domingo, 31 de agosto de 2014

Programa de Marina Silva defende terceirização precarizante, ampla e irrestrita




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Blog do Tarso,  31/08/2014



Programa de Marina Silva defende grave ataque aos trabalhadores: Terceirização precarizante ampla e irrestrita



Por Maximiliano Nagl Garcez*



  • 1. Programa de Marina Silva defende com unhas e dentes a terceirização ampla e irrestrita
  • Ao pesquisar a palavra “terceirização” no Programa da candidata Marina Silva, li com extrema preocupação os trechos abaixo (íntegra disponível emhttp://marinasilva.org.br/programa/), que são muitíssimos parecidos com as propostas mais reacionárias e conservadoras existentes hoje no Brasil visando prejudicar os trabalhadores (como por exemplo o nefasto PL 4330):
    Página 75: “…terceirização de atividades leva a maior especialização produtiva, a maior divisão do trabalho e, consequentemente, a maior produtividade das empresas. Com isso, o próprio crescimento do setor de serviços seria um motor do crescimento do PIB per capita. Ambas as explicações salientam o papel do comércio e serviços para o bem-estar da população. Mesmo assim, o setor  encontra uma série de entraves ao seu desenvolvimento. Há no Brasil um viés contra a terceirização, e isso se traduz bem no nosso sistema tributário, que impõe impostos como ISS e ICMS − em cascata ou cumulativos − em transações que envolvem duas ou mais empresas. A consequência: algumas atividades que poderiam ser terceirizadas por empresas acabam realizadas internamente, em prejuízo da produtividade, porque essa forma de tributação eleva os custos e tira a vantagem da operação.”
    E ainda que o trecho acima ainda fosse suficientemente claro, logo à frente fica ainda mais evidente a defesa escancarada da terceirização (contra a qual o movimento sindical e várias entidades da sociedade civil organizada vem lutando):
    Página 76: “Existe hoje no Brasil um número elevado de disputas jurídicas sobre a terceirização de serviços com o argumento de que as atividades terceirizadas são atividades fins das empresas. Isso gera perda de eficiência do setor, reduzindo os ganhos de produtividade e privilegiando segmentos profissionais mais especializados e de maior renda. O setor de serviços é mais penalizado por esse tipo de problema, ficando mais exposto à consequente alocação ineficiente de recursos com perda de produtividade.“
    Segue a péssima proposta da candidata, também à pág. 76: “Disciplinar a terceirização de atividades com regras que a viabilizem, assegurando o equilíbrio entre os objetivos de ganhos de eficiência e os de respeito às regras de proteção ao trabalho.”
    Qualquer trabalhador ou sindicato que conheça o mundo do trabalho sabe que viabilizar a terceirização em todas as atividades de uma empresa, sem qualquer limite, por definição significa um enorme desrespeito “às regras de proteção ao trabalho”, como veremos a seguir.

  • 2. O modelo precarizante proposto por Marina Silva viola a Constituição Federal
  • A Constituição Federal de 1988 se configura como impedimento à eliminação e limitação do direitos trabalhistas e sindicais, defendida pelo programa da candidata  Marina Silva e pelo PL 4330, de 2004. Tais propostas significam uma séria ameaça aos trabalhadores, aos sindicatos, à sociedade e à democracia.
    Veremos a seguir que é evidente a inconstitucionalidade, injustiça e inconveniência de tais propostas.
    A primeira inconstitucionalidade da proposta de Marina Silva reside no princípio da igualdade, contido no art. 5º.,caput, da Constituição Federal. Está inserido no rol dos direitos fundamentais do cidadão, categoria de direitos que não estão afetos a restrições infraconstitucionais, o que significa que não podem ser limitados pelo ordenamento jurídico, seja quanto à regulamentação, efetivação ou exercício desses direitos.
    Vejamos a redação do caput do art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” (…) negritamos
    Ao prever uma ampla e irrestrita terceirização, há flagrante violação ao princípio da isonomia. A jurisprudência do E. STF demonstra que a proposição, caso venha a ser transformada em lei (o que, diga-se de passagem, consideramos altamente indesejável, ante sua completa inadequação com nosso ordenamento jurídico), seria considerada manifestamente inconstitucional: “Estabelece a Constituição em vigor, reproduzindo nossa tradição constitucional, no art. 5º, caput (…). (…) De outra parte, no que concerne aos direitos sociais, nosso sistema veda, no inciso XXX do art. 7º da Constituição Federal, qualquer discriminação decorrente – além, evidentemente, da nacionalidade – de sexo, idade, cor ou estado civil. Dessa maneira, nosso sistema constitucional é contrário a tratamento discriminatório entre pessoas que prestam serviços iguais a um empregador.” (RE 161.243, Rel. Min. Carlos Velloso, voto do Min. Néri da Silveira, julgamento em 29-10-1996, Segunda Turma, DJ de 19-12-1997.) negritamos
    O caput do art. 5º. deve ser interpretado em conjunto com os seguintes incisos do art. 3º. da CF:  “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”
    O art. 1º da Constituição Federal Brasileira coloca o valor social do trabalho, ao lado da dignidade da pessoa humana, como bens juridicamente tutelados e como fundamento para a construção de um Estado Democrático de Direito:
    “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (…) III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.”
    A interpretação e a aplicação do Direito do Trabalho estão obrigatoriamente condicionadas aos princípios constitucionais de valorização do trabalho e do trabalhador como fator inerente à dignidade da pessoa humana. Ao se eleger a dignidade do ser humano como fundamento da República Federativa do Brasil, constitucionalizam-se os princípios do direito laboral, com força e imperatividade aptas a conferir ao trabalho e ao trabalhador, o significado de sustentação do próprio sistema da nação brasileira. Tal proceder efetiva o Estado Democrático de Direito, fazendo com que os objetivos políticos decididos pela Constituição sejam atingidos por meio de todo o ordenamento jurídico.
    A proteção da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho impede que qualquer norma que a viole (como tenta fazer o PL 4330 e a terceirização ampla e irrestrita defendida por Marina Silva) seja considerada constitucional. Tal princípio impede qualquer atitude ou norma que diminua o status da pessoa humana enquanto indivíduo, cidadão e membro da comunidade. O tratamento dado ao terceirizado por Marina Silva, visto somente como um mero fator de produção, viola frontalmente tais princípios contidos no art. 1º. da Carta Magna.

  • 3. Da ultrajante defesa de terceirização de toda atividade empresarial no Programa de Marina Silva
  • A proposta de Marina Silva é clara: acabar com a discussão atividade-fim e atividade-meio, permitindo a terceirização de qualquer atividade empresarial e de qualquer setor de uma empresa.
    Uma grande empresa, no modelo defendido por Marina Silva, nem mesmo precisaria ter trabalhadores. Poderia ter apenas contratos com outras empresas, que alugariam trabalhadores para o empresário, reduzindo o obreiro a uma mera mercadoria. E estas outras empresas terceirizadas, por sua vez, também não necessitariam ter trabalhadores: poderiam alugá-los de uma outra empresa, quarteirizada (ou quinterizada). Uso a expressão alugar pois infelizmente a proposta na prática acaba sendo o ultrajante aluguel de pessoas (proibido desde a Lei Áurea), e não o que a candidata eufemisticamente chamar ser “terceirização”.
    A diferenciação atividade-fim e atividade-meio serve como um limite claro à terceirização, e tem permitido coibir tal prática por meio da Justiça do Trabalho.  A análise da atividade-fim é voltada à atuação da empresa tomadora de serviços.
    Pela proposta de Marina Silva, não há limite para o que a empresa tomadora de serviços pode terceirizar.
    Ou seja: a empresa tomadora de serviços pode se tornar apenas uma administradora do CNPJ da empresa, terceirizando toda e qualquer atividade. E o trabalhador terceirizado  poderá ser quarteirizado, quinterizado – ou seja, transformado em uma mercadoria, o que vai contra o princípio que determinou a fundação da OIT, da qual participou o Brasil: O trabalho não é uma mercadoria.”

  • 4. Proposta de Marina Silva é claramente antissindical
  • A proposta de Marina Silva significa na prática que o empregador escolherá quais sindicatos representarão seus trabalhadores, em clara violação à liberdade sindical. O que na verdade pretende é a aniquilação do movimento sindical, que tem sido nas últimas décadas uma das principas forças-motrizes da democracia, da sociedade civil organizada e da resistência ao projeto autoritário-neoliberal. Por isso, significa também uma disfarçada Reforma Política, a fim de silenciar os trabalhadores e seus representantes.
    Os dispositivos constitucionais citados no item 2 acima seriam violados, caso fosse permitida a terceirização de atividade-fim. O TST já analisou de modo detalhado tal questão, em acórdão da E. SDI-1, tratando exatamente dos reflexos malignos da terceirização ampla na estrutura sindical:  “PROCESSO Nº TST-E-RR-586341/1999.4 “De outro giro, a terceirização na esfera finalística das empresas, além de atritar com o eixo fundamental da legislação trabalhista, como afirmado, traria consequências imensuráveis no campo da organização sindical e da negociação coletiva. O caso dos autos é emblemático, na medida em que a empresa reclamada, atuante no setor de energia elétrica, estaria autorizada a terceirizar todas as suas atividades, quer na área fim, quer na área meio. Nessa hipótese, pergunta-se: a CELG, apesar de beneficiária final dos serviços prestados, ficaria totalmente protegida e isenta do cumprimento das normas coletivas pactuadas, por não mais responder pelas obrigações trabalhistas dos empregados vinculados aos intermediários? Não resta dúvida de que a consequência desse processo seria, naturalmente, o enfraquecimento da categoria profissional dos eletricitários, diante da pulverização das atividades ligadas ao setor elétrico e da consequente multiplicação do número de empregadores. Todas essas questões estão em jogo e merecem especial reflexão.”
    Convém destacar que o STF coloca a liberdade sindical como predicado do Estado Democrático de Direito: “A liberdade de associação, observada, relativamente às entidades sindicais, a base territorial mínima – a área de um Município –, é predicado do Estado Democrático de Direito. Recepção da Consolidação das Leis do Trabalho pela Carta da República de 1988, no que viabilizados o agrupamento de atividades profissionais e a dissociação, visando a formar sindicato específico.” (RMS 24.069, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 22-3-2005, Primeira Turma, DJ de 24-6-2005).

