação no Brasil. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 20, n. 4361, 10 jun. 2015. Disponível em:http://jus.com.br/artigos/39874. Acesso em: 27.06.2015.

O gueto reacionário em que se transformaram as principais redações



http://observatoriodaimprensa.com.br/radio/uma-imagem-reveladora/



Observatório da Imprensa, 29/06/2015




IMPRENSA & OPERAÇÃO LAVA JATO

Uma imagem reveladora



Por Luciano Martins Costa
 


Quais são os limites da manipulação da imagem no jornalismo? Num critério aceitável, admite-se que uma fotografia possa ser alterada para compor um infográfico, por exemplo, porque nesse contexto estaria implícito que é apenas uma referência, uma ilustração.

Uma fotomontagem que mostra a cabeça da presidente da República sobre uma bandeja, publicada na coluna de política, como faz o Globo na edição de segunda-feira (29/6), extrapola qualquer limite do bom senso e mostra como os jornais brasileiros se transformaram em grotescos panfletos partidários.

A mídia tradicional do Brasil já teve outros momentos deletérios, como na véspera da eleição presidencial de 2014, quando uma manchete fabricada pela revista Veja ganhou forte repercussão nos principais jornais, e seus efeitos só foram menores pela ação imediata da Justiça Eleitoral.

A fotomontagem publicada pelo Globo revela que não há restrições para a delinquência de jornalistas que se agarram a seus preciosos centímetros de coluna, quando se trata de manipular os fatos em função do projeto de poder em que se engajou a imprensa nos últimos anos. Por outro lado, o episódio revela a distância que separa a estratégia de comunicação do governo petista e a realidade do ambiente comunicacional.

Enquanto o poder Executivo se recusa a colocar na pauta, mesmo em tese, a questão da concentração dos meios informativos, o cartel das empresas hegemônicas distorce de tal maneira as relações institucionais que já não é possível uma análise do conteúdo noticioso e opinativo da imprensa. No entanto, representantes do Planalto seguem propondo um diálogo que já se revelou mais do que improvável.

Em recente encontro com jornalistas em São Paulo, o ministro titular da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, Edinho Silva, anunciou que pretende conduzir um “amplo debate” sobre temas centrais que não são contemplados pela mídia massiva. Foi alertado para a inocuidade desse plano, porque a imprensa não quer debater coisa nenhuma.

Na segunda-feira (29), Silva se vê obrigado a enfrentar a denúncia de que teria sido beneficiado por doações ilegais nas campanhas de 2010 e 2014. A acusação é parte dos factoides selecionados pela mídia nas delações de empresário submetido a tratamento coercitivo na carceragem da Operação Lava Jato. O objetivo está explícito na imagem publicada pelo Globo.


Danos colaterais

Transformado em alvo do escândalo, o ministro deve estar se questionando sobre a estratégia de comunicação que imaginou. Pensou estar participando de um jogo com regras definidas, mas acaba de ser apresentado ao fato de que a disputa política não se dá apenas no palco tradicional do Congresso, mas principalmente no gueto reacionário em que se transformaram as principais redações.

Da maneira como vem sendo conduzida, a Operação Lava Jato produz um monstrengo jurídico, pelo qual um grupo de procuradores e policiais federais e um juiz federal de primeira instância determinam uma nova interpretação para a legislação eleitoral. Isso num processo questionável, no qual a suposta verdade é estabelecida pela delação de suspeitos que são privados da liberdade sob a condição de produzir as respostas determinadas pelos inquisidores.

Nesse contexto, todas as doações eleitorais estão sob suspeita, o instituto da doação de pessoas jurídicas passa a ter uma natureza criminosa a priori, e o dinheiro passa a ser carimbado como “legal” ou “ilegal” conforme o candidato ou o partido a que se destinou.

O fato de alguns dos envolvidos na investigação terem um perfil público de militantes radicais contra o atual governo, manifestado em seu ativismo nas redes sociais, é apenas um detalhe do comprometimento dessa operação. Por muito menos, o Supremo Tribunal Federal anulou a Operação Satiagraha, que visava o ex-banqueiro Daniel Dantas e respingava em figuras da política.

Em circunstâncias minimamente funcionais, toda a produção do processo conduzida no Paraná pode acabar esvaziada na Corte Suprema, o que com certeza vai trazer consequências funestas para o sistema da Justiça. Isso porque, até lá, a opinião do público estará contaminada pelo martelar constante do noticiário distorcido.

O ministro Edinho Silva deve estar se dando conta, a esta altura, de que seu partido não enfrenta uma mera “batalha da comunicação”, como disse certa vez a presidente Dilma Rousseff. O que está em curso é uma guerra de extermínio – que será levada adiante pela imprensa, mesmo que os danos colaterais incluam um tantinho de democracia.