  • 5. Da necessidade de impor limites à terceirização, ante os prejuízos que traz aos trabalhadores e à sociedade
  • O fenômeno da terceirização é permitido por nosso ordenamento jurídico somente quanto ao trabalho temporário (Lei. 6.019/74), de vigilantes (Lei 7.102/83) e de serviços de limpeza e conservação (conforme a Súmula 331 do TST).
    Tal Súmula considera ilegal a terceirização da atividade-fim da empresa. Ou seja, qualquer descentralização de atividades deverá estar restrita a serviços auxiliares e periféricos à atividade principal da empresa.
    Uma adequada interpretação da Constituição Federal também permite colocar sérios limites ao fenômeno da terceirização, por meio da utilização dos princípios constitucionais da valorização do trabalho e da dignidade humana, como vimos acima.
    Vejamos alguns dos prejuízos que a terceirização ampla e irrestrita defendida por Marina Silva traria aos trabalhadores e à sociedade:
    1. a) a destruição da capacidade dos sindicatos de representarem os trabalhadores;
    2. b) baixos salários e o desrespeito aos direitos trabalhistas, com impactos negativos na economia, no consumo e na receita da Previdência Social e do FGTS (usado primordialmente para saneamento básico e habitação), com prejuízos a todos; nesse sentido, convém mencionar as sábias palavras do magistrado José Nilton Pandelot, ex-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho: “Eu diria que a terceirização não é o futuro e sim a desgraça das relações de trabalho. Porque essa terceirização se estabelece na forma de precarização. Ela se desvia da sua finalidade principal. Não é para garantir a eficiência da empresa. É para reduzir o custo da mão-de-obra. Se ela é precarizadora, vai determinar uma redução da renda do trabalhador, vai diminuir o fomento à economia, diminuir a circulação de bens, porque vai reduzir o dinheiro injetado no mercado. Há um equívoco muito grande quando se pensa que a redução do valor da mão-de-obra beneficia de algum modo a economia. Quem compra, quem movimenta a economia são os trabalhadores. Eles têm que estar empregados e ganhar bem para os bens circularem no mercado. Pode não ser evitável, mas se continuar dessa forma, com uma terceirização que serve para a redução e a precarização da mão-de-obra, haverá um grande prejuízo à cidadania brasileira e à sociedade de um modo geral”;
    3. c) precarização do trabalho e o desemprego. A alegada “geração de novos postos de trabalho” pela terceirização é uma falácia: o que ocorre com tal fenômeno é a demissão de trabalhadores, com sua substituição por “sub-empregados (vide o exemplo da Argentina e da Espanha nos anos 90);
    4. d) aumento do número de acidentes do trabalho envolvendo trabalhadores terceirizados, como já atestou o TST no julgado supracitado;
    5. e) prejuízos aos consumidores e à sociedade, ante a profunda diminuição da qualidade dos serviços prestados nas áreas de saúde, educação, segurança, energia, água e saneamento (dentre inúmeros outros), que seriam fortemente afetados pela terceirização ilegal;
    6. f) prejuízos sociais profundos. A ausência de um sistema adequado de proteção e efetivação dos direitos dos trabalhadores, com a existência de um grande número de trabalhadores precarizados, sem vínculo permanente, prejudica toda a sociedade, degradando o trabalho e corroendo as relações sociaisComo se podem buscar objetivos de longo prazo numa sociedade de curto prazo? Como se podem manter relações sociais duráveis? Como pode um ser humano desenvolver uma narrativa de identidade e história de vida numa sociedade composta de episódios e fragmentos? As condições da nova economia alimentam, ao contrário, a experiência com a deriva no tempo, de lugar em lugar, de emprego em emprego. Se eu fosse explicar mais amplamente o dilema de Rico, diria que o capitalismo de curto prazo corrói o caráter dele, sobretudo aquelas qualidades de caráter que ligam os seres humanos uns aos outros, e dão a cada um deles um senso de identidade sustentável.” (SENNETT, Richard. A Corrosão do Caráter: As Conseqüências Pessoais do Trabalho no Novo Capitalismo. Trad. Marcos Santarrita. Rio de Janeiro: Record, 1999, p. 27).
     
  • 6. Conclusão: a proposta de Marina Silva é uma série ameaça aos trabalhadores, aos sindicatos e até mesmo à competitividade da economia brasileira
  • Não se pode tratar o trabalhador como uma mera peça sujeita a preço de mercado, transitória e descartável. A luta contra a terceirização ampla e irrestrita (infelizmente proposta de modo veemente no Programa da candidata Marina Silva), lembra à sociedade os princípios fundamentais de solidariedade e valorização humana, que ela própria fez constar do documento jurídico-político que é a Constituição Federal, e a necessidade de proteger a democracia, a coisa pública e a qualidade do serviços públicos, essenciais para o bem-estar da população.
    A candidata Marina Silva, ao apresentar opiniões frontalmente contrárias aos trabalhadores e ao defender a terceirização ampla e irrestrita, ameaça até mesmo a competitividade do Brasil, pois a implementação de tais temerosas propostas:
    - criaria enorme quantidade de trabalhadores precarizados e descartáveis;
    - aumentaria a desigualdade social;
    - tornaria ainda mais frequentes os acidentes e mortes no trabalho;
    - diminuiria o consumo;
    - e por fim, prejudicaria não somente a produtividade e a economia, mas toda a sociedade brasileira.


    *Advogado de trabalhadores e entidades sindicais. Diretor para Assuntos Legislativos da Associação Latino-Americana de Advogados Laboralistas – ALAL. Mestre em Direito das Relações Sociais pela UFPR. Ex-Bolsista Fulbright e Pesquisador-Visitante na Harvard Law School.

    Jovens, vocês querem mesmo Marina?



    http://www.vermelho.org.br/noticia/248690-9#.VAOVCjnvyFM.facebook



    Portal Vermelho, 31 de agosto de 2014



    Jovens, vocês querem mesmo Marina?



    Por Gilson Caroni Filho



    ​A simples leitura do programa de governo de Marina da Silva que, como todos sabem, foi escolhida pela "providência divina" e os acontecimentos recentes envolvendo as alterações no seu programa partidário permitem levar ao eleitorado jovem pontos fundamentais que revelam a natureza extremamente conservadora do eleitorado mais jovem.

    Comecemos pelas questões macroeconômicas:

    1) Marina pretende dar autonomia para o Banco Central. O que significa isso? Entregar o Banco para o mercado financeiro. Não por acaso conta com o apoio de banqueiros em sua campanha.

    2) No documento, consta que políticas fiscais e monetárias serão instrumentos de controle de inflação de curto prazo. Como podemos ler este ponto? Arrocho salarial e aumento nas taxas de desemprego.

    3) O programa ainda menciona a diminuição de normas para o setor produtivo. Os mais açodados podem pensar em menos carga tributária e burocracia para as empresas. Não, trata-se de reduzir encargos trabalhistas com a supressão de direitos que facilitem as demissões. Há muito que a burguesia patrimonialista pede o fim da multa rescisória de 40% a ser paga a todo trabalhador demitido sem justa causa. O capital agradece.

    4) Redução das prioridades de investimento da Petrobrás no pré-sal. O que significa? Abrir mão de uma decisão estratégica de obter investimentos para aplicar na Saúde e na Educação. Isso, meus amigos mais jovens, é música para hospitais privados, planos de saúde e conglomerados estrangeiros que atuam na educação. O que o grupo Galileo fez com a Gama Filho e Univercidade , aqui no Rio, é fichinha perto do que está por vir. Era com uma coisa desse tipo que vocês sonhavam quando foram às ruas em junho do ano passado?

    5) Em vez do fortalecimento do Mercosul, o programa da candidata, que "quer fazer a nova política," prega o fortalecimento das relações bilaterais com os Estados Unidos e União Europeia.Vamos retroceder vinte anos e assistir a um aumento da desnacionalização da economia latino-americana. É isso que vocês querem?

    6) Meus caros amigos, não sei se foi a providência divina quem derrubou o avião em que viajava Eduardo Campos. Mas o que a vice dele, uma candidata que está à direita de Aécio Neves, lhes oferece é o pão que o diabo amassou. Gosto da vida, gosto da juventude, mas, agora, cabe a vocês escolher o que desejam enfiar goela adentro. Não há mais ninguém inocente.

    No campo dos costumes, cabem outras indagações. O Partido Socialista Brasileiro, que sempre teve uma agenda progressista, foi criado em 1947 .Ao ceder a pressões para lançar a candidatura de Marina da Silva, acabou. No lugar dele, surgiu um PSB capturado pelo "Rede" da candidata do Criador.

    Pois bem, bastaram quatro tuitadas do Pastor Malafaia para o partido retirar de seu programa de governo o casamento civil igualitário. Se em quatro mensagens por twitter houve um retrocesso desse porte, imaginem em quatro anos de um eventual governo do consórcio Itaú-Assembléia de Deus. Descriminalização do aborto? Esqueçam. Descriminalização dos usuários de drogas? Nem pensar. No mínimo, procedimentos manicomiais para os dependentes. Pensem nos direitos conquistados pelas mulheres nos últimos anos sendo submetidos ao crivo de dogmas medievais. Nos homossexuais como anomalias apenas " toleradas", jamais como sujeitos de direitos. Sim, pois vislumbramos uma religião se transformando em política de Estado.

    É isso que vocês querem para o país? É isso que vocês querem para suas vidas e a dos filhos que vierem a ter? Em caso afirmativo, chamem Torquemada e me avisem: não quero ver ninguém ardendo em fogueiras. Tudo é força, mas só Malafaia é poder. Não acredito que vocês desejem isso.

    Melhor, não quero acreditar.

    *Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista do Portal Vermelho.






    Carta Maior,  31/08/2014



    A miragem chamada Marina



    Por Flavio Aguiar


    Na falta de melhor opção, parte da “direita móvel” brasileira vem cultivando uma miragem chamada Marina Silva. À sua sombra viceja o acalentado desprezo pela política, manifesto neste vago desejo, transformado em promessa imprecisa, de “governar fora das alianças”. O que isto quer dizer ninguém sabe, talvez nem mesmo a própria Marina. Falo em “direita móvel” para caracterizar a direita de vocação predominantemente rentista, que pode tanto animar-se com Aécio, como já se animou no passado, com Alckmin e Serra, em contraponto à “direita imóvel”, como são por exemplo, os saudosos da ditadura militar, os membros da bancada ruralista, para quem qualquer coisa que não seja Ronaldo Caiado é intragável.

    Mas vai ser impossível governar sem alianças. E o que se vislumbra, no momento, é que a candidatura de Marina – que se lança internacionalmente como a possível primeira mandatária “verde” no mundo – vai na direção de atrelar novamente o país ao que de mais recessivo e depressivo há no mundo em matéria de economia e política econômica.

    O panorama internacional das grandes economias mundiais é assustador. É verdade que nem mesmo os BRICS escapam desta sina, com a estagnação da economia russa e a diminuição dos créditos e dos investimentos na China, e a crise energética na Índia. O Japão vai mal, e já há muito tempo.

    Mas o lado mais desastroso desta situação está na Europa Continental, com a recessão “austera” atingindo agora de frente e de vez, suas maiores economias: França, Itália e mesmo a gigante Alemanha. Nos Estados Unidos a situação melhorou um pouco, mas as incertezas permanecem quanto ao futuro. E o que assoma neste futuro não é nada agradável, com as conturbações que se propagam desde o confronto na Ucrânia, tanto do ponto vista militar quanto do político e do econômico.

    É dentro desta moldura – em que a “coligação ocidental” está mais para Titanic do que para Arca de Noé – que a candidatura de Marina e sua programação acenam com uma desaceleração da integração latino-americana, da diversificação da agenda internacional brasileira, da construção progressiva e progressista da nossa autonomia energética podendo alavancar, inclusive, parte das economias sulamericanas. De quebra, apontam para a reatrelação de nossa presença mundial às combalidas carroças norte-americana e europeia.

    Os riscos desastrosos de tal atitude são de grande monta, e inevitáveis. À desmontagem interna das políticas sociais – elogiadas no mundo inteiro – que seu programa prevê implicitamente se somará uma perda irremediável de credibilidade internacional, ainda que tudo isto possa ser embrulhado no papel crepom dos elogios que começarão a se derramar desde a mídia que catapulta os princípios da City londrina, da Wall Street norte-americana e do novo Consenso de Bruxelas/Frankfurt/Berlim que governa o desgoverno europeu. O Brasil voltaria ao seu papel de país de segunda ordem e de segunda mão.

    Os custos sociais e políticos de tais retrocessos também serão incalculáveis. Porque aquela “direita móvel” não deseja apenas “corrigir os rumos” da economia e da política brasileiras.

    Querem mesmo fazer retroceder o relógio da história, montando um plano que, a começar pela desvalorização do salário mínimo, vai trazer inevitavelmente uma contenção do poder aquisitivo da maioria da população – exatamente como se faz hoje na Europa, por exemplo. Quando isto atingir a rede de proteção social que vem se montando na Brasil, rede que vai desde as políticas de transferência de renda até os subsídios para alavancar setores econômicos, o desmonte poderá – deverá, na verdade – provocar um terremoto social de consequências imprevisíveis.

    A orgia financeira dominará as políticas do tal Banco Central “independente”, enquanto o funeral das políticas sociais votará a colocar o Brasil na condição de órfão de si mesmo. E na frente internacional o país se tornará o sócio menor (de idade) das políticas recessivas do desastre ocidental. A “direita móvel” não hesitará em louvar Marina enquanto ela capitanear esta passagem à catástrofe. Mas também não hesitará em neutralizá-la ou até removê-la, se considerar que seu “fundamentalismo ambientalista” irá atrapalhar seus planos de ganhar poder e renda graças à administração da catástrofe. Portanto, até a própria Marina poderá se tornar a vítima da “miragem Marina”.

    Desvendando Marina




    http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/08/1508376-rogerio-cezar-de-cerqueira-leite-desvendando-marina.shtml




    Folha.com, 31/08/2014


    Desvendando Marina


    Por Rogério Cézar de Cerqueira Leite​



    A inesperada candidatura da sra. Marina Silva à Presidência da República deixa perplexos tanto a população como a opinião pública, inclusive os mais avisados. Todos reconhecem sua honestidade e inquestionável obstinação pelo progresso do homem brasileiro. Mas, por que então esse embaraço? Essa inquietação? Detecto, em casos extremos, cidadãos bem-intencionados que dizem que votarão em Marina, mas que, consciente ou inconscientemente, preferem que ela perca. Por que essa ambivalência?
    Não é por causa de seu apego a questões ecológicas, certamente, pois percebemos que as circunstâncias e as necessidades materiais imporão limites realistas a eventuais ações nesse campo. Não é por medo de inadequação em gestão, pois sua equipe, principalmente aquela que a assistia quando montava o seu partido, a Rede, inclui executivos, economistas e intelectuais reconhecidamente competentes.
    Resta considerar suas crenças mais íntimas, inclusive religiosas, por que não? Minha convicção é a de que o comentarista não tem o direito de especular sobre a religião das pessoas que analisa. Todavia, há exceções quando se suspeita que essas crenças possam ter influência no bem-estar do povo. É o caso de fundamentalismos, inclusive o criacionismo. Marina Silva, no passado, admitiu essa sua convicção. Ultimamente, evita discussões sobre o problema.
    Pois bem, não me sinto confortável em ter como presidente uma pessoa que acredita concretamente que o Universo foi criado em sete dias há apenas 4.000 anos, aproximadamente.
    Pois, para isso, é preciso ignorar a montanha de dados cientificamente incontornáveis e todo o patrimônio intelectual que a humanidade acumulou durante séculos. Percebo no fundamentalista cristão uma arrogância incomensurável, que apenas pode ser entendida como uma perversão intelectual, que não pode deixar de impor tendências cujos limites são imprevisíveis.
    Muitos de seus seguidores vão perguntar qual seria a explicação para o fato de que tantos intelectuais (ou seriam pseudointelectuais) tivessem se integrado à Rede? Pois bem, Marina é um tesouro eleitoral, arrasta com ela uma multidão de eleitores bem-intencionados. Teria sido pelas suas ideias que esses economistas e intelectuais aderiram à Rede ou seria por causa do caudal aurífero eleitoral que, na sua liderança, perceberam?
    Outros vão interpor contestações subjetivas como aquelas relacionadas às suas incontestáveis qualidades, tais como articulação oral, capacidade como debatedora, eloquência etc. Ora, o fenômeno que foi chamado originariamente "idiot–savant" (savantismo) é hoje universalmente aceito.
    A ciência reconhece que o cidadão pode atuar de maneira coerente em um campo, ser mesmo genial, enquanto em outras áreas do comportamento mostra-se incapaz, por vezes incontrolável. Ou seja, pior ainda. O fundamentalismo de Marina Silva não decorre da ignorância, mas de um defeito de percepção. Os especialistas chamam essa condição de desordem do desenvolvimento neural.
    Essa é a razão por que espero que Marina não ganhe esta eleição.

    ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, 83, físico, é professor emérito da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia e do Conselho Editorial da Folha

    Um retrofit político e ideológico do neoliberalismo




    http://www.cartamaior.com.br/?/Editorial/Marina-topa-tudo-O-PT-topa-ousar-ou-vai-se-render-/31709



    Carta Maior, 30/08/2014 


    Marina topa tudo. O PT topa ousar ou vai se render?



    Por Saul Leblon




    O programa de Marina Silva, lançado na mesma sexta-feira em que o Datafolha lhe dava uma vantagem de 10 pontos sobre Dilma Rousseff no segundo turno -ao qual se credenciou depois de crescer nada menos que 13 pontos em 11 dias- tem 242 páginas.

    É um livro.

    Mas poderia ser resumido em uma linha: a ‘nova política’ da novíssima Marina Silva é ortodoxa nas questões econômicas que condicionam o destino da sociedade, e liberal nos costumes que já romperam as amarras do presente.

    Assim: o Brasil de Marina Silva entrega a moeda, os juros, o câmbio, os salários, a política externa e a fiscal à supremacia dos mercados financeiros.

    Em resumo, o país renuncia ao comando do seu destino e ao destino do seu desenvolvimento.

    Mas acolhe o que já é um fato reconhecido até pela Justiça: o justo pleito da união civil entre homossexuais e o direito à adoção de crianças por casais gays, por exemplo.

    Se do ponto de vista da evangélica Marina Silva isso pode criar algum ruído junto a apoios prometidos –como o do pastor Silas Malafaia , um cruzado da homofobia (leia ‘Ousar e vencer ou entregar o Brasil aos mercados passivamente?’; nesta pág) ; de outro lado, essa concessão é mais que compensada pela abrangência de interesses contemplados por outras diretrizes de superlativo impacto na repartição do poder e da renda.

    Por exemplo, rebaixar o espaço estratégico do pré-sal na política de desenvolvimento e resgatar o da energia nuclear.

    Mas também fragilizar o Mercosul em benefício de acordos bilateraisleia-se subordinar a diplomacia brasileira à agenda hegemônica dos livres mercados numa restauração da lógica da Alca sepultada desde 2003 (leia mais no blog do Emir; nesta pág.)

    Marina Silva se oferece assim às elites e aos endinheirados como uma espécie de ‘topa tudo’. Um candidatura desfrutável como um Bombril, que se presta a mil e uma utilidades.

    Não é pouco. E não surpreende que amplas parcelas do PSDB -e da mídia que apoiava seu candidato, já tenham cristianizado Aécio Neves, para embarcar no meteórico ônibus da ‘nova política’, rumo à Brasília.

    Repita-se aqui o que disse Carta Maior em nota anterior. A oportunidade representada por Marina Silva contempla aspirações de poder que invariavelmente, desde 2002, encontraram dificuldade de se expressar através de um palanque que emprestasse carisma popular a um projeto de raízes tão excludentes.

    Agora não mais, graças à ascensão desse super-bond chamado ‘nova política'.

    De novo, vale repetir: trata-se de um retrofit político e ideológico.

    Retro, do latim “movimentar-se para trás” e fit do inglês, adaptação, ajuste.
    Termo originado da arquitetura, o retrofit é recomendável quando um edifício chega ao fim de sua vida útil.

    É uma opção para corrigir o desgaste e a decadência do uso sem, todavia, alterar seus alicerces e estruturas de sustentação. Fica mais barato e é funcional.

    O programa de Marina Silva é um retrofit do neoliberalismo .

    O desafio de vida ou morte do campo progressista nesse momento é restaurar a transparência dos dois polos em confronto na sociedade brasileira, dissimulados sob a aparência de uma ‘nova política’.

    O calcanhar de Aquiles do retrofit conservador é o antagonismo entre a maquiagem da fachada e de alguns equipamentos e a rigidez dos pilares e colunas estruturais.

    Num edifício isso é contornável com algum jogo de decoração.

    Numa sociedade pode ser insuportável.

    A participação soberana e democrática da população nas decisões sobre o desenvolvimento frequentemente evoca mudanças estruturais que colidem com os interesses calcificados que a ‘nova política’ visa preservar.

    Um exemplo resume todos os demais.

    O programa de Marina Silva afirma que vai destinar 10% do orçamento à educação em seu mandato –antes, portanto, do ciclo de dez anos previsto pelo governo Dilma, que ancora sua projeção em ganhos com os royalties do pré-sal, cuja centralidade será descartada em um governo do PSB.

    Diz, ainda, que assentará 85 mil famílias de sem terra (em 2012 foram assentadas 23 mil).

    E sinaliza que destinará outros 10% do orçamento à saúde.

    Uma pergunta: fará tudo isso ao mesmo tempo em que entrega aos centuriões do mercado o comando da política fiscal para procederem ao arrocho no gasto público?

    Não só.

    Marina afirma apoiar o decreto de Dilma, demonizado pela elite que a festeja, da Política Nacional de Participação Social.

    É justo perguntar: participação em que, quando se terceiriza aos operadores do mercado a prerrogativa de fixar os principais preços da economia, entre eles a taxa de juros, delegada a um Banco Central independente? (Leia esclarecedor artigo de Paulo Kliass sobre esse tema; nesta pág).

    Marina e seus formuladores defendem a mesma autonomia em relação a outros preços estratégicos.

    O câmbio, segundo eles, deverá flutuar livremente.

    Quanto aos ao salários (o terceiro preço decisivo no capitalismo) , já se antecipou que a política de valorização do salário mínimo adotada pelos governos petistas será revertida.

    É justo repetir a pergunta: assim encapsulada a economia nas mãos do mercado, o que sobra à participação social endossada por Marina Silva?
    Visto desse prisma da dinâmica econômica e social, o programa de 242 páginas resume-se a um embrulho vistoso que guarda uma única determinação implacável: devolver a agenda do desenvolvimento à supremacia dos mercados.

    A um custo social não mencionado, mas implícito.

    Dizer que manterá o Bolsa Família , como o faz o calhamaço, mas sinalizar com o arrocho do salário mínimo, implica devolver à miséria milhões de famílias assalariadas.

    Prometer assentar 85 mil sem terra e praticar uma política cambial, monetária e tarifária como querem os operadores de mercado é enxugar o chão com a torneira aberta: centenas de milhares de famílias serão cuspidas de seus lugares e de seus empregos.


    Por tudo isso, é pertinente dizer que o endosso de Marina à política de participação social lançada por Dilma significa pouco mais que um retrofit na palavra simulacro.

    O conjunto, porém, envolve uma operação de potencial lucrativo tão elevado que ao mercado compensa tolerar os penduricalhos da ‘professora que veio dos seringais’ –desde que a cozinha econômica fique, como já se definiu que ficará, nas mãos experientes dos açougueiros do mercado financeiro.

    Não é só uma sucessão presidencial, portanto, o que está em jogo.

    É uma mutação histórica do desenvolvimento brasileiro que se for implementada marcará funestamente a vida desta e de futuras gerações.


    Diante da gravidade do que se avizinha, Carta Maior reitera seu editorial anterior:

    Ao aluvião de interesses graúdos -e de descontentamento difuso, seduzido pelo glamour da ‘nova política’, não basta contrapor o exaustivo balancete publicitário do que se conquistou e se incorporou à rotina do país nestes últimos 12 anos.

    É importante, mas não é suficiente.

    É forçoso contrapor à ‘nova política’ aquilo que a desnuda e afronta.

    É urgente dizer pelo que se luta; e contra quem se trava a batalha dos próximos dias e noites.

    Essa é uma batalha entre a democracia social e as forças regressivas mobilizadas pelos interesses globais que acossam a economia brasileira.
    É preciso escancarar a contradição entre o retrofit messiânico que as expressa e as estruturas calcificadas que ele maquia.

    É preciso contrapor a isso um salto efetivo da democracia participativa que devolva à sociedade o poder reordenador que agora se pretende terceirizar aos mercados.

    Tornar esse salto palpável aos olhos da população requer um símbolo de magnetismo equivalente às tarefas que essa agenda encerra em termos de repactuação de metas, concessões, salvaguardas e organização política.

    Um novo governo estruturado em torno dessa renegociação do desenvolvimento requer um chefe de Casa Civil dotado, ao mesmo tempo, de inexcedível sintonia com a Presidenta Dilma , e de incontrastável representatividade popular.

    Essa referência existe; já funciona de fato como líder político do campo progressista; deveria ser oficializado desde já no anúncio antecipado da composição de um segundo governo Dilma.

    Seu nome é Lula.






    http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-programa-que-agrada-os-banqueiros/4/31718




    Carta Maior, 31/08/2014




    O programa que agrada os banqueiros



    Por
    Darío Pignotti



    Uma thatcherista ecologicamente correta na corte da candidata Marina Silva. Desde que a dirigente ambientalista anunciou que disputará as eleições presidenciais, a única pessoa de seu entorno que deu detalhes sobre o seu programa de governo foi Maria Alice Setúbal, membro da dinastia que fundou e conduz o banco privado mais importante do país.

    Maria Alice Setúbal prometeu que, se Marina for escolhida nas eleições de 5 de outubro, a partir de 1º de janeiro de 2015, a futura administração acabará com as heterodoxias da presidenta Dilma Rousseff, detestada na comunidade financeira, onde é caracterizada como “estatista e intervencionista”.

    Marina Silva (Partido Socialista Brasileiro) está situada nas antípodas de Dilma (Partido dos Trabalhadores), explicou Setúbal, já que o programa econômico da ecologista “coloca seu foco em pontos claros, destacando claramente a reforma tributária e a responsabilidade fiscal”, a ser alcançada com o corte de gastos e o encolhimento do Estado. Marina, em segundo lugar em uma pesquisa em que aparece com 21% das intenções de voto, 15 abaixo de Dilma, foi apresentada na semana passada, pouco tempo depois da morte do ex-candidato socialista à presidência Eduardo Campos, ocorrida em um acidente aéreo no interior de São Paulo.

    “Ela (Marina) já declarou que vai honrar todos os compromissos assumidos por Eduardo (Campos)..., por exemplo a autonomia do Banco Central. Em princípio, ela considerava que não era necessária uma autonomia formal, feita por lei, mas ao final, aceitou”, contou a apoiadora Setúbal.

    A ex-ministra de Meio Ambiente que chamava seus seguidores de “sonháticos” parece ter entendido as coordenadas do poder. “Ela está mais pragmática”, a adoção de posições moderadas foi aprovada pelos empresários que, nos últimos dias “nos ligaram bastante... eu recebi ligações” oferecendo doações de campanha. E avisou que, nos próximos dias, operadores do mercado financeiro se somarão à equipe de economistas liderada pelo liberal Eduardo Gianetti da Fonseca.

    Nos jornais do fim de semana, as declarações de María Alice Setúbal, integrante da família que controla o Banco Itaú, mereceram uma cobertura extensa, junto de artigos sobre o crescimento de Marina em novas pesquisas. Essa repercussão jornalística se deve ao fato de a filha de Olavo Setúbal, conhecido colaborador da ditadura e fundador do Itaú, falar em dupla condição –de coordenadora do programa de governo de sua “amiga” Marina Silva e de porta-voz dos banqueiros. Seus argumentos são os invocados pela corporação financeira –alguns compartilhados pelos empregadores industriais–, como o caso da redução da carga tributária para substituí-la por outra mais regressiva do que a atual, e o fim das políticas sociais que eles chamam de “populistas”, marcas dos governos do PT.

    Há uma semana, Dilma e seu companheiro Luiz Inácio Lula da Silva apresentaram um portal para informar sobre as políticas públicas com prioridade no combate à pobreza (programas Bolsa Família e Brasil Sem Miséria), a criação de 20 milhões de empregos e a construção de milhões de casas populares (Minha Casa, Minha Vida), implementados desde 2003 pelas administrações petistas.

    Em consonância com Dilma e Lula, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, advertia que mais altas dos juros da dívida pública (são de 11% ao ano) conspiram contra as políticas sociais e o ritmo da atividade econômica. “Inflação não se combate com balas de canhão, porque chuta o juros para cima, a economia vai definhar, você vai ter recessão. Aí sim vai ter uma inflação baixa. Mas aí é a paz do cemitério”, argumenta o desenvolvimentista Mantega, cuja cabeça os colunistas liberais (que são 9 em cada 10) e os bancos detentores de títulos da dívida pedem em uníssono na revista britânica The Economist.

    A porta-voz de Silva e herdeira do Banco Itaú rebateu a tese do ministro nomeado por Lula em 2006, ratificado por Dilma ao assumir em 2011. Setúbal argumentou que o combate à inflação do governo petista é tímido, insuficiente, pois tolera uma alta de preços de até 6,5% ao ano que, prometeu, será estabelecido como um teto durante um eventual mandato “marineiro”, apelido com o qual os seguidores de Silva se identificam.

    Repetindo o que acontece em outros países latino-americanos, os bancos brasileiros exigem uma guerra sem quartel contra a inflação para justificar o encarecimento das taxas pagas pelo governos: em 2013, os detentores de títulos públicos cobraram mais de 100 bilhões de dólares, valor que seguramente será superado em 2014. O Banco Itaú é um dos grupos beneficiados dessa sangria de recursos, já que no ano passado obteve grandes lucros (pela cobrança de juros e outras atividades) superiores aos 7 bilhões de dólares e no primeiro semestre de 2014 já arrecadou 4,2 bilhões de dólares.

    Maria Alice Setúbal, quem Marina chama pelo sobrenome Neca, concedeu uma entrevista de 72 minutos sem titubear, com a certeza de alguém que, além de pertencer a uma das famílias que ditam o poder sem importar o signo ideológico dos presidentes eleitos, agora pressente que ocupará um cargo no Palácio do Planalto. “Sim, serei”, respondeu quando lhe perguntaram se seria ministra ou conselheira de uma eventual presidência de Silva.

    Comentou que fala ou se encontra diariamente com a candidata evangélica e destacou suas posições economicamente ortodoxas manifestando sua fé em uma “nova política” e em um governo atento aos problemas ecológicos, conceitos sobre os quais não aprofundou, como também não se prolongou quando disse que Marina tem uma ideia mais feminina do poder.

    Tradução: Daniella Cambaúva






    Carta Maior, 31/08/2014




    Banqueira que coordenou programa de Marina diz que empresta até os óculos à candidata


     


    Por Antonio Lassance





    A revista Época entrevistou a herdeira do Itaú, sócia do Itaú/Unibanco e coordenadora do programa de governo Marina Silva, Maria Alice Setúbal, mais conhecida como Neca Setúbal.
    Em tempo de eleições, a revista não perdeu a oportunidade de fazer de campanha, se não francamente pró-Marina, certamente contra Dilma e o PT.

    A prova está no fato de que transformou em título da entrevista a única frase em que Neca Setúbal alfineta o PT. Ei-la:

    "Maria Alice Setubal: 'O que o PT faz hoje é de esquerda? Não sei'".


    A revista também perguntou: "A senhora é de esquerda?"

    Neca respondeu: "tenho um compromisso com a justiça social, com a sustentabilidade, com a liberdade, a democracia. Agora, se isso é ser de esquerda ou direita, não sei".

    Em nenhum momento da entrevista aparecem palavras como "desigualdade", "pobreza", "exclusão". Talvez Neca também não saiba o que é isso.

    A banqueira revela na entrevista que empresta seus próprios óculos a Marina Silva. Eles foram vistos sendo usados pela candidata no debate da Band (27/8).

    Quem sabe não foi por isso que Neca não viu que o Brasil, na última década, retirou mais de 40 milhões de brasileiros da pobreza e reduziu a desigualdade mais rapidamente do que qualquer outro país do mundo.

    Norberto Bobbio (no livro “Esquerda e direita: razões e significados de uma distinção”, de 1994) ensina que a maior diferença e grande desavença entre esquerda e direita se dá em torno dos princípios da igualdade e da liberdade.

    A esquerda é mais igualitária. A direita, mais propensa a defender a liberdade, travando batalhas intensas sobre os supostos riscos do igualitarismo.

    Uma lição ainda mais clara e menos acadêmica sobre essa distinção nos é dada por Leonardo Boff.

    Em um depoimento recente (http://youtu.be/mLKf8NNYqb4), Boff recomenda o apoio à reeleição de Dilma como um "gesto amoroso para com a população pobre e marginalizada".

    A frase nos dá uma ótima definição do que é ser de esquerda: é lutar para que o Estado e suas políticas sejam um "gesto amoroso para com a população pobre e marginalizada".
    Impossível ser mais claro, mais singelo, mais perfeito - digno de alguém que mantém seus óculos no lugar e sabe claramente o que é ser de esquerda.


    (*) Antonio Lassance é cientista político.

    O inimigo mora ao lado




    http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2014/08/1508656-um-em-dois.shtml




    Folha.com, 31/08/2014


    Um em dois

    Por Janio de Freitas


    O catatau dado como programa de governo de Marina Silva e do PSB, mas que contraria tudo o que PSB defendeu até hoje, leva a uma originalidade mais do que eleitoral: na disputa pela Presidência, ou há duas Marinas Silvas ou há dois Aécios Neves. As propostas definidoras dos respectivos governos não têm diferença, dando aos dois uma só identidade. O que exigiu dos dois candidatos iguais movimentos: contra as posições refletidas nas críticas anteriores de Marina e contra a representação do avô Tancredo Neves invocada por Aécio.

    Ao justificar sua proposta para a Petrobras, assunto da moda, diz Marina: "Temos que sair da Idade do Petróleo. Não é por faltar petróleo, é porque já estamos encontrando outras fontes de energia". Por isso, o programa de Marina informa que, se eleita, ela fará reduzir a exploração de petróleo do pré-sal.

    Reduzir o pré-sal e atingir a Petrobras no coração são a mesma coisa. Sustar o retorno do investimento astronômico feito no pré-sal já seria destrutivo. Há mais, porém. Concessões e contratos impedem a interferência na produção das empresas estrangeiras no pré-sal. Logo, a tal redução recairia toda na Petrobras, com efeito devastador sobre ela e em benefício para as estrangeiras.

    Marina Silva demonstra ignorar o que é a Idade do Petróleo, que lhe parece restringir-se à energia. Hoje o petróleo está, e estará cada vez mais, por muito tempo, na liderança das matérias-primas mais usadas no mundo. Os seus derivados estão na indústria dos plásticos que nos inundam a vida, na produção química que vai das tintas aos alimentos (pelos fertilizantes), na indústria farmacêutica e na de cosméticos, na pavimentação, nos tecidos, enfim, parte do homem atual é de petróleo. Apesar de Marina da Silva. Cuja proposta para o petróleo significaria, em última instância, a carência e importação do que o Brasil possui.

    A Petrobras é o tema predileto de Aécio Neves nos últimos meses. Não em ataque a possíveis atos e autores de corrupção na empresa, mas à empresa, sem diferenciação. Que seja por distraída simplificação, vá lá. Mas, além do que está implícito na candidatura pelo PSDB, Aécio Neves tem como ideólogo, já anunciado para principal figura do eventual ministerial, Armínio Fraga - consagrado como especialista em aplicações financeiras, privatista absoluto e presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique, ou seja, quando da pretensão de privatizar a Petrobras.

    A propósito, no debate pela TV Bandeirantes, Dilma Rousseff citou a tentativa de mudança do nome Petrobras para Petrobrax, no governo Fernando Henrique, e atribuiu-a à conveniência de pronúncia no exterior. Assim foi, de fato, a ridícula explicação dada por Philipe Reichstuhl, então presidente da empresa. Mas quem pronuncia o S até no nome do país, com States, não teme o S de Petrobras. A mudança era uma providência preparatória. Destinava-se a retirar antes de tudo, por seu potencial gerador de reações à desnacionalização, a carga sentimental ou cívica assinalada no sufixo "bras".

    Ainda a propósito de Petrobras, e oportuno também pelo agosto de Getúlio, no vol. "Agosto - 1954" da trilogia "A Era Vargas", em edição agora enriquecida pelo jornalista José Augusto Ribeiro, está um episódio tão singelo quanto sugestivo. Incomodado com o uso feroz da TV Tupi por Carlos Lacerda, o general Mozart Dornelles, da Casa Civil da Presidência, foi conversar a respeito com Assis Chateaubriand, dono da emissora. Resposta ouvida pelo general (pai do hoje senador e candidato a vice no Rio, Francisco Dornelles): se Getúlio desistisse da Petrobras, em criação na época, o uso das tevês passaria de Lacerda para quem o presidente indicasse. De lá para cá, os diálogos em torno da Petrobras mudaram; sua finalidade, nem tanto.

    De volta aos projetos de governo, Marina e Aécio desejam uma posição brasileira que, por si só, expressa toda uma política exterior. Pretendem o esvaziamento do empenho na consolidação do Mercosul, passando à prática de acordos bilaterais. Como os Estados Unidos há anos pressionam para que seja a política geral da América do Sul e, em especial, a do Brasil.

    Em política interna, tudo se define, igualmente para ambos, em dois segmentos que condicionam toda a administração federal e seus efeitos na sociedade. Um, é o Banco Central dito independente; outro, é a prioridade absoluta à inflação mínima (com essa intenção, mas sem o êxito desejado, Armínio Fraga chegou a elevar os juros a 45% em 1999) e contenção de gastos para obter o chamado superavit primário elevado. É prioridade já conhecida no Brasil.

    Pelo visto, Marina e Aécio disputam para ver quem dos dois, se eleito, fará o que o derrotado deseja.

    sábado, 30 de agosto de 2014

    As mil faces de Marina Silva



    http://brasildebate.com.br/as-mil-faces-de-marina-silva-a-camaleoa/



    Brasil Debate,  30/08/2014 


    As mil faces de Marina Silva



    Por ​Guilherme Santos Mello



    Em política, uma imagem vale mais que mil palavras. A construção da imagem política é um processo lento, que exige a repetição contínua de alguns mantras e a obstinação de seus seguidores.
    Uma vez construída, a desestruturação da imagem de um partido ou candidato pode se provar difícil de se consumar, mesmo com bons argumentos para isso.
    No caso do PT, por exemplo, ao longo de sua história constituíram-se duas fortes imagens vinculadas ao partido: a de guardião da ética na política e a de defensor dos mais pobres e trabalhadores.
    A primeira imagem, formada enquanto o PT se encontrava na oposição, foi fortemente abalada por alguns escândalos de corrupção ocorridos nas gestões petistas.
    Mesmo assim, até hoje o PT não representa, no imaginário da maior parte da população (excluíndo-se aí parcelas tipicamente anti-petistas), um partido corrupto, apesar do bombardeio midiático incessante contra a agremiação partidária.
    Por outro lado, a imagem de partido defensor dos interesses dos pobres e trabalhadores apenas se reforçou com os quase 12 anos de governo petista à frente da Presidência da República.
    Projeto próprio
    No caso de Marina Silva, a construção de sua imagem é mais recente. Após cumprir mandato no Senado pelo PT e ser ministra do Meio Ambiente de Lula, Marina abandonou o partido em busca da construção de um projeto político próprio.
    Sua histórica ligação com as causas ambientais iniciaram a construção da imagem de uma militante verde, que apenas se reforçou com seu ingresso e candidatura federal pelo Partido Verde.
    No entanto, a causa ambiental, apesar de possuir forte apelo em parcelas da juventude, é insuficiente para construir uma imagem política forte para gabaritar alguém a assumir o cargo máximo da república.
    Novidade política?
    Sendo assim, outro fator teve que ser agregado à imagem de Marina ao longo dos últimos anos: a de novidade política que propõe uma ruptura com o sistema político atual.
    Com essas duas imagens construídas, Marina Silva parece conquistar parte significava da juventude de classe média alta das grandes cidades, que se preocupam com a questão ambiental e gostariam de ver uma nova ordem política no País.
    Neste momento em que Marina mais uma vez se lança à Presidência da República, nos cabe perguntar: qual o conteúdo por trás de sua imagem?
    De galho em galho
    Pois vejamos: do ponto de vista político, Marina é uma ex-petista que, após sua saída do PT, passou pelo PV, do qual fez uso como plataforma para organizar sua campanha.
    Após desavenças no PV, tentou fundar um novo partido a tempo de servir como plataforma eleitoral para seu renovado projeto eleitoral. Não tendo êxito nesta empreitada, aceitou aderir ao PSB para ser capaz de manter seu projeto de poder vivo.
    O projeto político de Marina Silva parece ser a ascensão ao poder de Marina Silva, independente de por qual partido isso ocorra.
    Nada mais tradicional no jogo de poder da política brasileira do que políticos com projetos pessoais de poder, independentemente de partidos e base social, como o caso aqui descrito.
    Além disso, Marina é incapaz de explicar como irá governar sem o apoio dos principais partidos políticos constituídos, se valendo de frases de efeito como “governar com os melhores”, que não possuem aderência à realidade do modelo político brasileiro.
    Discurso frágil
    O fato de sua campanha ser liderada pela família Bornhausen em Santa Catarina e por Heráclito Fortes no Piauí, ambos conservadores políticos tradicionais ex-integrandes do DEM, demonstra a fragilidade do discurso marinista.
    Do ponto de vista econômico, Marina Silva não representa nenhuma novidade no debate público. Suas posições sobre o tema, até o momento, são repetições do discurso liberal de Eduardo Giannetti, seu assessor econômico ligado historicamente ao PSDB.
    Em recentes declarações, Gianetti tem repetido para quem quiser ouvir que o projeto econômico de Marina é basicamente o mesmo que o projeto de Aécio Neves, o que ao contrário de representar uma novidade, parece apontar para um retorno ao modelo econômico do governo FHC.
    A defesa da redução do papel do Estado, do corte de gastos (inclusive de gastos sociais) e do controle radical da inflação, mesmo que as custas de maior desemprego e de uma recessão, foram plenamente incorporadas no discurso de Marina.
    Dúbia e conservadora
    Por fim, do ponto de vista dos valores, Marina representa o completo oposto da renovação, possuindo opiniões bastante conservadoras sob qualquer prisma que se analise.
    Sua postura sobre aborto, combate às drogas, criminalização da homofobia dentre outros tópicos polêmicos a tornam a candidata mais conservadora do pleito atual no que diz respeito ao debate sobre costumes.
    Sua formação evangélica, que lhe serve como base de sustentação política, permite que mantenha em público um discurso dúbio sobre temas polêmicos (como sua proposta de realizar um plebiscito para discutir a questão do aborto), mantendo assim seu eleitorado evangélico ao mesmo tempo em que sinaliza alguma esperança aos eleitores mais progressistas.
    Imagem e semelhança
    Ao final, o que sobra de novidade em Marina? Apesar de incorporar ao seu discurso a temática ambiental, em todas as outras áreas Marina se parece muito com um político tradicional.
    Em caso de vitória eleitoral, um possível governo Marina Silva se veria diante do seguinte dilema: garantir governabilidade se apoiando em setores políticos tradicionais dentro e fora do Congresso, o que equivaleria a uma traição aos eleitores que apostaram na ideia de que é possível fazer política de uma forma “nova”; ou honrar seus compromissos com o eleitorado e não ter força política para governar, caindo no risco de paralisia governamental ou mesmo instabilidade institucional.
    Caso resolva construir uma aliança com os setores tradicionais,suas recentes declarações e seus apoiadores atuais nos fazem crer que seu governo se aliará aos interesses dos bancos, do mercado financeiro e de parcelas do empresariado, enquanto no Congresso Nacional se verá obrigada a amarrar uma aliança que conte ao menos com o PSDB e o PMDB para lhe garantir governabilidade. O que há de “novo” nessas alianças de poder?
    Não seria esse arco de sustentação o retorno à velha coalizão liberal de FHC? Talvez isso explique o recente abondono do ex-presidente ao candidato de seu partido e suas declarações de apoio velado à Marina Silva.
    Apesar de seu discurso e suas ações não corresponderem à sua imagem, será difícil a seus adversários desconstruir o mito Marina Silva.
    Além de haver pouco tempo de campanha eleitoral, a candidata dificilmente irá assumir posturas muito claras na maior parte do debate, mantendo-se como um “espectro” inatacável. Caso se mantenha bem posicionada nas pesquisas, dificilmente tal espectro irá se materializar em verdadeiros compromissos políticos, seja com os eleitores, seja com outros partidos políticos.
    Caso, no entanto, a população passe a duvidar da imagem de Marina, ela terá que se materializar, sair do campo das ideias dúbias e assumir algumas posições concretas. Se isto ocorrer, o “mito” Marina Silva estará seriamente ameaçado, pois suas contradições podem vir à tona e torná-la apenas mais uma dessas boas ideais que se desmancham no ar.




    ​​




     


    Carta Maior, 30/08/2014




    Marina e as Elites



    Por
    Rafael Cesar Ilha Pinto (*)





    ​Muitas pessoas ficaram surpresas com a declaração de Marina Silva no primeiro debate entre os presidenciáveis na Rede Bandeirantes sobre as elites: a comparação entre Maria Alice Setúbal (a Neca) e Guilherme Leal com Chico Mendes, dizendo que este último também seria da elite e, com a afirmação de que o Brasil precisaria de mais elites. Um debate mais profundo até foi travado entre cientistas políticos sobre o enunciado, a terminologia e a corrente epistemológica a que faz referência nesta área acadêmica.

    O debate dizia respeito à vinculação da fala da candidata à Teoria das Elites, corrente teórica e escola de investigação muito relevante na Ciência Política (em muitos ambientes hegemônica) e nas Ciências Sociais de maneira geral. Essa corrente teórica preconiza, em linhas gerais, que a vida pública é comandada por elites políticas representativas de determinados grupos sociais. Segundo essa tradição teórica (que vem desde Mosca, Pareto e Mischels), essas elites cumprem, ao mesmo tempo, o papel de exercer a liderança em seu grupo de origem e ser seu representante no âmbito mais geral da sociedade.

    Nesse sentido, Marina Silva estaria então comparando e dizendo que Chico Mendes como líder sindical e Guilherme Leal (dono da Natura, grande empresário e seu vice em 2010), assim como, Maria Alice Setúbal (herdeira e acionista do Banco Itaú), seriam elites, diferentes elites, mas elites que influenciariam a vida política nacional como representantes de seus grupos sociais de origem. Não discordo da análise, não há problema nessa explicação teórica e, em minha opinião, procede à percepção daqueles que enxergam em Marina Silva essa linha de raciocínio.

    Gostaria apenas de fazer duas considerações sobre esse debate, uma de caráter analítica sobre a teoria e outra de caráter prático/normativo sobre a postura de Marina.

    Em primeiro lugar, entendo que a Teoria das Elites, como campo analítico de estudo da Ciência Política para a democracia liberal (constituída esta pela representação legal e indireta) uma excelente ferramenta de investigação, descrição e interpretação da realidade objetiva na maior parte dos casos. Contudo, tenho cá minhas discordâncias quanto a este modelo teórico. Minha inconformidade parte de algumas singelas e, talvez, ‘ultrapassadas’ indagações:

    1º será que as digamos, ‘elites econômicas’ e as digamos, ‘elites populares’, exercem influências iguais em escala e natureza na vida pública?;

    2º/1 será que a democracia liberal, como se conhece nos países ocidentais, em especial nos países Europeus, tem a mesma lógica de justiça (analisada por liberais como Hawls e Habermas, por exemplo) no contexto latinoamericano e brasileiro em particular?;

    2º/2 será que esta lógica relacional de alteridade social e política é/está bem adaptada à nossa realidade?;

    2º/3 será que queremos incorporar integralmente e somente esta ‘receita de bolo’, formulada no contexto europeu de disputa entre liberais X conservadores, à nossa vida pública?;

    3º será que em um país com desigualdades sociais e econômicas anacrônicas e estruturais (ver índice de GINI do Banco Mundial) é possível 'equalizar' elites em sua capacidade de intervenção na vida pública?

    Em segundo lugar, seguindo o raciocínio acima, o que Marina Silva então parece estar querendo dizer com ‘o Brasil precisa de mais elites’ é exatamente o pressuposto da Teoria das Elites e, o reforço da ideia liberal de que ‘os melhores’ exercem a liderança e devem governar a vida pública. Assim, partindo da prescrição ‘marineira’ de que precisamos de mais elites, questiono: será que é possível, ou mesmo desejável, ter somente e reforçar apenas o modelo de democracia representativa baseado em elites políticas? Em um país como o Brasil, tão desigual como dito mais acima, quais das elites governarão ou continuarão a governar? Essas elites, que deterão o monopólio da representação política, serão permeáveis ou refratárias a, pelo menos, uma maior inclusão social e cidadã?

    Acredito, em medida complementar, que é preciso pensar o processo democrático para além do mero procedimento bianual de escolha de líderes já estabelecido, é preciso refletir para além da democracia ‘realmente existente’ e institucionalizada pela Constituição Federal de 1988. Já é hora de refletirmos sistematicamente sobre os ‘vazios’ democráticos que esse modelo de representação nos relega e interrogar como superar esses vácuos e a tão propalada ‘crise de representação’.

    Conjecturando, de maneira a acrescer, a possibilidade de uma democracia de maior intensidade e substância, maior participação e envolvimento social e que confira, por consequência, maior legitimidade a todo sistema representativo.

    Sem essa perspectiva, a ‘nova política’ é só uma miragem sem conteúdo (na verdade conservadora do status quo político), um palavrório moralizante sem efeito, uma cantilena já ouvida e requentada nesta eleição, mais uma vez. 
    (*) Doutorando em Ciência Política/PPGPOL - UFRGS

    sexta-feira, 29 de agosto de 2014

    Recessão atinge em cheio o centro e o eixo da Zona do Euro




    http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Economia/Recessao-atinge-em-cheio-o-centro-e-o-eixo-da-Zona-do-Euro/7/31703




    Carta Maior, 29/08/2014 


    Recessão atinge em cheio o centro e o eixo da Zona do Euro



    Por Vicenç Navarro (*)



    Não há dúvidas de que, quando for escrita a história da União Europeia e da Zona do Euro dentro dela, será mostrado até que ponto uma religião laica – o neoliberalismo – pode ser reproduzida apesar de toda a evidência empírica acumulada mostrando não apenas que tal religião estava equivocada, mas também o enorme prejuízo que ela está causando nas classes populares dos países da União. A religião laica se promove com um espírito apostólico, baseado em uma fé impermeável à evidência científica, revelando claramente sua grande falsidade. Atualmente, esta fé, reproduzida pela maioria da mídia, está anunciando que a Espanha e a Zona do Euro estão se recuperando, quando, na realidade, estamos entrando em outra recessão. Vejamos os dados.

    Desde que, no ano de 2007, teve início a Grande Recessão, que para muitos países foi pior do que a Grande Depressão, houve, na Zona do Euro, nada menos que duas recessões, consequência da aplicação das políticas neoliberais. A primeira ocorreu no período 2008-2009. Foi seguida de uma rapidíssima recuperação (com um crescimento econômico da Zona do Euro de somente 0,5% do PIB) no período 2009-2010, para cair novamente em outra recessão, que durou 18 meses e que anulou o escassíssimo crescimento que tinha acontecido na etapa de crescimento anterior. No ano de 2012, iniciou-se outra excessivamente tímida recuperação com um crescimento de somente 0,2% do PIB, recuperação que está sendo novamente revertida, iniciando agora uma terceira recessão (o PIB da Zona do Euro caiu 0,2%), alcançando três recessões em cinco anos. Um recorde! Na realidade, a economia da Zona do Euro nunca se recuperou desde a queda de 2007, quando teve início a Grande Recessão. As pequeníssimas recuperações eram, mais do que tudo, pequenos saltos do fundo do abismo.

    Estamos agora no início da terceira recessão

    O que é importante sublinhar é que esta terceira recessão que se inicia, diferentemente das outras duas anteriores, está voltada para países centrais da Zona do Euro, Alemanha, França e Itália. As outras duas anteriores tinham se centrado nos países periféricos, Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. De certa maneira, esta recessão é consequência da Grande Recessão que, finalmente, atingiu em cheio o centro e o eixo da Zona do Euro. O PIB dos três países centrais soma 8,8 trilhões de euros, que é o tamanho da economia da China. E dado que a economia da Alemanha (que equivale um terço do PIB da Zona do Euro) se baseia muito nas exportações, que representam 56% de sua economia, esta queda da economia do centro da Zona do Euro prevê uma desaceleração da economia mundial.

    Os fatos políticos que estão acontecendo no continente europeu, dos quais o conflito da Ucrânia é de grande importância, contribuíram (apesar de não terem causado) para esta terceira recessão. O golpe de Estado na Ucrânia, com o apoio dos governos da União Europeia e dos Estados Unidos, iniciou uma situação de conflito, reavivando a Guerra Fria, que já está tendo um custo econômico considerável. Mas a principal causa da terceira recessão são as políticas neoliberais baseadas na austeridade (os infames cortes e o desmantelamento do Estado de bem-estar social, a diminuição dos salários e o crescimento do desemprego), que estão destruindo o bem-estar das classes populares.

    E estas políticas estão sendo feitas para benefício e glória do que antes era chamado o capital, hegemonizado pelo capital financeiro, e que agora se chama o 1%. Atualmente, o establishment (ou seja, a estrutura do poder econômico, financeiro, midiático e político) europeu, centrado na Comissão Europeia, no Banco Central Europeu, o Conselho Europeu e o governo alemão e seus aliados, como o governo Rajoy, está realizando tais políticas com toda crueldade, respondendo a cada crise com a resposta previsível de que o fato de não sair da crise é porque precisam aplicá-las inclusive com mais força e contundência, levando as classes populares à ruína. Três recessões em cinco anos é o resultado.

    E o grande drama é que as esquerdas governantes aceitaram e continuam aceitando o dogma neoliberal. Sua versão é a versão light das mesmas políticas. Não têm mais a ver com as propostas econômicas dos principais partidos social-democratas de oposição, incluindo o PSOE (cujo novo secretário-geral enfatizou, em sua entrevista ao El País, como ponto central de seu programa econômico melhorar a competitividade europeia e espanhola), para perceber que não há uma mudança substancial destas políticas, sob o argumento de que estas são as únicas possíveis. Acusam as únicas alternativas que permitem romper com esta série de recessões de utópicas, demagógicas e uma série de epítetos desqualificativos. A experiência histórica mostra que, para sair desta recessão crônica (que, repito, alcança dimensões de depressão em muitos países), é necessária uma mudança quase de 180º da política aplicada.

    Há alternativas

    Sim, por exemplo, nos centramos em um dos maiores problemas – o endividamento das famílias e de grandes e pequenas empresas – a solução é fácil de ver. Os Estados têm que garantir o crédito, tomando uma série de medidas, desde mudar a governança do euro e do BCE, estabelecendo o crescimento econômico como objetivo deste Banco, até aumentar a capacidade aquisitiva das classes populares com um aumento muito notável e massivo do gasto público, incluindo o gasto em infraestruturas, não somente físicas, mas sociais do país, facilitando o alcance da felicidade (sim, leu certo, felicidade) como objetivo do novo modelo econômico-social, e não a acumulação de benefícios do capital. E tudo isso não acontecerá sem uma profunda democratização das instituições que refletem a vontade e a soberania popular. Atualmente, a demanda mais revolucionária existente na Europa não é a nacionalização dos meios de produção, mas a exigência de que cada cidadão tenha a mesma capacidade de decisão em um país, enfatizando as formas de participação direta (o direito a decidir todos os níveis), além de democratizar as escassamente democráticas instituições representativas.

    Exigir democracia com toda contundência e agitação (que deve excluir qualquer forma de violência) é revolucionário, pois entra em conflito direito com as estruturas que controlam as instituições que se autodefinem como democráticas.

    Também não é afirmar que a propriedade dos meios de produção, distribuição, persuasão e legitimação é chave para definir o grau de liberdade, democracia e justiça existente em um país. Mas, a não ser que os sistemas escassamente democráticos mudem, não haverá maneira de que o resto do mudo.

    O grande erro de muitas esquerdas radicais tem sido se limitar à agitação, sem intervir na luta dentro do Estado. Estas esquerdas devem estar na rua e nas instituições, exigindo mudanças radicais (ou seja, que vão às raízes do problema de concentração de poder) contra as quais as estruturas e castas de poder vão se opor de todas as maneiras. As classes populares poderão alcançar o que desejam se se mobilizarem. O problema principal existente na Espanha não é que a população não seja consciente das enormes limitações da democracia espanhola, mas sim não acreditar que isto possa mudar. Mas a história mostra que sim, é possível. Ao contrário do que as estruturas de poder informaram, a mudança de ditadura para democracia aconteceu como consequência da enorme mobilização popular, liderada pelo movimento trabalhador. Foi esta mobilização que colocou fim na ditadura. E esta mobilização podem também forçar mudanças agora, democratizando autenticamente o país.

    (*) Vicenç Navarro foi Catedrático de Economia Aplicada da Universidade de Barcelona. Atualmente é Catedrático de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Pompeu Fabra de Barcelona. É também professor de Políticas Públicas na Johns Hopkins University (Baltimore, EUA) onde lecionou por 35 anos. Dirige o Programa em Políticas Públicas e Sociais patrocinado.

    Tradução: Daniella Cambaúva

    quinta-feira, 28 de agosto de 2014

    Obrigação de jogar de igual para igual




    http://www.maurosantayana.com/2014/08/o-brasil-e-os-proximos-anos.html




    Blog do Santayana, 28/08/2014




    O Brasil e os próximos anos


    Por Mauro Santayana





    À medida que estamos mais perto da eleição, se evidencia também a necessidade de avaliar as opções estratégicas que aguardam o Brasil nos próximos anos.   
    Hoje, muita gente acha que se nos aproximarmos muito do mundo em desenvolvimento, como a América do Sul, África e as potências emergentes às quais estamos unidos no BRICS - Rússia, Índia, China, África do Sul - estaremos nos afastando cada vez mais da Europa e dos EUA.
    Há, entre certos tipos de brasileiros, os que continuam cultuando apenas o que existe em Nova Iorque, Miami ou Paris, como se não existisse mais nada neste mundo, e os arranha-céus mais altos do planeta não estivessem sendo construídos – para ficar apenas no símbolo de modernidade e pujança das “skylines” que fizeram a fama dos EUA – em cidades como Moscou, Dubai, ou Xangai.
    Ataca-se a China por censurar o Google, mas não se atacam os EUA por usarem a internet para espionarem e chantagearem milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo nações de quem se dizem “aliados” como é o caso do Brasil e da Alemanha.
    Atacam-se os países do MERCOSUL por nos impor barreiras comerciais, mas não a Europa e os Estados Unidos por terem feito conosco exatamente o mesmo, nos últimos 200 anos, bloqueando – sempre que puderam - o desenvolvimento de tecnologia em nosso continente e absorvendo, antes e depois de  nossa independência, basicamente matérias-primas.
    Muitos esquecem que o MERCOSUL, com todas suas barreiras, continua o maior, e, às vezes, o único destino para nossas manufaturas. Que só para países como a Venezuela temos aumentado nossas exportações nos últimos anos.
    Isso, enquanto têm diminuído nossas vendas e nossos ganhos – e os do resto do mundo - com a Europa e os EUA, no esteio das  consequências de uma crise que já dura vários anos e que teve sua origem na desorganização e irresponsabilidade de do sistema financeiro que está sediado ao norte da linha do Equador.     
    A pergunta que cabe que nos façamos nos próximos anos é a seguinte: a que mundo pertencemos?
    Ao da Europa e dos EUA, que sempre nos trataram como colônia e cidadãos de segunda classe a ponto de termos tido milhares de brasileiros expulsos de seus aeroportos há pouquíssimo tempo?           
    Ou ao mundo em desenvolvimento, onde a cooperação e a necessidade de agregar centenas de milhões de pessoas a uma vida mais digna abre a porta para a oportunidade da realização de acordos e negócios que podem influenciar e melhorar também nosso futuro?
    Assim como ocorre na área comercial e diplomática, o Brasil precisa melhorar sua condição de negociação com os EUA e a Europa na área de defesa, usando, para isso, a perspectiva e a ameaça, sempre presentes, de  nos aproximarmos, também nessa área, cada vez mais dos BRICS.
    Os Estados Unidos e a Europa sempre se mostraram refratários a transferir tecnologia sensível ao Brasil e a outras nações latino-americanas.
    Os avanços conseguidos nesse campo pelos governos militares foram feitos a fórceps,  como ocorreu nas áreas bélica e aeroespacial, depois do rompimento, pelo Governo Geisel, dos acordos de cooperação com os EUA na área militar, e a aproximação com a Alemanha no campo da utilização pacífica da energia atômica.
    Os países “ocidentais” só aceitam transferir um mínimo de tecnologia bélica para países como o Brasil, quando a isso se veem obrigados pelas circunstâncias.
    Isso ocorre no caso em que estejamos prestes a alcançar certos avanços sozinhos – e aí eles se aproximam para “monitorar” e “medir” nossos avanços - ou se tivermos outros parceiros, como China ou Rússia – dispostos a transferir para nossas empresas, técnicos ou cientistas, esse conhecimento.
    Depois do tímido esforço de rearmamento iniciado na última década, virou moda, nos portais mais conservadores, se perguntar contra quem estamos nos armando, se vamos invadir nossos vizinhos, ou, ridiculamente combater os Estados Unidos.
    Muitos se esquecem, no campo da transferência de tecnologia na área de defesa, que sempre fomos tratados pelos Estados Unidos como um inimigo ao qual não se deve ajudar, em hipótese alguma, a não ser vendendo armas obsoletas ou de segunda mão.
    No programa FX, de compra de caças para a Força Aérea, a BOEING norte-americana só concordou em transferir tecnologia para a Embraer – acordo que teria, antes de concretizado, de ser aprovado pelo congresso norte-americano – depois que os franceses, com o RAFALE, e os suecos, com o GRIPPEN NG BR, já tinham concordado em fazer o mesmo. E isso quando vários oficiais da Força Aérea brasileira se manifestavam nos fóruns, torcendo abertamente pelo SUKHOI S-35 russo.
    O melhor exemplo do que pode ocorrer, em caso de conflito, principalmente com algum país ocidental, se dependermos da Europa ou dos EUA para nos defendermos, é o argentino.
    Na Guerra das Malvinas, as mesmas empresas que, antes, forneciam armas e munição para que o Regime Militar massacrasse a população civil, em nome da “guerra interna”, das “fronteiras ideológicas” e do “anticomunismo”, deixaram de fornecer armas e peças de reposição às forças armadas daquele país, para que não fossem usadas contra a Inglaterra.
    Os Estados Unidos só concordariam em fornecer armamento avançado ao Brasil, mas nunca no nível do deles, caso aceitássemos nos transformar em seus cães de guarda na América do Sul, como o faz Israel no Oriente Médio; ajudássemos a criar uma OTAN no hemisfério sul; ou concordássemos, como é o caso da Itália ou a Espanha, em participar em “intervenções” como as feitas por Washington em países como a Líbia, o Iraque e o Afeganistão, correndo o risco de  indispor-nos com milhões de brasileiros de origem árabe e de virar, de um dia para o outro, alvo de ataques, em nosso próprio território, de organizações radicais islâmicas.
    Nos últimos anos, conseguimos desenvolver uma nova família de armas individuais 100% nacional, as carabinas e fuzis IA-2, da IMBEL; uma nova família de blindados leves, a Guarani, dos quais 2.050 estão sendo construídos também em Minas Gerais; desenvolvemos o novo jato militar cargueiro KC-390, da Embraer, capaz de carregar dezenas de soldados, tanques ligeiros ou peças de artilharia; voltamos a fortalecer a AVIBRAS, com a compra do novo sistema ASTROS 2020, e o desenvolvimento de mísseis de cruzeiro com o alcance de 300 quilômetros; estamos construindo no Brasil cinco novos submarinos, um deles a propulsão nuclear e reator nacional, com a França, um estaleiro e uma nova base para eles; desenvolvemos a família de radares SABER; foi fechada, com transferência de tecnologia e desenvolvimento conjunto com a Suécia, a construção em território brasileiro de 36 caças GRIPPEN NG-BR (foto); conseguimos fazer, no Brasil, a “remotorização” de mísseis marítimos EXOCET; foi fechada a transferência de tecnologia e está sendo desenvolvido, com a África do Sul, o novo míssil ar-ar A-DARTER; foram comprados novos navios de patrulha oceânica ingleses; helicópteros e baterias antiaéreas russas; e aumentou-se a aquisição e a fabricação de helicópteros militares montados na fábrica da HELIBRAS.
    Esses projetos, que envolvem bilhões de  dólares, não podem, como já ocorreu no passado, ser interrompidos, descontinuados ou abandonados, nos próximos anos, pelo governo que assumir o poder a partir de janeiro de 2015.
    Vivemos em um planeta cada vez mais multipolar, no qual os Estados Unidos e a Europa continuarão existindo e seguirão tentando lutando para se manter à tona contra uma lógica – e inexorável – tendência à decadência econômica, militar e geopolítica.
    Nesse contexto, os EUA e a Europa têm que ser olhados por nós como potências que estão no mesmo plano, militar ou político, que a China, a Rússia, a Índia ou o próprio Brasil.
    Como quinto maior país em população e extensão territorial, o Brasil tem a obrigação de negociar, e entrar no jogo, com todas essas potências, de igual para igual, e, nunca mais de forma subalterna. Sob a pena de perder o lugar que nos cabe neste novo mundo e neste novo século.